Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Beraba

‘Fui surpreendido, na edição de sexta-feira, dia 9, por uma ‘Nota da Redação’ da Folha publicada no ‘Painel do Leitor’ como resposta a um questionamento feito por Jair Faustino Rodrigues, de Guararema (SP). A carta cobrava do jornal, e com razão, uma resposta a comentários que fiz, na coluna de domingo passado, sob o título ‘O artifício especial’, à cobertura jornalística do desastre que devastou parte do litoral norte-americano do Golfo do México.

‘O que tem essa Folha a dizer a seus leitores sobre o ‘artifício’ usado para induzir-nos a acreditar que as notícias sobre a destruição perpetrada pelo furacão Katrina no sul dos EUA foram enviadas daquele país pelo repórter Pedro Dias Leite quando, na verdade, não o foram, conforme denunciou o ombudsman Marcelo Beraba em 4/9?’

No artigo de domingo, considerei um erro grave do jornal ter assinado, durante dois dias, o noticiário das agências internacionais como se fossem do repórter enviado à região. ‘O erro’, escrevi, ‘evidentemente, não é do repórter, que nem sequer tinha idéia do que se passava no Brasil, mas sim do jornal, que, com o artifício, quis fazer crer que estava recebendo informações exclusivas da região’.

A ‘Nota da Redação’ não admite que o jornal tenha errado: ‘Não houve erro ou omissão. Todas as reportagens comentadas pelo ombudsman foram creditadas ao enviado especial Pedro Dias Leite e às agências internacionais porque traziam informações coletadas pelo repórter da Folha e pelas agências’.

A fonte das notícias

Faço três observações a respeito dessa nota.

1 – A releitura das reportagens do dia 1º indica que as informações publicadas pelo jornal eram de agências ou de outras fontes. O repórter teve dificuldades normais para chegar à região devastada, para se locomover e para se comunicar com a Redação, como fica claro no ‘Diário do caos’ que publicou no sábado, dia 3. Mesmo assim, o jornal publicou duas imensas reportagens com a sua assinatura. Em uma delas, havia uma breve passagem que poderia ter sido colhida em Mobile: ‘…um porta-voz da cidade de Biloxi declarou que o saldo de mortos será de centenas’. No dia seguinte, a reportagem continha dois parágrafos sobre Biloxi (Mississippi). E nada mais.

Para mim, ficou evidente que o jornal quis passar a idéia de que foi ágil e de que já estava enviando informações da área, quando isso ainda não era possível por razões que não dependiam do jornal nem do repórter.

A prática de usar informações de agências com a assinatura de enviados especiais que mal desembarcaram nos seus destinos não é uma novidade. Mas, tal como acontece com a corrupção, o fato de ser antiga não significa que se justifica. Precisa ser erradicada. O jornal ganhará em credibilidade.

2 – Se o jornal está certo, como afirma na ‘Nota de Redação’, e as informações publicadas eram realmente do repórter, fica para mim uma outra questão não respondida: por que, então, ele não enviou um relato pessoal das desgraças e ruínas que testemunhou, como acabou fazendo, e bem, no sábado e no domingo? O que se espera de um enviado especial é que transporte o leitor para o front, e não declarações de autoridades feitas a quilômetros de distância. Mas sei que o repórter não teve condições de enviar seu testemunho nos primeiros dias.

O silêncio da Folha

3 – Por fim, o mais importante. A minha surpresa com a nota vem do fato de que o jornal teve três oportunidades para informar o ombudsman de que suas críticas não procediam.

Meu primeiro comentário foi feito no dia 1º de setembro, quando saiu a primeira reportagem assinada pelo repórter. Escrevi, então, na Crítica Interna: ‘Os relatos do enviado especial do jornal (‘Prefeito diz que milhares podem ter morrido’, na pág. A13, e ‘500 ônibus vão tirar 25 mil de Nova Orleans’, na pág. A14) não têm uma linha sobre o que o repórter deve estar vendo e vivendo em uma das cidades mais atingidas pelo furacão, Mobile. Os dois textos são consolidações de informações colhidas pelo jornal nas agências internacionais e por telefone e, para isso, não era necessário enviar um jornalista para o front. É um desperdício’.

Não recebi do jornal nenhuma contestação. É evidente que, se o jornal tivesse me informado que eu estava errado, avaliaria os seus argumentos e, mesmo que não concordasse com eles, os publicaria, como tenho feito sempre.

Na sexta-feira, dia 2, voltei a criticar o procedimento do jornal.

‘A Folha volta a incorrer hoje no mesmo erro que ficou flagrante na edição de ontem: está evidente que o repórter enviado para a região devastada pelo Katrina não está conseguindo passar informações a respeito do que testemunha. Os textos assinados por ele na primeira página do jornal e internamente contêm apenas informações das agências de notícias. O texto interno (‘Resgate em Nova Orleans tem tiros e caos’, na capa de Mundo) tem apenas dois parágrafos com referências genéricas ao local onde está o correspondente. O jornal agiria com correção se atribuísse as notícias que consolidou nas edições de ontem e de hoje às agências e a outras fontes de que dispõe e contasse claramente o drama que o seu profissional deve estar vivendo para se locomover, sobreviver e contatar a Redação em São Paulo. Isso é notícia. Deve-se destacar o esforço do jornal de deslocar um profissional para a região -é o que os leitores esperam da Folha- e deve-se toda a solidariedade ao repórter, que deve estar trabalhando em condições precaríssimas semelhantes ou piores do que as de guerra. Ele não tem responsabilidade, nesse caso, sobre o uso indevido de sua assinatura em informações que não são suas. O problema é da editoria e da direção do jornal, e sugiro a revisão dessa política. Não há nenhuma vergonha em informar que o jornalista está tendo dificuldades de chegar aos locais arrasados e transmitir informações. Toda a imprensa está tendo as mesmas dificuldades’.

Mais uma vez o jornal não se pronunciou.

Naquela mesma sexta-feira, procurei o secretário de Redação interino, Vaguinaldo Marinheiro, e o informei de que escreveria sobre o assunto no domingo. Pedi uma posição do jornal. Ele me respondeu que o jornal não comentaria as críticas.

Não sei a que atribuir o silêncio do jornal nas três ocasiões em que teve a oportunidade de se pronunciar. Ao não fazê-lo, e ao preferir o recurso de uma ‘Nota de Redação’ publicada nove dias depois, levanta dúvidas sobre a pertinência das críticas do ombudsman.’

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‘Outro lado – Jornal alega espaço exíguo’, copyright Folha de S. Paulo, 11/9/05.

‘Pedi ao jornal que identificasse, no texto da Primeira Página do dia 1º de setembro (‘Furacão pode ter matado milhares, diz prefeito’) as informações do enviado especial ao Alabama. A resposta de Vaguinaldo Marinheiro, secretário-assistente de Redação e responsável pela Primeira Página.

‘O texto da Primeira Página nesse dia traz informações passadas por telefone pelo repórter Pedro Dias Leite, que estava no Alabama, mas sem condições de enviar matéria. Como o espaço na capa do jornal é exíguo, não costumamos colocar a colaboração com agências internacionais nas chamadas. Mas essa informação constava do texto interno, que foi escrito com os dados do repórter e com outros provenientes de agências internacionais.’’