Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Marcelo Beraba

‘Futebol, governo Lula, a cidade de São Paulo e os Estados Unidos. Muitos homens e poucas mulheres. Aí estão resumidos os principais focos de interesse da Folha nestes três anos em que acompanhei a produção do jornal como ombudsman.


Os dados que apresento nesta coluna foram levantados a meu pedido pelo Banco de Dados sob a coordenação de Carlos Kauffmann. Não é um estudo exaustivo sobre a Folha, menos ainda conclusivo, mas revela um pouco como funciona sua antena jornalística, que assuntos e personagens seus sensores capturaram com mais freqüência.


Embora alguns resultados pareçam óbvios, o levantamento inédito tem importância por revelar os grandes eixos de cobertura e alguns detalhes que no dia-a-dia passam despercebidos.


Não sei se terá valor para a Redação, embora, na minha opinião, a exploração da base de dados possa servir para reflexão e para ajustes na linha editorial. Mas, para o leitor que tem no jornal uma fonte diária de informação e opinião, os dados podem ajudá-lo a entender melhor o jornal que escolheu e a cobrar dele com mais segurança.


A pesquisa buscou em 231.292 textos noticiosos publicados entre 1º de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2006 os temas e personagens mais presentes. A base pesquisada corresponde a 72% dos textos publicados pelo jornal porque não inclui artigos, colunas, seções fixas e a Primeira Página. O resultado reflete a conjuntura de duas eleições (municipal e presidencial), três anos de governo Lula, dezenas de escândalos políticos, uma Copa do Mundo, a morte de um papa e sua substituição, a intensificação de ações criminosas em São Paulo, a agudização da crise no Oriente Médio e a hegemonia contestada dos Estados Unidos.


Os assuntos


Destaco os pontos que me pareceram mais relevantes ou curiosos.


1. O jornal tem quatro temas que se destacam sem concorrentes: futebol (presente em 10,5% dos textos noticiosos publicados), Lula e seu governo (9%), a cidade de São Paulo (8%) e os Estados Unidos (6%). Os outros temas estão pulverizados.


2. Brasil é Brasília. A editoria de política e de assuntos nacionais tem 64% de seus textos provenientes de Brasília. Embora seja reflexo da força política e econômica do governo central, uma anomalia do sistema que construímos, o percentual confirma duas fraquezas do jornal que apontei em várias colunas: as coberturas da política paulista e do território nacional.


3. O noticiário internacional é dominado por dois grandes blocos – Estados Unidos e islã, aí incluídos a guerra no Iraque e o Oriente Médio – e dois blocos menores, a América Latina e a Europa. A África praticamente não existe.


País por país, os mais noticiados foram EUA, Iraque, Israel, Palestina, Reino Unido, Irã, Líbano, França, Venezuela e Vaticano, este último devido à morte do papa João Paulo 2º e à eleição de Bento 16. Ao longo do período, o jornal noticiou mais o Haiti, onde as tropas da ONU estão sob comando brasileiro, do que a Argentina. Os números confirmam o crescente interesse de Mundo por dois países. Em 2004, o jornal publicou 139 textos sobre o Irã; em 2006, foram 447. Em 2004, editou 28 sobre a Bolívia; no ano passado, foram 221.


4. A editoria de Ciência tem hoje uma prioridade, meio ambiente. Os textos que tratam de ambiente, Amazônia, clima e aquecimento global tiveram espaço crescente no jornal nos últimos três anos. Um exemplo: em 2004, foram publicados 40 textos sobre a Amazônia; no ano passado, 94.


O segundo assunto é espaço, que teve mais visibilidade em 2006, com a viagem do astronauta Marcos Cesar Pontes à Estação Espacial Internacional.


5. O noticiário econômico tem como origem principal São Paulo (40% dos textos), o que se explica pela força econômica do Estado. Brasília tem um peso bem menor do que em política, 22%. E, se dividimos o noticiário por segmentos da economia, o sistema financeiro tem bem mais espaço do que os setores industrial e de serviço.


6. Dois grandes blocos perderam espaço em Cotidiano – saúde e educação – e um terceiro se manteve no mesmo nível – violência e criminalidade. A queda maior é em educação, e foi contínua: 1.296 textos em 2004, 1.076 em 2005 e 844 em 2006. As maiores quedas ocorreram na cobertura que tinha mais presença, o ensino superior e o vestibular. Em saúde também quase todos os subtemas tiveram menos espaço.


O noticiário de violência, no entanto, permaneceu estável, com mais ou menos o mesmo espaço (5.050 textos nos três anos) de saúde (5.149) e com bem mais espaço que educação (3.216). Há dois aspectos notáveis em 2006 em relação a 2002: a explosão de textos sobre o PCC (de 30 textos para 1.405), explicada pelos ataques organizados a partir dos presídios, e a maior presença de notícias com enfoque em segurança pública (528 para 1.144).


Uma lupa na cobertura de favelas: de 712 textos levantados que tinham favela como palavra-chave, 72% a associavam a morte, violência, assassinato, tráfico e outros crimes.


7. O caderno poderia se chamar futebol, e não Esporte. Na relação de 27 modalidades esportivas pesquisadas, 75% dos textos foram sobre futebol. Distantes, muito distantes, vieram automobilismo, tênis, basquete e vôlei que, juntos, perfizeram mais 18%. E o resto é resto.


O ranking dos clubes mais noticiados: Corinthians (3.540 textos), São Paulo (3.223), Palmeiras (2.525) e Santos (2.491).


8. Há quatro grandes blocos de cobertura na Ilustrada: música, cinema e, num patamar inferior, literatura e televisão. Televisão não inclui as grades de programação nem as colunas. Depois desses blocos vêm, distantes, teatro, artes plásticas, gastronomia, dança e moda.


Os personagens


As figuras que mais apareceram ajudam a contar a história do período. No conjunto do jornal, dois nomes se sobressaem: Lula e Bush. Por editoria:


** Brasil – nos três anos, a editoria teve um personagem principal, Lula, e, a léguas, Geraldo Alckmin, José Dirceu, José Serra e Marcos Valério de Souza. Entre os dez primeiros aparecem ainda Antonio Palocci Filho, Marta Suplicy e três envolvidos em escândalos, Roberto Jefferson, Waldomiro Diniz e Severino Cavalcanti.


** Mundo – O primeiro é Bush, disparado. Bem atrás vêm John Kerry, Hugo Chávez (seguramente assume a vice-liderança em 2007), João Paulo 2º e Ariel Sharon.


** Ciência – O noticiário não é em cima de nomes, mas de temas, por isso tem apenas um destaque, o astronauta Marcos Cesar Pontes.


** Dinheiro – Lula, Guido Mantega (estava no BNDES antes do Ministério da Fazenda), Antonio Palocci Filho, Henrique Meirelles e Luiz Fernando Furlan. Em seguida, vem Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos e condenado por vários crimes.


** Cotidiano – Os cinco primeiros são políticos de São Paulo – José Serra, Geraldo Alckmin, Marta Suplicy, Gilberto Kassab e Cláudio Lembo – e, em seguida, vem Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos pais em 2002.


** Esporte – Numa lista de 22 nomes que mais apareceram, 17 eram do mundo do futebol. O curioso, no entanto, é que o jornal deu mais espaço para técnicos do que para jogadores. Os cinco primeiros: Emerson Leão, Carlos Alberto Parreira, Ronaldo, Vanderlei Luxemburgo e Robinho. Entre os 22, apenas uma mulher, a ginasta Daiane dos Santos.


** Ilustrada – Não há nenhum nome onipresente, como em política ou internacional. Os que mais apareceram: Chico Buarque, Fernando Meirelles, Gilberto Gil, Michael Jackson e Walter Salles. Três compositores e intérpretes (um político) e dois cineastas. Na lista, apenas uma mulher, Maria Bethânia.’