‘O JORNALISTA José Messias Xavier é acusado pelo Ministério Público Federal de participar de uma das máfias que disputam o controle das redes de caça-níqueis no Rio. De acordo com a denúncia encaminhada à Justiça, Messias vendia para a máfia informações que colhia como jornalista e fazia suas reportagens de forma a prejudicar uma organização criminosa rival.
A Procuradoria pediu a prisão do jornalista. A Justiça não concedeu, embora tenha autorizado uma ação de busca e apreensão em sua casa. Messias trabalhava na TV Globo. A emissora inicialmente recebeu a denúncia com cautela e permitiu que o funcionário se licenciasse para se defender, mas, em seguida, diante da divulgação do teor da denúncia e da descrição dos indícios -gravações e fotografias-, contra ele, decidiu demiti-lo por considerar seu comportamento ‘incompatível com as normas éticas da emissora’.
Antes da Globo, Messias trabalhou três meses na Folha. O jornal informou, no dia 19, que ele produziu, entre junho e outubro de 2005, 52 reportagens e anunciou que revisará todos os textos e que ‘tornará pública correções que se mostrem necessárias’. O procedimento é inspirado no exemplo do ‘New York Times’, que agiu da mesma forma quando descobriu que o repórter Jason Blair inventava reportagens, em 2003.
Messias se diz inocente e negou, via Globo, que recebesse dinheiro dos criminosos. Disse que tentava se infiltrar na quadrilha para escrever um livro sobre a guerra dos caça-níqueis. A respeito do envolvimento do jornalista, algumas considerações.
1 – Senti-me na obrigação de chamar a atenção para o caso, mas ainda não me sinto seguro para tirar qualquer conclusão. Para ser coerente com o que venho defendendo em outras colunas, acho precipitada qualquer conclusão sobre a culpabilidade do jornalista. Estamos cansados de assistir a acusações, inclusive do Ministério Público, que depois se esvaziam. A denúncia é gravíssima, mas é necessário aguardar a tramitação do processo.
2 – A defesa de Messias tenta livrá-lo da acusação de formação de quadrilha, mas expõe outro problema ético muito sério: podem os jornalistas se infiltrar em organizações criminosas para obter informações? Na minha opinião, é um comportamento indefensável.
3 – É positiva a iniciativa da Folha de investigar a produção do jornalista no período em que trabalhou para o jornal. Qualquer que seja, a conclusão deve ser informada a seus leitores.
4 – A imprensa tem a obrigação de acompanhar o caso de perto: seja por sua relevância, seja pelo fato de envolver um jornalista. O resultado parcial das últimas operações da Polícia Federal no Rio comprovam a associação de policiais ao crime organizado. Ainda não tínhamos nenhuma denúncia contra jornalistas.’
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‘O jornalismo político’, copyright Folha de S. Paulo, 24/12/06.
‘O ano que termina foi uma prova de fogo para o jornalismo político. O modelo de cobertura com foco quase que exclusivo em Brasília e nos partidos políticos já não dá conta da complexidade dos fenômenos que assistimos. O caso dos jornais é ainda mais delicado porque vivem uma fase de forte questionamento e de pressão provocados pela expansão da internet e pela multiplicação de blogs de notícia e de redes de comentários e críticas.
Nos últimos seis anos e meio o cientista político Fernando Luiz Abrucio assinou uma coluna semanal no jornal ‘Valor’, onde se mostrou um atento observador da cena política e da cobertura jornalística. Ele encerrou sua contribuição dia 11. Pedi uma análise sua do jornalismo político que praticamos.
‘A cobertura de política dos grandes jornais ainda se foca prioritariamente no diz-que-diz dos políticos. A cobertura, portanto, é majoritariamente declaratória, concentrando-se no que acontece nos corredores do Congresso e na parte mais politizada do Executivo. Este aspecto é importante, mas é sobrevalorizado por uma visão pouco analítica dos fatos, que só aparece, às vezes, nas edições do final de semana.
Faltam, basicamente, três coisas ao jornalismo político brasileiro. A primeira é a falta da memória política, capaz de iluminar a cobertura presente. Sem esta compreensão histórica, os fatos tendem a ser analisados por critérios meramente conjunturais. Quando se dizia que o Governo Lula era ‘o mais corrupto’ da história não se utilizava nenhum critério comparativo para sustentar tal avaliação, que é descabida. É preciso ter jornalistas políticos como o Paulo Vinicius Coelho (da ESPN) no futebol, que sistematiza os pormenores do passado para entender melhor o presente.
Outra lacuna tem a ver com a pouca preocupação e preparação para avaliar as políticas públicas. Salvo raras exceções, particularmente em coberturas especiais esparsas, o jornalismo político não tem avaliado a qualidade das propostas dos governos e sua implementação, bem como as alternativas colocadas pela oposição. Faltam jornalistas com conhecimento das diversas áreas governamentais, e se pretende substituir este desconhecimento pela exposição dos ‘diversos lados’, algo essencial, mas que não é suficiente para informar bem o leitor.
Por fim, a cobertura política precisa ir além dos ‘corredores políticos de Brasília’. Precisa analisar mais regularmente as fontes de legitimidade eleitoral, que estão distantes do Planalto Central. Para tanto, valeria a pena articular melhor a parte de política com a de cidades ou com a editoria internacional. Mas o jornalismo hoje é muito segmentado, o que atrapalha a qualidade da informação.
E mesmo no ambiente brasiliense faltam mais matérias que acompanhem, com números, o trabalho das Comissões do Congresso, as decisões judiciais, o andamento dos programas governamentais. Se pudesse resumir em uma frase, diria que o jornalismo político tem de dar uma visão mais abrangente e sistêmica dos fatos. E este papel não deve ser jogado apenas para os colunistas. A reportagem deve retratar algo além da opinião e das brigas dos atores políticos.’’
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‘A imprensa na imprensa: o inexplicável’, copyright Folha de S. Paulo, 24/12/06.
‘‘Tente explicar para um estrangeiro que não saiba nada de Brasil o que é o caso Pimenta Neves. Eu não consegui, porque é inexplicável que um homem que matou uma moça 30 anos mais nova, de forma premeditada, por motivo torpe, réu confesso, condenado pelo Tribunal do Júri, receba, seis anos depois, o benefício de continuar aguardando em liberdade’. MÍRIAM LEITÃO, jornalista (‘O Globo’, 19/12/06)’