Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Beraba

‘Cobertura da Folha sobre os ataques do PCC teve vários pontos positivos, mas não deu a atenção necessária à tragédia dos policiais assassinados.

Recebi, entre segunda e sexta-feira, 153 mensagens de leitores a respeito da cobertura do que a Folha convencionou chamar de ‘guerra urbana’ -os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), iniciados na noite de sexta, dia 12, que aterrorizaram São Paulo. Um recorde de mensagens sobre um mesmo tema nestes dois anos de mandato.

Para mim, o ponto mais sensível da cobertura da Folha foi o tratamento dado à polícia. Depois de anos e anos de críticas (justas, na minha opinião) à ineficiência e à corrupção, a impressão que tenho é que perdemos qualquer empatia em relação aos policiais, a ponto de não percebermos o tamanho da tragédia que estava diante de nós: 41 servidores públicos (policiais militares e civis, guardas municipais, agentes penitenciários e bombeiros) caçados e assassinados covardemente, principalmente nos três primeiros dias.

Até quarta-feira, quando já se computavam 40 mortes de agentes de segurança, menos da metade tinha merecido registro na Folha. Na terça, as vítimas do PCC já tinham sumido das páginas, ocupadas agora pelo medo que tomou conta de São Paulo e pela reação da polícia.

E, na quarta-feira, a grande surpresa: ali estavam, na página A5, os nomes de todos os policiais mortos, mas não em reportagem ou infográfico do jornal. Era um anúncio de um banco com uma homenagem aos policiais. O jornalismo vencido pela publicidade. Por que os jornais não publicaram a lista antes? Por que não lhes ocorreu que, independentemente de reconhecerem ou não os méritos dos que morreram, a relação era um documento histórico?

Em qualquer outra situação em que a imprensa tivesse diante de si 40 assassinatos em poucas horas, ela estaria completamente mobilizada -eu diria alucinada- para contar a vida daquelas pessoas e as circunstâncias de suas mortes. É assim que acontece nas grandes tragédias coletivas, quando os jornalistas alcançam o seu público pela humanização dos números.

Os leitores sentiram o tratamento frio e burocrático. A maior parte dos e-mails que recebi foi de pessoas que consideraram que o jornal estava tratando mal a polícia. Essa percepção aumentou consideravelmente quando, a partir de quarta-feira, o jornal passou a questionar, e com razão, a reação violenta da polícia.

Como o jornal não deu a atenção que deveria ter dado às vítimas policiais, o espaço que passou a dedicar aos questionamentos e aos casos de suspeitos de pertencerem ao PCC mortos pela polícia levaram a indagações desta natureza: ‘É lamentável que o maior jornal do país, num momento de crise de segurança, incite a população contra os policiais’.

É claro que não houve incitamento, mas o descompasso no tratamento dado aos dois momentos -o dos policiais morrendo e o dos policiais matando- criou no leitor a idéia de que o jornal estava mais preocupado com os bandidos mortos do que com os policiais mortos.

O auge da reação contra o jornal ocorreu na sexta-feira, por conta da foto da Primeira Página que mostra um soldado apontando uma arma e diante dele um homem com uma criança no colo. A primeira impressão é a de que o policial aponta a arma para a criança, o que permite a leitura de que ameaçava os moradores. A legenda informa, porém, que o policial dava cobertura para outros policiais que entravam numa favela. ‘Qual é a intenção, colocar a população contra a polícia?’ perguntou um leitor. ‘É correto fazer isso justamente no momento pelo qual estamos passando?’, indagou outro.

O momento pelo qual estamos passando é crítico e acho que a imprensa de São Paulo nunca teve um desafio deste tamanho. A cobertura da Folha teve, na minha avaliação, vários pontos positivos: foi rápida (o que nem sempre acontece quando os fatos explodem sexta-feira à noite e nos finais de semana), criou um padrão gráfico de edição de qualidade, jogou uma boa parte dos seus repórteres nas ruas em busca de histórias, fez uma ótima cobertura fotográfica (principalmente na segunda-feira do pânico), esteve bem informada sobre negociações do governo com o PCC, fez uma entrevista com o governador Cláudio Lembo que continua a repercutir e abriu espaço aos especialistas, com entrevistas e análises.

Não teve sensibilidade, no entanto, para tratar do drama policial e não havia produzido, até sexta-feira, uma avaliação crítica do que foram os oito anos de política de segurança dos governos do PSDB que, conforme já diagnosticou em editorial, ‘fracassaram na tarefa de debelar o PCC’.’

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‘Ouvidor da Polícia critica difusão de boatos’, copyright Folha de S. Paulo, 21/5/06.

‘Antonio Funari Filho, ouvidor da Polícia de São Paulo, achou correta a cobertura da crise pela imprensa em geral, mas criticou a divulgação de boatos por emissoras de TV.

OMBUDSMAN – O que achou da cobertura da mídia paulista?

ANTÔNIO FUNARI FILHO – Está sendo muito útil. As notícias estão nos ajudando a procurar respostas para alguns casos que deixam dúvida sobre a participação ou não da polícia nos confrontos. As notícias sobre chacinas estão nos possibilitando fazer com que as pessoas que tenham algum conhecimento possam nos dar informações. Por outro lado, existe a preocupação, que acho negativa, de valorizar informações que não têm tanta importância, como as TVs [recebidas pelos presos]. Isso acaba tendo apelo popular muito grande e reforça a perspectiva de que o preso é tratado a pão-de-ló.

OMBUDSMAN – Mas a notícia não é verdadeira?

FUNARI FILHO – Se vai proporcionar a possibilidade de assistir à Copa, não é coisa que mereça tanto destaque. O que merece é a questão de que o crime se organiza em cima do mercado de drogas.

OMBUDSMAN – O sr. percebe um viés contra a polícia?

FUNARI FILHO – Não. Durante os três dias houve mais de 150 manifestações de solidariedade da população à polícia. Acho que isso tem muito peso da imprensa.

OMBUDSMAN – A imprensa foi sensacionalista?

FUNARI FILHO – Não dá para generalizar, mas tenho a impressão de que isso aconteceu com alguns órgãos, mais em TV.

OMBUDSMAN – Sensacionalista no sentido de alarmista?

FUNARI FILHO – É. De transmitir alguns boatos. A imprensa tem obrigação [de cobrir], a gente lutou pela liberdade de imprensa. Mas acho que precisa ter muito cuidado em relação a transmitir boatos.’

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‘A reforma gráfica’, copyright Folha de S. Paulo, 21/5/06.

‘A Folha circula hoje com novo projeto gráfico. Tenho acompanhado a reforma de longe, ouvi um rápido informe sobre seus objetivos, mas só hoje, ao folhear o jornal, poderei avaliar as novidades. Tenho duas expectativas:

1 – Que não seja apenas uma reforma cosmética, para simbolizar que está saindo da crise que se estende desde 2004, mas que traga mudanças que indiquem que o jornal está realmente disposto a se reinventar diante dos desafios que assombram os diários. Há uma grande expectativa em relação ao futuro dos impressos, e espero que a reforma não seja mais do de sempre.

2 – Que o jornal esteja mais próximo de seus leitores e lhes dê mais espaço, seja no ‘Painel do Leitor’ e nas seções de artigos e opiniões, seja através de novos canais.’