Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

“Desde sábado, dia 16, as primeiras páginas da Folha e dos principais jornais só têm um assunto: os flagrantes dados pela Polícia Federal em Cuiabá e em São Paulo que tornaram pública a trama armada por petistas, às vésperas das eleições, para comprar um dossiê contra José Serra, candidato do PSDB ao governo de São Paulo.

Os fatos não estavam completamente esclarecidos até sexta-feira. O que se sabia é que petistas tentaram comprar dos Vedoin, pai e filho que chefiaram a máfia das ambulâncias que assaltou o Ministério da Saúde, um dossiê que comprometeria os ex-ministros tucanos José Serra e Barjas Negri.

Por causa da trama desvendada pela PF, dois petistas foram presos e seis outros perderam cargos no governo ou na campanha de reeleição do presidente Lula. As prisões começaram em Cuiabá na quinta-feira, dia 14, e seguiram na sexta. Na mesma sexta, a revista ‘IstoÉ’ saiu com a seguinte capa: ‘Os Vedoin acusam Serra – Quando Serra era ministro, foi o melhor período para nós’.

Foi uma confissão surpreendente. Até então eles vinham garantindo, na CPI e na PF, que Serra não tinha participação no esquema. Na última quinta-feira, em novo depoimento na PF, Luiz Antonio Vedoin mais uma vez voltou atrás e isentou o candidato tucano de participação no esquema.

Os fatos

Recebi, ao longo da semana, 75 mensagens de leitores com comentários sobre o dossiê e a crise que provocou ou com críticas à cobertura da Folha. Mais críticas do que comentários, como sói acontecer.

A maioria das mensagens questionava a opção da Folha de dar mais destaque para a cobertura da trama da compra do dossiê do que para o conteúdo das revelações contra Serra. Por que, diante de dois fatos importantes -a trama e o dossiê-, o jornal optou por dar mais destaque para a trama?

Na minha opinião, a opção da Folha -e de quase toda a imprensa- foi a correta e se justifica por critérios jornalísticos. Em primeiro lugar, houve os flagrantes: um emissário dos Vedoin preso com documentos que supostamente comprometeriam um candidato tucano e dois petistas detidos num quarto de hotel com o equivalente a R$ 1,7 milhão, sendo que uma boa parte em dólares.

A polícia, que já tinha informações do golpe colhidas por gravações telefônicas, obtinha agora os flagrantes e conseguiria em seguida as confissões dos presos que mostravam que era uma operação de dentro do PT e que envolvia pelo menos um órgão de imprensa.

A informação de que pessoas ligadas ao PT tentavam comprar um dossiê já foi suficiente para ofuscar, no noticiário dos jornais de sábado, a repercussão da entrevista dos Vedoin à ‘IstoÉ’. Era o PT flagrado numa operação suja -e provavelmente criminosa, se não for comprovada a origem legal do dinheiro apreendido-, às vésperas das eleições.

Os desdobramentos do caso ao longo da semana, com o envolvimento de mais pessoas ligadas ao PT, ao Planalto e à campanha de reeleição do presidente deram, então, uma dimensão única ao escândalo e fizeram o TSE investigar a existência de crime eleitoral.

O dossiê

O fato de considerar a conspiração para a obtenção do dossiê mais importante do que o dossiê não significa que esteja de acordo com o pouco empenho dos jornais na apuração das denúncias contra Serra e Barjas Negri. Uma cobertura não anula a outra. Os jornais têm profissionais e espaço suficientes para tocarem duas investigações simultâneas. Não quer dizer que devam ter o mesmo peso na edição, mas deveria haver lugar para as duas.

O valor jornalístico do dossiê foi questionado, desde o início, não só por causa da operação ‘abominável’ (adjetivo de Lula) que o gerou mas por seu conteúdo, composto de registros da presença de Serra ainda ministro em cerimônias públicas em que aparecem parlamentares que depois seriam envolvidos no escândalo das ambulâncias.

Na minha opinião, mais importante do que o dossiê foi a entrevista dos Vedoin para a ‘IstoÉ’. Não pelas aspas incriminatórias que depois eles negariam, mas pelas informações que envolvem um empresário ligado aos tucanos de Piracicaba ao esquema dos sanguessugas.

A Folha deslocou um repórter para investigar as informações dos Vedoin e publicou notícias já a partir de sábado – ‘Empresário fez doação a tucano em Piracicaba’. O problema é que o jornal fez uma cobertura sem continuidade e, principalmente, sem destaque.

Há muitos indícios de que as fraudes não começaram no governo Lula. As investigações de crimes que envolvem dinheiro público não devem deixar de fora nenhuma suspeita.

A imprensa

Ainda não estão completamente esclarecidas as circunstâncias da participação da ‘IstoÉ’ na trama do PT com os Vedoin. A confissão de um dos presos de que o partido teria pago para os Vedoin darem uma entrevista para uma revista (manchete da Folha do dia 18) provocou a imediata associação à capa da ‘IstoÉ’, mas o seu editor, Domingo Alzugaray, desmentiu que tenha comprado ‘dossiês ou entrevistas’.

De qualquer forma, é questionável que a entrevista tenha sido feita na presença de pessoas do PT interessadas nas acusações, que a revista não tenha se preocupado em ouvir as defesas dos acusados e que o redator-chefe que ouviu os Vedoin tenha declarado que ‘da minha assinatura para trás, não sei o que aconteceu’, uma frase dúbia vinda de um profissional com função de confiança e que alimenta as suspeitas de que algo realmente pode ter acontecido.

A revista ‘Época’ também foi procurada por duas eminências do PT que se ofereciam para passar informações que, aparentemente, constavam do dossiê apreendido. Segundo nota da revista, o repórter contatado não se comprometeu com a publicação sem antes verificar a sua veracidade, procedimento correto. Não foi procurado depois disso. Um leitor perguntou se a ‘Época’ não teria agido errado ao revelar os nomes do PT que a procuraram. Acho que não. Não estamos tratando de ‘fontes’, como concebemos, mas de intermediários de uma ação ‘abominável’. A responsabilidade da imprensa, no caso, é ajudar a desnudá-la.

A surpresa

A grande surpresa que tive neste episódio foi a ausência, pelo menos até este momento, de jornalistas envolvidos na operação interna do PT para forjar o dossiê.

Explico. As fábricas de dossiês não são uma novidade. Desde as primeiras eleições, na década de 1980 com a reconstrução da democracia, as campanhas eleitorais montaram equipes de ‘tratamento de informações’, também chamadas de SNI ou Abin, referência ao trabalho de informação e contra-informação.

Quase sempre foi um trabalho ‘abominável’, com o objetivo de montar dossiês contra os adversários que poderiam ser repassados para a imprensa ou ficar na gaveta, como reserva para o caso de uma reviravolta na campanha ou para chantagem. Entre os profissionais recrutados para estas tarefas, claro, estavam os jornalistas, procurados por sua experiência de investigação. Uma lástima. Bom, pelo menos até agora não apareceu nenhum.”