Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba


’30/05/2005


Três assuntos dominam as capas das edições desta SEGUNDA da Folha, do ‘Estado’ e do ‘Globo’: o plebiscito na França, a CPI dos Correios e a Parada Gay em São Paulo.


Folha e ‘Globo’ dão manchetes para o resultado do plebiscito e as formulações são idênticas: ‘França diz ‘não’ e põe a Europa em xeque’ (Folha) e ‘França diz ‘não’ e põe em risco unidade européia’ (‘Globo’). Segundo o ‘Estado’, ‘Franceses rejeitam Constituição da EU’.


A CPI é a manchete do ‘Estado’: ‘Lula concentra esforços para CPI investigar só os Correios’. Segundo a Folha, ‘Lula orienta ministros a controlar CPI sem ‘matá-la’; no ‘Globo’, ‘PT articula bloco com o PMDB para controlar CPI’.


E os números da Parada Gay: ‘Parada Gay leva 1,8 mi à Paulista, calcula PM’ (Folha), ‘Parada Gay: Arco-íris na Paulista’ (‘Estado’) e ‘Parada gay reúne 2,5 milhões’ (‘Globo’).


Governo sob pressão


O depoimento do senador Fernando Bezerra, líder do governo no Congresso, à ‘Veja’ atingiu o governo que deveria defender. A Folha traz informações sobre os desdobramentos do caso, mas sem organizá-las. As repercussões sobre o depoimento do senador estão separadas em dois textos, como se fossem assuntos distintos: a reação do Planalto (‘Bezerra na berlinda’) está no pé da reportagem principal da página A4 (‘Lula desiste de tentar barrar CPI e quer negociar relatoria’), que trata da estratégia do governo para enfrentar as investigações parlamentares; e a memória do caso junto com a reação dos Correios está em outro texto, ‘Em nota, Correios e Furnas negam ter beneficiado empresas em licitações’.


Questão agrária/outro lado


O jornal tem reportagem sobre o MST (‘Cresce verba oficial para ‘capacitar’ o MST’, pág. A5) em que se refere a ongs que estão sendo investigadas pela CPI da Terra. O jornal informa, no espaço de defesa destinado ao ‘outro lado’ (‘Movimento não necessita de dinheiro público, diz dirigente’), que tentou ouvir, sem êxito, uma das entidades que tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados pela CPI, a Anca. Mas o próprio texto da Folha deixa claro que este esforço foi parcial: ‘Responsáveis pela Anca não foram localizados na sede da entidade em São Paulo na quinta nem na sexta’. Por que o jornal não tentou no sábado e no domingo e em outros lugares fora da sede?


O esforço de ouvir o outro lado envolvido em acusações ou suspeitas veiculadas no jornal não pode se esgotar dois dias antes da publicação da reportagem. O texto que foi publicado prova que o jornal não se esforçou tanto como deveria para garantir o direito de defesa de uma das partes.


Europa


A cobertura do plebiscito realizado ontem na França tem um problema sério, principalmente na Edição Nacional: o jornal não informa a respeito do conteúdo da Carta européia rejeitada pelos franceses. O jornal tem um bom balanço das conseqüências da rejeição (‘Não’ triunfa na França e impõe revés à UE’, pág. A11), mostra como as insatisfações internas influíram no resultado, mas não informa o que mudaria com a nova Carta. O que ela diz? O que tem de diferença com o regime atual? Que pontos da nova Constituição os franceses rejeitam? Não há a preocupação em situar o problema no texto principal.


A Edição SP traz uma arte com os ‘Principais pontos da Constituição européia’, mas está na página A12, no final, portanto, do material editado sobre o plebiscito. Quem lê apenas a capa do caderno, onde estão as principais informações, fica sem saber o que mudará na vida das pessoas com a nova Carta. Mesmo essa arte não trata dos artigos que podem ‘ameaçar’ o Estado do Bem Estar Social e afetar os serviços públicos franceses, alguns dos argumentos dispersos nos textos da cobertura. O que diz a Carta sobre esses pontos?


Ainda em relação à edição do plebiscito, é completamente irrelevante, na Edição Nacional, a informação de uma das notas da seção ‘Plebiscitárias’, a que informa que um político francês foi votar com a sua esposa apesar dos rumores de separação do casal (‘Juntos de novo’). E daí? Não é possível que o jornal não tivesse informações mais importantes sobre o plebiscito de ontem para transformar em nota.


A nota ‘Mídia por toda parte’ também não acrescenta nada. Era melhor o jornal ter feito um bom apanhado do que saiu na mídia européia.


Diversidade sexual


Outrora uma obsessão do jornal, o cálculo de multidões sequer é questionado hoje pela Folha. É possível uma manifestação reunir 1,8 milhão de pessoas na Avenida Paulista? Seja pela determinação de ser precisa, seja para evitar números fantasiosos que entram para a história como recordes, o jornal durante muito tempo buscou formas de questionar os cálculos (chutes?) oficiais. Para isso, já chegou a usar, com sucesso, o Datafolha. A preocupação foi abandonada há muito tempo e o problema do cálculo de multidões se resolve hoje comodamente publicando dois números, como se pudesse estender para os números o tratamento que os jornais costumam dar para versões conflitantes.


É o caso de hoje. A Parada Gay teria tido a participação de 2,5 milhões, segundo os organizadores, ou 1,8 milhão, segundo a PM. A Folha e o ‘Estado’ registram os números, mas cravam o segundo: ‘Parada Gay leva 1,8 mi à Paulista, calcula PM’ (Folha) e ‘Parada Gay reúne 1,8 milhão’ (Estado). O ‘Estado’ assume o número da PM, mas pelo menos publica um texto com questionamentos de especialistas (‘Cálculo de total de participantes causa polêmica’). Vários deles mostram que é impossível o evento ter concentrado tantas pessoas.


Se a Folha abandonou sua obsessão com o cálculo de multidões, deveria abandonar a preocupação de ter de dar números (provavelmente chutados) em sua manchete. Será que não tinha nada mais interessante ou relevante para chamar a atenção dos leitores do que um número que pode e deve ser questionado?


Se o jornal acha que o mais importante nestes eventos é o número de participantes, deveria então ter montado um esquema próprio para calcular a multidão.’