Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘É uma surpresa para mim que a credibilidade dos jornais brasileiros esteja em alta. Pesquisa nacional realizada pelo Ibope em maio mostra que a confiança que a população tem nos diários subiu de 65% em setembro de 2003 para 74% no mês passado.

Numa relação de 17 instituições e profissões avaliadas, os jornais só perdem em credibilidade para os médicos (85%) e as Forças Armadas (75%) e estão mais bem posicionados que dois de seus concorrentes diretos, o rádio (64%) e a televisão (61%).

Por que estranhei? Para mim é visível, como ombudsman, que a crise financeira que se abateu sobre as principais redações afetou a qualidade final de seus produtos. Há um esforço evidente para manter a qualidade, mas a escassez de recursos e de pessoal aflora no dia-a-dia das edições.

Talvez minha percepção possa estar afetada pela função -o ombudsman é depositário das queixas e frustrações dos leitores- e por outros fatores:

– a transferência para o cenário nacional da crise de credibilidade constatada na imprensa dos Estados Unidos;

– a permanência da crise financeira;

– a queda contínua de circulação dos jornais desde 2001;

– e a incógnita sobre o futuro dos jornais, acossados por novas formas de difusão de informação, principalmente através da internet.

É possível que esteja confundindo as várias crises que se sobrepõem neste momento (finanças, circulação e identidade) com uma crise de credibilidade. A pesquisa do Ibope mostra, no entanto, que os problemas acumulados parecem não ter afetado a confiança nos jornais.

Não sei, porém, se os leitores estão satisfeitos. Espero, honestamente, que não, porque a leitura diária dos nossos principais jornais mostra que estes precisam melhorar muito a qualidade da informação que veiculam.

Acabo de participar de uma reunião de ombudsmans de jornais, rádios e televisões de 13 países de diferentes continentes e culturas. Todos parecem concordar em, pelo menos, um ponto: leitores, ouvintes e telespectadores querem noticiários equilibrados e exigem cada vez mais pluralismo e transparência.

Transparência na linha editorial e na exposição pública dos negócios dos grupos. E transparência, principalmente, na disposição de corrigir os erros. Os jornais brasileiros avançaram pouco nesses aspectos: raramente informam sobre seus negócios e interesses econômicos e têm muita dificuldade em reconhecer erros e em corrigi-los.’

***

‘O que diz a pesquisa’, copyright Folha de S. Paulo, 5/6/05.

‘O gráfico que reproduzo acima com a evolução da pesquisa de avaliação dos jornais feita pelo Ibope a partir de março de 1989 mostra números bastante consistentes. Ao longo dos anos 90, o índice de confiança nos diários ficou em torno de 60%. Foi um extenso período em que a imprensa teve um papel importante na constituição da democracia e na fiscalização dos governos e dos políticos.

Nem erros históricos, como o caso da Escola Base (março de 94 e meses seguintes), abalaram o crédito acumulado em episódios como o Collorgate.

Em 1999, no entanto, houve uma queda acentuada na credibilidade dos jornais: o índice de desconfiança subiu de 36% em maio de 97 para 47% em maio de 99. Esse fenômeno atingiu a televisão com mais força: os que confiavam nela caíram de 56% para 42% e os que já não confiavam subiram de 40% para 54%.

A pesquisa do Ibope não entra em detalhes sobre o que motivou as avaliações. Em 1999, teve início o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Logo no começo do ano, houve a maxidesvalorização do real e o princípio de uma crise econômica que questionou, pela primeira vez, o Plano Real. Ao longo do ano, estouraram escândalos, como o do socorro aos bancos na crise cambial, os grampos do BNDES e as obras superfaturadas da nova sede do TRT de São Paulo.

De que forma esse ambiente de frustração generalizada pode ter afetado a avaliação da imprensa é uma incógnita. A resposta a essa questão exigiria um trabalho de pesquisa que não fiz.

Mas, em 2003, os jornais – e também as televisões – recuperaram a confiança da população. Esta última pesquisa de maio aponta para o melhor momento dos jornais nesses 16 anos.

Segundo a diretora-executiva do Ibope, Márcia Cavallari, os índices não confirmaram a percepção de crise de confiança. ‘Os jornais perderam venda, mas não perderam credibilidade.’

De acordo com o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, os jornais mantêm a imagem de ‘legitimadores’ da notícia e de principal referência quando o assunto é informação.

A pesquisa nacional do Ibope, feita com base em 2.000 entrevistas, tem margem de erro de 2,2 pontos percentuais.

O detalhamento da pesquisa aponta para alguns dados que merecem reflexão. Os jovens de 16 a 24 anos e os adultos entre 25 e 34 anos confiam mais nos jornais (79% e 80%, respectivamente) do que os que têm mais de 50 anos (65%), caso deste ombudsman.

Os que vivem no Sul (80%) confiam mais do que os que estão no Sudeste (72%). E os que moram no interior e nas periferias confiam mais (75%) do que os que vivem nas capitais (72%).

O Ibope avaliou 17 instituições e profissões. No final da lista, com os piores índices, estão os políticos (87% dos entrevistados não confiam neles contra apenas 11% que confiam), os partidos (85% contra 12%), a Câmara dos Deputados (74% contra 21%) e o Senado (71% contra 24%).

Parece que essas instituições, que nunca foram bem avaliadas, chegaram ao fundo do poço. E esse é outro tema que merece reflexão. Não há dúvida de que os únicos responsáveis pela péssima imagem dos políticos são os próprios políticos. Mas há uma relação entre imprensa e política que merece ser mais bem analisada. Será que estamos cobrindo bem, com acuidade, o mundo da política? Essa é uma questão para outra oportunidade.’

***

‘Dos leitores – A Parada Gay’, copyright Folha de S. Paulo, 5/6/05.

‘O maior número de mensagens que recebi nesta semana com críticas à Folha se referia à cobertura da Parada Gay, realizada no domingo passado. Na Crítica Interna de segunda, questionei o uso pelo jornal, sem questionamento de critérios, dos cálculos de participantes divulgados pela Polícia Militar (1,8 milhão) e pelos organizadores (2,5 milhões). Acredito que sejam números chutados.

Mas o que incomodou os leitores não foi esse detalhe, mas o enfoque da cobertura. Vários escreveram se dizendo decepcionados. Não publico seus nomes porque não tive condições de pedir autorização. Mas reproduzo alguns trechos de mensagens.

Um leitor viu ‘preguiça, desleixo e preconceito’ na cobertura. Outro, ‘desrespeito’: ‘Preferiram focar a reportagem apenas no lado negativo da Parada Gay e não focá-la no seu lado social’.

Uma mensagem é mais analítica: ‘(…) o fato concreto é que a parada ainda é majoritariamente vista como pauta comportamental, e não política ou de interesse geral. (…) Falta muito ainda para a chamada grande mídia dar um tratamento jornalístico minimamente denso à causa e às manifestações de lésbicas, gays e transgêneros’. Esta mesma mensagem sugere que se cobre da mídia uma cobertura mais respeitosa. ‘Pelo menos a Folha e o ‘Estado’ ficaram, mais uma vez, devendo uma cobertura razoável.’

O editor de Cotidiano, Rogério Gentile, não concordou com a avaliação de que a cobertura tenha sido preconceituosa: ‘O que aconteceu na avenida Paulista foi uma festa, sem desmerecer o aspecto político. O caráter festivo predominou e foi isso que a Folha registrou, sem preconceito’.

Acho que o jornal ficou muito preocupado com a festa e acabou dando pouco espaço para as reivindicações da manifestação.’