Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Beraba

‘TERMINADA A CAMPANHA eleitoral, é de se imaginar que os ânimos arrefeçam e que, aos poucos, seja possível uma avaliação menos passional do papel da imprensa nesta eleição presidencial. Há questões que ficaram no ar a exigir de jornalistas, leitores, institutos de monitoramento e da academia, superadas as emoções, estudo e reflexão.

Uma primeira questão é a da influência: que poder ainda resta aos meios tradicionais (rádios, jornais, revistas e TVs) na formação da opinião pública e na opção eleitoral?

Os palpites oscilaram conforme o humor dos fregueses. Houve quem tenha visto nos meios os protagonistas de um golpe contra a reeleição do presidente Lula. E houve, não necessariamente outros, os que chegaram à conclusão de que os meios tradicionais já não têm qualquer importância. Amordaçá-los ou depreciá-los?

E a internet e os blogs, que papel tiveram de fato? O jornalista Luís Nassif, por exemplo, avaliou que estas eleições marcaram ‘definitivamente o fim do poder absoluto da grande mídia sobre o mercado de opinião brasileiro’. Será que havia antes um poder absoluto? E será que o poder que tinha realmente chegou ao fim?

A esperança é a de que, com um pouco de distanciamento, consigamos fugir dos extremos e seja possível entender que papel a imprensa está tendo e que erros e acertos cometeu.

O próprio presidente da República e os caciques da oposição contribuíram decisivamente para um entendimento confuso do papel da imprensa numa democracia, como a nossa, em construção. Ora os ataques reativos ao noticiário negativo beiraram a irresponsabilidade, ora o rito e as circunstâncias os obrigaram a reafirmar seus compromissos democráticos.

A campanha eleitoral praticamente ignorou um outro ponto importante, o da (alta) concentração dos meios de comunicação e seus corolários (como a democratização dos meios e a discussão regulamentação versus auto-regulamentação).

É um assunto que incomoda os veículos e os candidatos. Houve uma pergunta pertinente, em um dos debates, mas as respostas foram insatisfatórias, e o assunto morreu ali. Quanto mais clareza houver em relação a esta discussão, melhor para a imprensa e para a sociedade. Não é possível adiar o assunto indefinidamente.

Dupla exposição

E há um terceiro aspecto da cobertura que também merece a atenção. O instituto da reeleição desequilibrou a cobertura jornalística, independentemente da posição dos jornais em relação aos candidatos. O candidato na Presidência leva uma vantagem sobre os outros que nem mesmo uma linha editorial mais crítica é capaz de atenuar.

Esta questão já havia sido percebida pela ombudsman Renata Lo Prete em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso disputou a reeleição contra, entre outros, Lula e Ciro Gomes.

Ao comentar o resultado da medição de espaço que cada candidato teve na Folha, Lo Prete concluiu, diante da acachapante supremacia de FHC: ‘O resultado é um rolo compressor’. O rolo se repetiu em 2006 com Lula.

Tenho os levantamentos das coberturas da Folha nos primeiros turnos de 1998 e 2006. Não se pode comparar os dois totalmente porque foram feitos por institutos diferentes, mas seus resultados indicam uma tendência.

Os dois institutos adotaram o mesmo critério de medir separadamente o noticiário da Presidência do relativo à candidatura. Sob o ponto de vista acadêmico e para se entender o comportamento da imprensa, a divisão é justificada. Mas sob o ponto de vista do acompanhamento do leitor, a separação na prática não existe. O noticiário da Presidência se confunde com o da campanha e o da campanha contamina a Presidência -como vimos em 1998, com a crise econômica, e em 2006, com os escândalos policiais.

Em 1998, o Datafolha monitorou o período entre 18 de agosto e 2 de outubro. A Presidência teve 54% do espaço, o candidato FHC teve 29%, Lula teve 13% e Ciro Gomes, 9%. Se somamos a dupla exposição de FHC, ele teve 83% do espaço eleitoral. Independentemente do teor crítico das reportagens, foi um ‘rolo compressor’.

Em 2006, o Doxa (Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública, do Iuperj) fez um acompanhamento mais extenso, de 1º de fevereiro, quando as candidaturas ainda não estavam definidas, até 1º de outubro. O resultado é mais equilibrado do que o de 1998, mas mesmo assim é visível a vantagem do candidato-presidente: Lula presidente ocupou 32% do espaço eleitoral e Lula candidato, 30%; Geraldo Alckmin, 29%, e Heloísa Helena, 8%. A soma de Lula é de 62%.

São dados que confirmam, na opinião de Alessandra Aldé, pesquisadora do Doxa, ‘o caráter plebiscitário da reeleição, quando tudo gira em torno do candidato que está no cargo’. Para o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do Doxa, mesmo quando parte do noticiário é negativo, a vantagem é do presidente, porque tem visibilidade em dobro.

Estes dois levantamentos mostram também como o jornal é bastante crítico na cobertura dos fatos do governo e busca mais equilíbrio na cobertura das candidaturas. Em 1998, 40% do que foi publicado pela Folha sobre FHC presidente foi negativo, enquanto 47% foi neutro e 13% positivo. No auge da crise econômica, o jornal chegou a publicar, às vésperas da eleição, um editorial na Primeira Página -’Tempo esgotado’.

Agora, em 2006, segundo o Doxa, 40% do noticiário relativo a Lula presidente foi negativo, contra 41% neutro e 19% positivo. A discussão do que é positivo, negativo e neutro é interminável e é bem possível que os institutos apliquem critérios um pouco diferentes, mas as tendências, como disse, coincidem.

O mesmo ocorreu em relação às candidaturas. Em 1998, FHC candidato teve 26% de noticiário positivo e 29% de negativo e Lula teve 30% de positivo e 26% de negativo. No primeiro turno de 2006, Lula candidato teve 28% de positivo e 30% de negativo e Alckmin teve 28% de positivo e 29% de negativo.

Não pretendo com estas observações provar qualquer tese. São apenas alguns aspectos da cobertura jornalística que, a meu ver, merecem atenção.’



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‘Manual de boas maneiras’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/06.

‘A Folha prestou um grande serviço, inclusive para o jornalismo, ao noticiar com destaque, na sexta-feira, a ignorância de alguns jornalistas escalados para reportar a recuperação, pela polícia de São Paulo, de obras raras furtadas. Segundo o jornal, as peças -um manuscrito de 1791 de Dona Maria 1ª, e o livro ‘Ornithologie Brésilienne’, do naturista francês Jean-Théodore Descourtilz, de 1855- ‘foram parcialmente danificadas após serem expostas em um sofá, por um delegado, e manuseadas por uma dezena de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos’.

As obras estiveram mais protegidas nas mãos dos ladrões e receptadores do que na delegacia. Co-responsável pela barbárie, já que tinha a obrigação de proteger as obras, o delegado Fernando Gomes Pires assim tentou explicar a ação da imprensa: ‘Eles pareciam urubus’.

Lembro que publiquei recentemente o depoimento do jornalista Antonio Gois, da Folha. Ao experimentar o assédio da imprensa depois do acidente com o avião da Gol, comparou a nossa falta de sensibilidade à dos agentes funerários na hora da morte.

Talvez esteja faltando nos manuais das Redações um anexo de boas maneiras.’