‘As CPIs que investigam as acusações de corrupção no governo Lula e na Câmara dos Deputados parecem perdidas e distantes do seu objetivo. A falta de rumo contaminou a imprensa, que vive principalmente dos resultados das investigações parlamentares.
Há um bom tempo, o noticiário gira em torno da crise política e de escândalos paralelos. Poucas informações relevantes saíram nas últimas semanas dos depoimentos e investigações das CPIs, e o mesmo se pode dizer do trabalho jornalístico.
A edição de sexta-feira foi uma exceção, depois de vários dias em que a atenção esteve voltada para a política. Mas as notícias vieram da Polícia Federal, e não da Câmara. Os jornais informaram que a PF estava certa de que tinha encontrado provas de que não houvera os tais empréstimos bancários para as empresas de Marcos Valério. E o ‘Estado de S. Paulo’ adiantou a disposição da mesma PF de indiciar 16 pessoas, entre as quais 12 deputados, por lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e formação de quadrilha.
Resolvida a disputa pela presidência da Câmara, é possível e desejável que os jornais se voltem outra vez, e com prioridade, para as investigações de corrupção e contribuam para que o caso não seja paralisado por acordos. A lentidão e a falta de rumo das apurações tira o foco da corrupção e facilita a manipulação dos fatos pelo governo, por seus aliados e pelas oposições.
Problemas da cobertura
Alguns comentários sobre a cobertura das últimas semanas.
1 – A imprensa vem tendo muita dificuldade para investigar as acusações por conta própria. Acho que isso se deve a dois fatores primordiais.
Primeiro, é preciso levar em conta as complicações intrínsecas às investigações de corrupção. São as apurações mais difíceis para a reportagem. É o tipo de investigação que exige a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, recursos exclusivos da Justiça e das CPIs. A imprensa caminha quando encontra fontes dispostas a falar ou a entregar documentos.
O outro problema é a falta de pessoal especializado. As Redações reduzidas não têm forças para distribuir as poucas equipes experientes por todas as frentes abertas pela fita com o flagrante de corrupção nos Correios (em maio) e pelas entrevistas de Roberto Jefferson (em junho). Os jornalistas estão trabalhando como nunca, mas não dão conta de acompanhar a quantidade de casos e personagens que se multiplicam.
2 – Conseqüências desses problemas são a falta de continuidade na cobertura de vários casos e a publicação precipitada de reportagens incompletas, mal apuradas ou sem importância.
Um caso recente que registrei na Crítica Interna foi a manchete do domingo 18 de setembro, ‘PF busca elo entre doleiro de Collor e PT’. Escrevi então: ‘Achei precipitada e temerária a manchete da Folha de domingo. Precipitada, porque fica claro que é apenas uma hipótese levantada pela PF numa investigação incipiente e inconclusa. Tanto que o jornal recorre ao condicional (‘seria’, ‘teria’) e a recursos como ‘busca’, ‘investiga possível ligação’, ‘pode’ etc. E temerária porque associa de cara Collor e PT quando a PF ainda trabalha para provar o elo entre [o doleiro] Turner e Marcos Valério’.
É até possível que exista algum elo, mas a reportagem não comprovava e, nos dias seguintes, não saiu mais nada que demonstrasse a consistência da suspeita.
Histórias mal contadas
3 – Como as investigações não avançam, há um excesso de cobertura política. E cobertura política, no nosso caso, costuma ser sinônimo de declarações, e não de fatos. Mas, mesmo nesse terreno, a reportagem avança com muita dificuldade.
Um exemplo de apuração política que não foi adiante é a verdadeira história da exclusão do senador Eduardo Azeredo (MG), presidente do PSDB e também beneficiário do esquema de Marcos Valério em 1998, da lista de cassáveis encaminhada pela CPI do Mensalão. É o tipo de investigação jornalística que não depende de polícia nem de Ministério Público ou de CPI, mas de fontes e de disposição.
A relação dos cassáveis foi anunciada no dia 1º de setembro. Já no dia 3, a Folha publicou um editorial, ‘E Azeredo?’, em que estranhava a ausência do nome do senador na lista. No dia 4, o ‘Painel’ publicou a nota ‘Não é comigo’, que reproduzo: ‘Chamada a explicar, na reunião de sexta no PT, por que o tucano Eduardo Azeredo foi deixado de fora da lista de cassáveis da CPI dos Correios, Ideli Salvatti de início apenas repetia: ‘Pergunte ao Mercadante’.
Ou seja, a exclusão seria do interesse do PT. Ao anunciar, no dia 19 de setembro, que retiraria as representações contra os deputados José Dirceu (PT-SP) e Sandro Mabel (PL-SP) encaminhadas ao Conselho de Ética da Câmara, Roberto Jefferson foi explícito e acusou um acordo entre o PT, o PSDB e o PFL para cassar apenas a ele e ao deputado José Dirceu, salvando assim os deputados do PT, o deputado Roberto Brant (PFL-MG) e o senador Eduardo Azeredo.
Os petistas não reclamaram da omissão, com raras exceções – como nos casos da contestação encaminhada por José Dirceu à CPI, em 8 de setembro, e como no artigo de Paul Singer publicado na Folha, ‘As raízes do ódio’, no dia 23. O normal teria sido aproveitarem o fato para uma carga pesada de protestos, o que não ocorreu.
O jornal voltou a cobrar explicações para a exclusão do senador em dois editoriais, nos dias 12 (‘Faltam muitos’) e 29 (‘Desvios semânticos’) de setembro. E a Redação fez algumas reportagens sobre o envolvimento de Azeredo (‘Azeredo deve ser julgado na Justiça comum’, em 17/ 9, ‘Valério ligou 53 vezes para celular de Azeredo’, em 24/9, e ‘Promotoria vê elo entre Cemig e caixa 2 tucano’, em 25/9), mas a história do tal acordo entre o PT, o PFL e o PSDB nunca foi investigada. E, se foi, não saiu publicada.
Como este, vários outros episódios políticos da crise caíram no esquecimento da imprensa.
Foco nas investigações
4 – Outro aspecto marcante da cobertura deste período é a desorganização e o fracionamento das edições. Já mencionei esse ponto em outros comentários, mas volto a ele porque persiste. As edições têm dificuldades para organizar e hierarquizar as notícias que chegam de dezenas de frentes de apuração.
Entendo que não é simples o trabalho de consolidar a massa de informações colhidas diariamente na cobertura de três CPIs, na Polícia Federal, nos ministérios públicos federal e estaduais, na Justiça e nos gabinetes da Câmara e do Executivo. Mas esse é o trabalho dos jornais. É freqüente encontrar notícias sem importância no alto das páginas, textos que não informam se há ou não crime nas acusações, repetição de informações, falta de contextualização e de memória.
Não há falta de espaço. Os jornais destinam diariamente páginas e páginas ao noticiário da crise. O problema é de edição. A qualidade acaba substituída pela quantidade. Os leitores já não conseguem acompanhar os casos, e os personagens surgem do nada e somem sem história. Há um cansaço por conta do excesso de informações despejadas sem tratamento jornalístico.
Avalio que a crise entra agora numa nova fase. Sem as perturbações da disputa pela presidência da Câmara e sem o festival de denúncias que marcaram as últimas semanas, é possível que o foco volte novamente para as investigações.
Os jornais deveriam fazer um balanço do trabalho realizado até agora e direcionar suas energias para fazer avançar o trabalho das CPIs e para ajudar a esclarecer os fatos. Estas são as melhores contribuições que podem dar neste momento. Qualidade de informação, equilíbrio nas coberturas e nas edições e pluralismo. Os leitores agradecerão.’