‘O primeiro registro recente que encontrei foi no ‘Estado de S. Paulo’, uma nota publicada no dia 3 de novembro: ‘Em Minas, governo cortou R$ 2 bilhões e reduziu déficit’. O texto informava que até o final do ano o governador de Minas, Aécio Neves, equilibraria as finanças. Segundo o jornal, ‘o choque de gestão de Aécio já é elogiado em todo o país e virou uma espécie de produto de exportação do governo mineiro’.
Depois, veio a ‘Veja’. A edição que circulou a partir do sábado, dia 20, trouxe uma reportagem de quatro páginas que abre com uma foto do governador vazada pelo título ‘Uma empresa chamada Minas’.
O texto é conclusivo: ‘Em apenas dois anos, o Estado sai do vermelho graças a um processo de saneamento baseado em métodos da iniciativa privada’. Em resumo, a reportagem informa que Aécio recebeu do ex-governador Itamar Franco um Estado ‘praticamente falido’, ‘inadimplente’, com um déficit anual de R$ 2,4 bilhões, sem credibilidade para contrair empréstimos internacionais. Dois anos depois, ‘em tempo recorde’, saneou as finanças.
Pela primeira vez aparecem as palavras-chave: déficit zero. Os termos usados para descrever o fenômeno foram, entre outros, ‘política administrativa austera’, ‘rigor administrativo’, ‘choque de gestão’, ‘técnicos competentes’. A reportagem enumera as medidas tomadas pelo governo para alcançar tal êxito e termina com um elogio do diretor do Banco Mundial para o Brasil, Vinod Thomas.
Na segunda-feira, 22, foi a vez da Folha. Na seção ‘Tendências/ Debates’ foi publicado artigo do governador Aécio Neves: ‘Déficit zero em Minas Gerais’. No mesmo dia, Aécio almoçou na Folha, conforme o jornal registrou na sua edição de terça-feira.
No dia 23, terça, o assunto ‘explodiu’ na imprensa, principalmente na mineira. Os três principais jornais de Belo Horizonte trouxeram um anúncio pago pelo governo estadual e pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais na sobrecapa que cobria suas primeiras páginas: ‘Um dia histórico para todos os mineiros. Minas Gerais anuncia o Déficit Zero’.
Campanha publicitária
O feito foi a manchete do ‘Estado de Minas’: ‘Minas zera déficit público’. Os jornais ‘O Tempo’ e ‘Hoje em Dia’ não deram manchete, mas chamadas na primeira página para a informação de que o governador anunciaria naquele dia que alcançara o déficit zero.
Na quarta, dia 24, como os três diários de Minas já tinham usado, na véspera, a expressão déficit zero, saíram com outro enfoque, mas com títulos semelhantes: ‘Minas vai investir R$ 1,7 bi em 2005’ (‘Estado de Minas’), ‘Minas retoma investimentos sociais’ (‘O Tempo’) e ‘Minas retoma investimento no ano de 2005’ (‘Hoje em Dia’). E todos trazem no pé de suas capas um novo anúncio do governo: ‘Déficit zero. Minas nos trilhos’.
Fora de Minas, o ‘Estado’ e ‘O Globo’ trouxeram pequenas notas com os dados divulgados pelo governo mineiro. ‘Valor’ trouxe uma reportagem maior. A Folha não publicou a notícia. Ao longo da semana, pelo menos três colunistas repercutiram o acontecimento: na Folha, Luís Nassif (quarta) e Gilberto Dimenstein (domingo); no ‘Globo’, Tereza Cruvinel (quinta).
As manchetes, reportagens, notas e colunas foram editadas junto com uma campanha publicitária do governo de Minas que durou seis dias. Nesse período, segundo o subsecretário de Comunicação Social, Eduardo Guedes, foram publicados anúncios na Folha, ‘Estado’, ‘Globo’, ‘JB’, ‘Gazeta Mercantil’, ‘Valor’, nos jornais de Minas, nas revistas ‘Veja’, ‘Época’, ‘IstoÉ’ e ‘CartaCapital’, além de mensagens em rádios e TVs do Estado.
Leitor crítico
O que impressiona, nesse caso, não é a iniciativa do governo de Minas de lançar uma campanha publicitária para anunciar o equilíbrio das contas e atrair novos investimentos para o Estado. O que impressiona é a abulia e a submissão da imprensa.
As notas e reportagens publicadas reproduzem acriticamente os dados oficiais divulgados pelo governo de Minas. Não há o contraditório, não há o questionamento, não há a dúvida, não há a curiosidade para um aprofundamento do tema. A cobertura jornalística obedece ao tempo e ao enfoque determinados pelo governo de Minas.
Em todo o material que analisei encontrei pouquíssimos registros que escapavam aos releases do Palácio da Liberdade.
Os colunistas da Folha Luís Nassif (‘O caso Minas e a economia’) e Gilberto Dimenstein (‘Minas está transformando dívida em ouro?’) fazem o elogio à gestão e situam, apropriadamente, o anúncio do déficit zero no contexto da corrida presidencial. E encontrei a carta de um leitor, Alexandre Magnoni, no Fórum dos Leitores do ‘Estado de S. Paulo’, que reclamava das ‘péssimas’ estradas de Minas.
A Folha não publicou a notícia. O ideal teria sido aproveitar a ocasião e publicar uma reportagem que mostrasse o que está acontecendo de positivo e negativo em Minas, com independência e espírito crítico.
Tomei esse caso de Minas como exemplo porque acaba de acontecer. Mas não é a primeira vez, e infelizmente não será a última, que a imprensa se sujeita docilmente às agendas promocionais dos governos.
Da parte deles, há sempre o argumento de que as campanhas atendem aos interesses públicos. Quanto à imprensa, quase sempre a falta de vontade atende a outros interesses.’
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‘MAIS! – O novo formato’, copyright Folha de S. Paulo, 5/12/04.
‘Recebi de vários leitores mensagens lamentando a mudança do formato do suplemento Mais!, que circula aos domingos.
Os leitores que escreveram demonstraram grande apreço pelo caderno, mas criticaram o novo formato standard. O tablóide era mais fácil de manusear e de arquivar, defenderam. Um email resume um pouco a frustração: ‘Sou leitora assídua e espero sempre com ansiedade a chegada do jornal do domingo para ser a primeira a pegar o caderno, disputado aqui em casa. Mas hoje, quando finalmente o encontrei tão igual ao resto, o primeiro sentimento foi de traição: como podem promover tais mudanças sem antes consultar, ouvir e considerar a opinião dos leitores? Qual o sentido dessa mudança?’.
Encaminhei a pergunta para a Redação. Transmito a resposta que recebi do editor do caderno, Marcos Flamínio Peres:
‘A Folha tem por tradição alterar projetos gráficos e editoriais de seus cadernos semanais para revitalizá-los e torná-los mais atraentes para os leitores. A mudança no Mais! acontece na seqüência de outras renovações, como as ocorridas no Folhateen, na Folhinha e no Equilíbrio. O Mais! havia mudado seu formato pela última vez em dezembro de 1999, dentro de um projeto mais amplo do jornal de ‘tabloidizar’ seus suplementos. A volta ao formato standard vem acompanhada de novas seções, como ‘Biblioteca Básica’, na qual uma personalidade escolhida pelo caderno escreve sobre um livro que considera fundamental, e ‘Contraponto’, com abordagens inusitadas de intelectuais sobre várias áreas das artes e do saber. O caderno estreou ainda a coluna do psicanalista Renato Mezan’.
Convenceu? A mim tampouco. Mas muitos leitores gostaram da mudança.’