Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘O desastre na estação em construção do metrô de Pinheiros mal completou duas semanas e já encontra dificuldades para obter espaço na Primeira Página da Folha. A cobertura inicial foi intensa, com alguns erros que não a comprometeram, mas aos poucos a rotina da Redação empurra o caso para a pauta de acompanhamentos esporádicos. A tragédia volta às páginas quando há notícia, como na sexta-feira, quando foi encontrado mais um corpo, o do contínuo Cícero Augustinho da Silva. Até lá, os jornais vão cuidar de assuntos novos, mesmo que o acidente em Pinheiros esteja a exigir investigação jornalística ininterrupta.

O leitor Jair Ghion sugeriu, ainda na semana passada, que fosse feita uma comparação entre as coberturas da Folha de dois grandes acidentes que marcaram São Paulo: este do metrô, em que foram encontrados até agora sete corpos, e o do soterramento, em 1989, de 32 barracos na favela Nova República, no Morumbi, quando morreram 14 pessoas, sendo 12 crianças.

A sugestão de Ghion de comparar o tratamento dado pela Folha nos dois casos teve como origem a sua impressão de que, naquela ocasião, o jornal culpou a prefeita Luiza Erundina, então no PT, e agora não faz o mesmo com os governos tucanos (Geraldo Alckmin e José Serra). Ele considera ‘fundamental a análise para que possa, quem sabe, mudar a opinião sobre a parcialidade da Folha’. Considerei a sugestão pertinente por entender que essa é uma queixa freqüente de leitores, e não só agora no episódio do metrô.

Ambiente de impunidade

Reli, com a ajuda do Banco de Dados da Folha, as edições de 1989. No dia 24 de outubro, a três semanas do primeiro turno da primeira eleição presidencial desde 1961, um barranco de 80 metros de altura desmoronou e soterrou 32 dos 120 barracos da favela. O desmoronamento foi provocado por um aterro que estava sendo feito para preparar o terreno para a construção de um condomínio de alto padrão. A obra estava embargada pela prefeitura e os proprietários já haviam sido multados diversas vezes.

A releitura da cobertura mostra que, diferentemente da impressão que ficou na memória de Ghion, a Folha não responsabilizou a prefeita. Os editoriais de então eram tão cautelosos ao apontar as responsabilidades como os de agora. Não houve carga do jornal contra a prefeita. Nas duas situações, o jornal exigiu investigações isentas e rigorosas.

O que houve, então, foi o uso eleitoral. Vários candidatos à Presidência da República aproveitaram o desmoronamento e as mortes para atacar, nos programas gratuitos na TV, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas esses ataques apenas tinham registros no jornal, assim como a defesa da prefeita.

O primeiro editorial da Folha foi publicado no terceiro dia (‘Tragédia e omissão’) e não cita Erundina. Constata um ‘ambiente de impunidade e desgoverno que perpassa toda a sociedade brasileira’, então recém-saída da ditadura militar.

Agora, o primeiro editorial (‘Desastre no metrô’), também no terceiro dia, teve como principal preocupação preservar a imagem do metrô como meio de transporte coletivo seguro.

O segundo editorial (‘Plano de emergência’, 18/1) pede que seja investigada também a hipótese de negligência na execução ou na fiscalização do projeto.

Duas cidades

O que me surpreendeu de fato na releitura do caso da Nova República foi a pouca visibilidade que teve em 1989 nas páginas da Folha. Não há comparação com a extensa cobertura de agora.

Embora tenha ocorrido no Morumbi, um dos bairros da elite paulistana, e tenha soterrado 12 crianças e dois adultos, a tragédia nunca mereceu uma manchete do jornal.

O desmoronamento do barranco ocorreu à tarde (como o do metrô) e, no dia seguinte, a notícia ocupava o pé da Primeira Página com uma foto e um título seco, ‘Deslize de terra mata 15 em SP [foram 14]’. A manchete daquele dia foi para a disputa eleitoral, com três fotos: ‘Segurança de Collor esmurra petista no Rio’.

No dia seguinte, o jornal colocou uma foto no alto da Primeira Página com o título ‘Bombeiros acham 8 corpos de crianças soterradas na favela’, mas a manchete continuou para a eleição: ‘Fiesp prevê Lula e Collor no 2º turno’. O caderno ‘Cidades’ destacou o desastre, nos primeiros dias, na capa, mas a cobertura nunca passou de três páginas. Logo o assunto sumiu da Primeira Página.

O acidente do metrô foi manchete do jornal durante sete dias seguidos. Deixou de ser no sábado, dia 20, quando ocorreu a Cúpula do Mercosul no Rio, voltou a ser no domingo e foi perdendo visibilidade na Primeira Página ao longo da semana que passou.

Internamente também não há comparação entre as duas coberturas. O jornal dedicou no mínimo três páginas na primeira semana para a tragédia do metrô, sendo que chegou ao equivalente a sete páginas e meia na segunda-feira, dia 15.

Acho que o ponto principal a explicar as diferenças de tratamento não está na questão política, mas na maneira como a Folha avaliou as duas tragédias. O acidente no metrô teve no jornal o destaque devido. A tragédia da favela do Morumbi nunca teve o espaço que exigia.

Mais São Paulo

Em 1993, quase quatro anos depois da tragédia da Nova República, seis pessoas foram condenadas por imprudência, negligência e omissão: o dono do terreno e um mestre-de-obras responsável pelo aterro que provocou o desmoronamento, dois fiscais e dois engenheiros da Prefeitura de São Paulo.

A prefeitura foi absolvida. Segundo registro no Banco de Dados da Folha, em 1996, sete anos depois do acidente, apenas 25 grupos de moradores, de um total de 76, havia recebido indenizações. Os seis condenados haviam recorrido ao STJ e não cumpriam as penas.

No caso do metrô, as investigações mal começaram. A tendência do jornal é voltar sua atenção para outros fatos que surgem.

A impressão que tive na semana que passou, e registrei na Crítica Interna do dia 23, é que o jornal diminuiu o ritmo do trabalho investigativo e agora apenas acompanha o noticiário produzido pelas autoridades.

Mais do que as mortes, os prejuízos materiais e a insegurança, o desmoronamento da estação de Pinheiros trouxe de volta, às vésperas do aniversário da cidade, o debate sobre o seu futuro. É uma excelente oportunidade para o jornal se fazer necessário e se aproximar dos leitores e dos paulistanos através da investigação jornalística (sobre as causas e responsabilidades) e da abertura de um espaço de idéias. São Paulo precisa estar no centro das discussões da Folha.’

***

‘Frase’, copyright Folha de S. Paulo, 28/01/07.

‘Sinto falta de a Folha falar sobre São Paulo. Discutir a cidade. É um jornal nacional? Bem, acho que não é esse o caso, até porque o jornal sempre afirma que prioriza fatos de São Paulo, foca o noticiário no seu principal público leitor. A fórmula? Não sei. Só sei que hoje nenhum jornal discute São Paulo como a cidade precisa. E merece. – Ricardo Ballarine.’