‘Três textos publicados pela Folha nesta semana recrudesceram as reclamações de leitores que consideram que o jornal está sendo parcial e tem feito uma cobertura eleitoral anti-Lula e anti-PT: o editorial ‘Favoritismo inercial’ (24/ 8), a coluna de Otavio Frias Filho, diretor de Redação, ‘Anistia para Lula’, no mesmo dia, e a série de reportagens iniciada na quarta-feira com o título ‘Polícia apura se há elo entre PCC e petistas’.
Vários leitores que escreveram se disseram militantes petistas, o que não desqualifica a queixa. A própria Folha publicou, no ‘Painel do Leitor’ de sexta-feira, três cartas com críticas ao texto de Frias Filho e um elogio. O trecho que mais incomodou foi o que defende que, confirmada a eleição de Lula no primeiro turno, ‘a afoiteza do eleitor terá prejudicado a qualidade democrática desta eleição’.
O editorial e a coluna do diretor são textos de opinião. Um dos papéis dos jornais é instigar idéias e abrigar polêmicas. A opinião é livre, cada um tem a sua, e não cabe ao ombudsman concordar ou discordar. Cabe, no entanto, avaliar dois aspectos correlatos: se opiniões contrárias estão tendo espaço no jornal para se manifestar (pluralismo) e se a opinião da empresa está contaminando o espaço da notícia (isenção e apartidarismo).
A coluna de Frias Filho é uma das seis editadas desde o dia 14 para ‘acompanhar e debater’ a eleição. Os colunistas escalados têm perfis distintos. Não se pode dizer que o filósofo Marcos Nobre, que escreve às quartas, tenha a mesma opinião de Frias Filho. Em sua primeira coluna, ‘As caras dos conservadores’ (16/8), escreveu que ‘o conservadorismo brasileiro (…) se espalhou pelas páginas dos jornais, das revistas, da internet’.
Na minha avaliação, o jornal precisava neste momento mais de análises para entender a conjuntura eleitoral e seus desdobramentos do que de opiniões, que já têm espaço garantido nas páginas A2 e A3. Mas, é apenas uma opinião.
As críticas que faço à cobertura jornalística são anteriores aos artigos desta semana. Já apontei vários casos em que considerei que o jornal perdeu o equilíbrio. Isso não significa uma objeção ao jornalismo crítico praticado pela Folha. Pelo contrário. O que reclamo em muitas ocasiões é de este princípio não estar sendo amplamente aplicado.
As informações publicadas até sexta-feira sobre o envolvimento do PCC com o PT me pareceram nebulosas, inconsistentes e contraditórias. Se há um inquérito policial, é evidente que o jornal tem de noticiar, é um fato público. A questão é como fazê-lo. No ponto em que as investigações (não) estão, pareceram-me precipitados o destaque e o enfoque dados na Primeira Página e internamente.
É um caso típico de noticiário policial misturado com política. O jornal não havia conseguido ainda questionar as falhas de investigação da Secretaria de Segurança, que diz ter informações de 2004 e gravações de criminosos de maio, mas até agora não apresentou nenhuma prova. A Folha também não havia conseguido levantar os bastidores políticos que cercam o caso.
Não faltam exemplos de denúncias servidas para a manipulação política, como o durante o seqüestro do empresário Abílio Diniz, em 1989, que envolvia o PT, como o falso Dossiê Cayman, que atingia o PSDB, e, mais recentemente, a lista de Furnas, que também atingia o PSDB e até agora parece ser uma fraude.’
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‘Imprensa e poder’, copyright Folha de S. Paulo, 27/8/06.
‘Fábio Konder Comparato acaba de lançar ‘Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno’ (Companhia das Letras) e preside o Fórum da Cidadania pela Reforma Política criado pela OAB.
Como avalia o papel dos meios de comunicação no mundo moderno?
Fábio Konder Comparato – Não podemos esquecer que os meios de comunicação de massa modernos são uma forma de poder. Eticamente, todo poder tem que se submeter aos grandes princípios políticos, notadamente aos princípios republicano e democrático. De modo geral, os grandes veículos de comunicação de massa são empresas sob controle de empresários e eles se lançam nesse terreno, a meu ver, menos para ganhar dinheiro do que para exercer poder. Ora, é muito difícil que, ao assim proceder, os empresários ajam com verdadeiro espírito republicano, vale dizer, pondo o bem comum do povo acima dos seus interesses particulares. Então, seria indispensável que nós estudássemos alguns instrumentos para a realização de um controle republicano do poder dos meios de comunicação de massa.
O senhor defende um controle feito pela sociedade ou pelo Estado?
Comparato – No caso dos jornais, o que me parece muito importante é o alargamento do direito de resposta. Digamos que um jornal faça uma campanha que se julgue discriminatória em relação a determinada parcela da população. Teoricamente, salvo quando existe crime ou dano civil, há intervenção da autoridade pública e do Ministério Público. Mas o que se quer é uma discussão pública do assunto. As ONGs que representam esses interesses coletivos deveriam ter direito de resposta. Afinal das contas, embora os jornais não se utilizem, como o rádio e a televisão, de um espaço público, ou seja, de um espaço que pertence ao povo, eles exercem poder sobre a opinião pública.
Como o senhor avalia a imprensa brasileira na cobertura política?
Comparato – Está faltando uma visão que ultrapasse o nível da representação política. É claro que esta não pode ser descartada e deve ser aperfeiçoada. Mas o fundamental é introduzir a democracia direta ou participativa. O povo deve ter o direito de decidir o futuro do país. As decisões a esse respeito não podem ser tomadas exclusivamente pelos chamados representantes do povo. A política de endividamento público, por exemplo, representa a maior transferência de renda dos pobres para os ricos que esse país já conheceu. A Folha tem tocado muito nesse ponto, mas o que falta é ir até o fundo, ou seja, isto tem que ser decidido pelo povo. Esse é o sentido maior que falta dar aos jornais. Eles exercem freqüentemente uma crítica importante da ação dos agentes públicos, mas de natureza em geral negativa. Falta desenvolver uma crítica propositiva, apresentando e discutindo soluções para os problemas do país.
A imprensa tem contribuído para manter o cidadão bem informado?
Comparato – Ela se preocupa com os escândalos políticos, porque eles rendem discussão. Mas eu não vejo, com raras exceções, um trabalho reflexivo para reformar em profundidade o sistema político nacional. É preciso discutir sobre a etiologia da moléstia. Nós estamos numa fase de doença ética. Precisamos saber as suas causas, a fim de decidir a terapêutica a adotar.’