‘O Atlético Mineiro é o novo campeão da Série B do Campeonato Brasileiro de futebol e no próximo ano volta à primeira divisão. Com uma das maiores torcidas do Brasil, foi o time, dos mais de cem que disputam as três divisões do Campeonato Brasileiro, que mais público levou aos estádios, 29,5 mil pagantes por partida.
Nada disso teve importância para a Folha. A notícia de que tinha voltado para a elite do futebol em 2007 foi uma pequena nota no caderno Esporte do dia 12. E a conquista do campeonato na penúltima rodada foi outra nota, um pouco maior, mas com um título que não lhe fazia justiça: ‘Paulista ganha de nove e ainda vislumbra elite’. A informação principal estava cifrada na linha que acompanhava o título: ‘Rodada da Série B consagra Atlético-MG e Náutico’.
É claro que a cobertura frustrou leitores da Folha em Minas, onde o jornal vende bem. O ‘Painel do Leitor’ publicou duas cartas, uma reclamando do jornal e outra achando que o Atlético já está exagerando nas comemorações. Recebi várias cartas de atleticanos insatisfeitos. Eles ressuscitaram velhas críticas à cobertura esportiva do jornal: ‘Foi sem nenhuma surpresa que atestei ser a Folha o mais bairrista dos jornais do Brasil’, protestou Rodrigo Moura Soares. ‘É lamentável, pois este jornal, que é vendido em todo o Brasil, demonstrou total desrespeito com a torcida atleticana. É preconceito?’, perguntou Cláudio Camilo de Sousa. ‘Registro a minha decepção’, escreveu José Luiz Saldanha da Fonseca. Os três são de Belo Horizonte.
É queixa de torcedor. Mas o problema é que não são só os mineiros insatisfeitos. Recebi, nos últimos quatros meses, 186 mensagens referentes à editoria de Esporte -133 eram queixas e críticas. As mais comuns: o caderno só tem atenção para o futebol, em detrimento de outros esportes; e, em futebol, é ‘bairrista’: só dá atenção aos três clubes da capital (São Paulo, Corinthians e Palmeiras) que estão na primeira divisão. ‘A Folha parece ser um jornal bem ‘municipal’’, provocou Antonio Augusto de Souza Lima, de São Paulo: ‘No que tange ao Campeonato Brasileiro, 90% das notícias são do trio de ferro’. Júlio César Sandrin Moreno, de Campinas, reclamou que o jornal ‘praticamente ignora’ as séries B e C do Campeonato Brasileiro, a Copa FPF e a segunda divisão paulista.
Não sei se a Folha é o jornal mais bairrista. O bairrismo é uma característica das coberturas esportivas de quase todos os jornais e é justificado por circunstâncias de mercado. ‘O Globo’ dá mais atenção aos times do Rio, e os jornais de Salvador, aos times da Bahia. O desafio é fazer a cobertura dos times locais bem feita sem descuidar dos fatos jornalísticos que se impõem, como a conquista do Atlético.
É um desafio maior para a Folha, que deve ter uma atenção especial para os interesses do público da capital paulista, onde tem sede, mas não pode perder a perspectiva que o próprio jornal se impôs ao se considerar ‘um jornal a serviço do Brasil’. A maior parte de sua circulação (52%) está fora da Grande São Paulo: o interior de São Paulo é responsável por 31% de suas vendas, e os outros Estados, por 21%.
Os leitores cobram, portanto, com razão. Um levantamento do Banco de Dados relaciona, ao longo de 2006 e até o final de outubro, 11.855 textos editados em Esporte (não estão computados os infográficos nem os cadernos da Copa da Alemanha). O futebol é responsável por 64,5% das notícias (repito: sem contar a cobertura da Copa), seguido de longe pelo automobilismo (4,8%) e pelo basquete (3,4%). Os clubes mais contemplados foram realmente Corinthians (12,5%), São Paulo (11,7%) e Palmeiras (9,5%). Depois, distantes, vêm Santos, Internacional, São Caetano, Real Madrid, Flamengo e Juventus.
Há dois aspectos que chamam a atenção nas páginas de Esporte da Folha: 1 – O jornal tem menos espaço que os concorrentes. A Folha publicou, entre o dia 15 e anteontem, o equivalente a 39,1 páginas de notícias esportivas, contra 47,4 de ‘O Estado de S. Paulo’ e 41,1 de ‘O Globo’; 2 – A equipe de jornalistas especializados está concentrada em São Paulo. O jornal não tem nenhum jornalista exclusivo para esportes fora da sede.
É evidente que estes dois fatores (espaço e pessoal) têm peso no quadro que acabei de descrever, razão da insatisfação de tantos leitores que têm acesso fácil a informações na internet, rádios, TVs, jornais e revistas de esportes.’
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‘Aumente o nosso lobby’, copyright Folha de S. Paulo, 26/11/06
‘Pedi ao editor de Esporte, José Henrique Mariante, que comentasse as queixas dos leitores. Suas palavras:
‘Minha sobrinha tem 15 anos e pratica hipismo. Reclama que a Folha não deu um resultado. ‘Demos’, respondo. ‘Mas não o nome de quem chegou em terceiro’, retruca. ‘Terceiro?’ Para ela, a notícia estava em um terceiro colocado. Na sua cabeça, Esporte, naquela segunda-feira, deveria ter dado a capa para o tal cavaleiro. Futebol, F-1 e tudo mais não interessavam. Afinal, esporte é hipismo. ‘E o resto?’, pergunto. ‘Bem, o resto é problema seu.’
No último domingo, para os atleticanos leitores desta Folha, a possibilidade de o São Paulo ser campeão da Série A era resto. Resto? Sim, para eles interessava apenas a Série B. Assim, como explicar, para quem espera até pôster, que a edição que ele recebe no interior de Minas é concluída antes de o jogo começar? Ou, aos que receberam a edição com o jogo, que restrições de orçamento e papel permitiram apenas um modesto relato da conquista?
O ombudsman já falou bastante da crise que abate os jornais. Digo que ela se faz sentir como nunca nos cadernos esportivos, caros por natureza -em tese, temos de estar onde o esporte acontece, e ele acontece quase todos os dias em quase todos os lugares. Pior, precisamos de papel, outra coisa cara, para contar tudo isso.
Esporte, no entanto, é um dos menores cadernos diários na Folha. Situação semelhante ocorre no ‘Globo’ e no ‘Estado’. O investimento mingua igual, tanto que nenhum dos três, por exemplo, enviou jornalistas para cobrir o último jogo da seleção, na Suíça.
Mas, e o Atlético? Farei como o editor de Esporte do ‘New York Times’, que, diante de demanda parecida, respondeu a um leitor: ‘Aumente o nosso lobby. Faça essa pergunta ao jornal’.’’
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‘Focos de corrupção’, copyright Folha de S. Paulo, 26/11/06
‘A Folha e outros jornais acertam ao mirar o foco de suas investigações jornalísticas, neste período pós-eleitoral, nas prestações de contas dos candidatos e dos partidos.
As campanhas eleitorais são uma das fontes tradicionais de corrupção e de enriquecimento ilícito. O estudo das prestações de contas permite um mapeamento dos lobbies que atuam nas casas legislativas e nos palácios de governo.
Apesar das restrições do TSE criadas para baratear as campanhas após as denúncias de Roberto Jefferson, os primeiros levantamentos mostram que as arrecadações agora declaradas são muito maiores do que as de 2002 , o que comprova o que já se sabia: as eleições sempre foram movidas por recursos sem origem comprovada e com prestações de contas inconfiáveis.
A imprensa mostrou que os candidatos envolvidos nos escândalos de 2005 e 2006 tiveram campanhas milionárias; o jornal ‘Valor’ listou os parlamentares eleitos com a ajuda de grandes empresas, que formam verdadeiras bancadas suprapartidárias (a Vale do Rio Doce e subsidiárias ajudaram a eleger 46 deputados); a Folha mapeou as bancadas de empreiteiras, siderúrgicas, bancos e empresas de petróleo.
Os jornais devem insistir nestes levantamentos e nas sugestões de novas medidas que tornem o processo eleitoral mais transparente e permitam um maior controle da sociedade sobre partidos e políticos.’