Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Marcelo Beraba

‘O grupo que edita o ‘New York Times’ anunciou uma perda de US$ 648 milhões no último trimestre de 2006. Levantamento feito pela empresa de consultoria Challenger Gray & Christmas e citado por um informe da agência Efe revela que foram cortados, no ano passado, nos Estados Unidos, 17.809 postos de trabalho em empresas jornalísticas, quase 90% a mais do que foi registrado em 2005 (9.453).

As razões mais freqüentemente apontadas para os problemas dos diários estadunidenses podem ser resumidas em dois pontos: a dificuldade de ganhar dinheiro com a internet e a queda ininterrupta de faturamento obtido com publicidade. Deve-se acrescentar a queda de circulação.

Os jornais, e não só nos EUA, vivem um momento de suspense. Ainda são o principal negócio de suas empresas, mas sobre eles recai a desconfiança de que não têm futuro, são espécies em extinção e a qualquer momento podem ser substituídos pelas novas estrelas do negócio. Estrelas que já brilham, como a internet, mas que ainda estão longe de faturar como eles, os jornais.

Um dos resultados desta situação é o corte constante de investimentos em quali- dade. Investe-se em manutenção, nas condições indispensáveis para estender a sobrevida dos diários, mas raramente são feitas aplicações de longo prazo.

As Redações estão menores, mais jovens, com menos recursos e com orçamentos reduzidos.

A rede reduzida

Uma das conseqüências da crise da imprensa dos Estados Unidos é a redução dos correspondentes fora das cidades-sedes. Vários jornais já vinham cortando dentro dos Estados Unidos e, inclusive, em Washington, o centro político do país.

De um tempo para cá os cortes alcançaram a rede de correspondentes no exterior, um dos trunfos da imprensa norte-americana.

De acordo com um levantamento do ‘The Christian Science Monitor´s’, os jornais dos Estados Unidos tinham, em 2000, 282 correspondentes no exterior.

Após o 11 de setembro de 2001, esse número chegou a 304 jornalistas. No final de 2006, o número havia caído para 249. E, na semana que passou, com novos cortes anunciados pelo ‘Boston Globe’, diário do grupo do ‘NYT’, a rede foi reduzida para 239 correspondentes, uma queda de 21% em relação a 2001.

Ainda é um número expressivo se comparado com o resto da imprensa internacional, com poucas exceções. Mas é um indicador de perda de qualidade.

No Brasil

A situação no Brasil é ainda pior, embora os indicadores do negócio em 2006 sejam positivos. O IVC (Instituto Verificador de Circulação) registrou um crescimento de 6,3% na circulação dos jornais.

Puxaram a recuperação os chamados jornais populares, de venda em banca ou em pontos públicos e de baixo preço de capa, que tiveram um crescimento de aproximadamente 15%.

O segmento dos grandes jornais, ao qual pertence a Folha, ficou praticamente estagnado, com um crescimento médio de 0,3%.

Não tenho os números finais da publicidade. Mas, em setembro, o Projeto Inter-Meios, da revista ‘Meio & Mensagem’, apontava um crescimento acumulado no ano de 11,45% em relação ao mesmo período de 2005.

Os jornais, com 15,9% de participação no bolo publicitário (as TVs, a Globo à frente, abocanham 56,2%), havia registrado um crescimento de 6% em relação a 2005.

Não são, portanto, dados desastrosos. Mas, mesmo assim, os jornais parecem continuar com dificuldades para atravessar o deserto, termo consagrado dentro da Folha para se referir ao longo período de crise que se estende desde 2004.

Os jornais brasileiros também já tiveram grandes redes no exterior, não do tamanho das de um ‘NYT’ ou de um ‘El País’, da Espanha. Mas chegaram a formar estruturas próprias de captação de informações que revelavam a disposição de produzir um jornalismo original e com enfoque brasileiro.

A Folha, por exemplo, chegou a ter, em 1991, uma rede de 22 jornalistas, sendo 13 correspondentes, três bolsistas e nove colaboradores fixos. O jornal, que tinha uma circulação média diária de 388 mil exemplares, estava presente então em seis cidades dos Estados Unidos, em dez européias, em Tóquio, Santiago do Chile e Buenos Aires.

Os tempos são outros, tanto de circulação (309 mil) como de recursos.

O jornal tem hoje correspondente em Washington, bolsistas em Buenos Aires, Nova York e Londres e colaboradores eventuais em alguns poucos países. É uma situação pior do que a do ‘Estado’ (Buenos Aires, Genebra, Washington, Londres e Paris) e a do ‘Globo’ (Washington, Nova York, Buenos Aires, Paris, Londres e Pequim).

Mas nada choca mais do que os cortes que foram feitos nas redes nacionais de correspondentes. Alagoas vive, desde 1º de janeiro, uma crise ininterrupta, com cortes orçamentários, greves, ocupações de prédios públicos, indignação contra os aumentos autoconcedidos pelos deputados.

É uma tristeza perceber que a maior parte do noticiário é produzido de São Paulo, por telefone.’

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‘Nada substitui o olhar do correspondente’, copyright Folha de S. Paulo, 4/2/07.

‘Fui alertado para a redução da rede de correspondente dos jornais dos EUA no mundo por Sérgio Dávila, correspondente da Folha em Washington. Ele já ocupou o mesmo cargo em Nova York (2000-2003) e na Califórnia (2004-2005). A seguir, seu depoimento: ‘Ao sair do Brasil, em março de 2000, para meu primeiro posto no exterior, como correspondente da Folha em Nova York, a bolha da internet acabara de estourar, e a discussão das empresas jornalísticas norte-americanas era onde e como cortar. Alinharam-se os ‘suspeitos de sempre´: escritórios no exterior. Veio o ataque de 11 de setembro, e jornais como ‘New York Times’ e ‘Wall Street Journal’ (que havia fechado quase todas as suas sucursais no Oriente Médio) foram pegos de calças curtas.

Quando o fotógrafo Juca Varella e eu deixamos o Brasil, no fim de semana antes da invasão do Iraque, em 2003, havia cerca de 2.000 jornalistas do mundo inteiro em Bagdá. Ao chegarmos, na madrugada que antecedeu o primeiro bombardeio, restavam menos de 200. Esse é o número total de correspondentes estrangeiros da imprensa escrita dos EUA espalhados pelo globo hoje. É que, passado o ataque e a invasão, acabou a lua-de-mel e voltou a crise.

Num desses cortes, veio a público um número eloqüente: manter o escritório do ‘New York Times’ em Bagdá por um ano custa o mesmo que a revista ‘People’ pagou pelas fotos do bebê dos atores Angelina Jolie e Brad Pitt, US$ 4 milhões. De certa maneira, a comparação resume a discussão por que passa o jornalismo dos EUA -qual dos caminhos seguir? As angelinas dão mais audiência, mas a cobertura in loco dos grandes acontecimentos mundiais é um dos fundamentos da imprensa.

Se vale o palpite, aí vai: celebridades continuarão a dar à luz, mas nada substitui o olhar local do correspondente’.’