Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcos Augusto Gonçalves

‘A inscrição da política na lógica publicitária de mercado não é nenhuma novidade. Candidatos, governos, programas sociais e hambúrgueres se equivalem no mundo encantado da mercadoria. Não é nada estranho, portanto, que peças publicitárias do governo tenham ido ao ar mostrando situações mais enganosas do que seria lícito esperar.

Como esta Folha noticiou, um anúncio destinado a vender os resultados de investimentos governamentais em agricultura familiar mostrava uma verdejante área de plantio de uma propriedade privada, que jamais recebeu um tostão furado do programa agrícola em questão.

Esse tipo de artifício é corriqueiro na publicidade. A atriz que aparece linda na cozinha de casa recomendando isso ou aquilo está num estúdio encenando uma situação que nada ou muito pouco tem a ver com seu cotidiano. Tudo fica melhor nos filmes. Locações estrategicamente escolhidas podem até fazer de São Paulo uma sólida e bela capital européia.

Não vejo motivo para o governo se preocupar tanto com isso a ponto de ter retirado a campanha do ar. Tudo, afinal, é um tanto enganoso no universo marqueteiro. Por que então não explorar os recursos disponíveis? Por exemplo: por que não usar o Fasano como locação de um anúncio do Fome Zero? Talvez soasse um pouquinho artificial, é verdade. Mas, e daí? Ficaria um luxo.

E que tal uma paisagem suíça, com crianças uniformizadas, para enaltecer os feitos da educação petista? Um pouco de neve ao fundo, nos picos alpinos, daria o necessário toque civilizatório. E não há razão para descartar os bancos de dados. Imagens de arquivo podem ter imenso valor publicitário. Uma fábrica fordista, por exemplo, como aquelas de ‘Tempos Modernos’, se bem colorizada no computador, resultaria em apropriada e dinâmica ambientação para os progressos do Primeiro Emprego.

Enfim, sejamos criativos, companheiros. Como pediam em 68: a imaginação no poder!’



Kennedy Alencar

‘Lula usa horário do PT na TV para defender governo’, copyright Folha de S. Paulo, 2/04/04

‘Avaliando que o ‘episódio Santoro’ permite uma contra-ofensiva eficaz no caso Waldomiro Diniz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu usar o horário político do PT na virada de abril para maio a fim de defender o governo e o seu partido. E novamente determinou aos principais ministros que demonstrem união de público e joguem mais afinados, sob pena de todo o governo ser prejudicado.

Lula teve duas reuniões importantes ontem de manhã no Palácio da Alvorada, sua residência oficial. Na primeira, reagrupou pela primeira vez desde o fim de janeiro o antigo ‘núcleo duro’ -os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Luiz Gushiken (Comunicação de Governo). Na segunda reunião, falou com o presidente do PT, José Genoino.

‘Os programas de TV terão uma mistura de resposta política e de defesa do governo e do PT’, disse Genoino. Ele afirmou que está consultando dirigentes de peso do PT para ‘definir a linha do programa’ até a reunião do Diretório Nacional, marcada para os dias 17 e 18 de abril.

Comerciais do PT irão ao ar nos dias 23 e 24 deste mês. No início de maio, será exibido o programa nacional de 20 minutos. O publicitário Duda Mendonça, que aparentemente não perdeu a confiança de Lula por conta de peça da campanha do governo que usou imagem enganosa, já prepara a linha de combate à crise.

Terá lugar de destaque nessa estratégia a tese de ‘conspiração’ por conta da revelação da gravação do encontro entre o empresário Carlinhos Cachoeira e o subprocurador-geral da República José Roberto Santoro.

Os comerciais e o programa de TV também darão respostas à bateria de críticas que o governo sofre na TV desde o ano passado.

PDT, PFL e PSDB já usaram seu horário político para criticar o governo e o PT. Na avaliação de Lula, o ‘episódio Santoro’, acusado de ter ligações com o PSDB, deu ao governo e ao PT argumentos políticos para sair da defensiva no caso Waldomiro Diniz e tentar minimizar danos nas eleições municipais de outubro.

Segundo Genoino, ele esteve com Lula durante 15 minutos e não participou da reunião anterior do presidente.

Segundo a Folha apurou, o presidente determinou, durante a primeira reunião, um melhor entrosamento entre eles, que tiveram conflitos de bastidor ao longo de quase dois meses de crise.

Dirceu, por exemplo, tentou se livrar da crise do caso Waldomiro reforçando críticas do PT e de aliados à política econômica de Palocci. Gushiken, que se aliou ao ministro da Fazenda nesse embate, também teve rusgas com o chefe da Casa Civil. O presidente quer o fim do que chama de ‘intrigas’ e de ‘guerra no governo’. Palocci e Dirceu, por exemplo, devem conceder entrevistas juntos sobre economia, por sugestão do presidente, numa tentativa de mostrar que a disputa entre eles está superada. Coincidentemente, ao saírem do Alvorada, Dirceu acenou para Palocci e o convidou a entrar seu carro oficial, para irem juntos ao Planalto.’



Virgilio Abranches

‘Para especialistas, houve falta de ética em propagandas’, copyright Folha de S. Paulo, 1/04/04

‘As propagandas do governo federal na TV que utilizaram imagens enganosas foram feitas de uma maneira eticamente inaceitável. Essa é a opinião de especialistas sobre o assunto ouvidos ontem pela Folha.

‘O caso é gravíssimo. Não dá margem para nenhum tipo de tergiversação. Eticamente é intolerável’, diz Clóvis de Barros Filho, professor de Filosofia da Comunicação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) de São Paulo e de Ética da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo).

Na segunda-feira, reportagem da Folha revelou que uma peça publicitária que divulgava ações do governo utilizou imagens enganosas. Enquanto anunciava números do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), a propaganda mostrava imagens de uma propriedade em Cotia (SP), de 1 milhão de metros quadrados, que nunca recebeu verba do governo.

Ontem a Folha revelou que outra propaganda oficial apresentava problemas. O comercial, que divulgava ações do Bolsa-Família -programa de transferência de renda do governo-, também utilizava imagens enganosas, além de anunciar dados incorretos. As duas peças, que tiveram a coordenação de produção feita pelo marqueteiro Duda Mendonça, foram tiradas do ar.

‘Uma imagem usada para ilustrar um texto suscita expectativas de correspondência entre o que está sendo dito e a mensagem que está sendo exibida. Ainda que o texto contenha informações verdadeiras, se se exibe mensagens incompatíveis, se está induzindo ao erro’, diz Barros Filho.

Já o professor Leandro Batista, do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da USP, vai ainda mais longe. Segundo ele, além da condenação ética, o caso também pode ser objeto de uma análise ideológica: ‘Se formos analisar ideologicamente, do ponto de vista de um partido [PT] que pregava só dizer a verdade, é um agravante’.

‘Lástima’

‘Esse episódio é uma lástima. A população utiliza esses anúncios para avaliar o governo’, afirma o cientista político Marcus Figueiredo, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Comunicação e Política do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). ‘Se a propaganda é uma fraude, o governo induz o eleitor a fazer uma avaliação falsa’, completa.

Barros Filho reforça que o fato de, em uma das propagandas, apenas as imagens serem enganosas (o governo sustenta que os dados são verídicos) não diminui o problema ético. ‘É inaceitável separar o texto da imagem como se fossem unidades de real sem nenhuma relação. Eticamente, não pode ser sustentável, em nenhuma situação, esse tipo de recurso’, diz o titular da USP e da ESPM.

Os professores também afirmam que o governo é co-responsável pela propaganda enganosa. ‘O próprio código do Conar [Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária] prevê que o anunciante e a agência têm a mesma responsabilidade’, afirma Leandro Batista.

Tanto para Figueiredo, do Iuperj, como para Barros Filho, as propagandas enganosas afetam a credibilidade das ações do governo. ‘Põe em dúvida tudo o que já foi feito’, afirma Figueiredo. ‘Uma vez traída a confiança, não se tem mais por que acreditar em nenhuma outra mensagem que o governo apresente. Porque quem frauda na imagem pode fraudar também no texto’, sustenta Barros Filho.’



José Alberto Bombig e Julia Duailibi

‘Planalto tira outro comercial enganoso do ar’, copyright Folha de S. Paulo, 31/03/04

‘A Secretaria de Comunicação de Governo (Secom) mandou tirar do ar ontem mais uma peça publicitária que continha informações enganosas sobre programas federais. Desta vez, foi suspensa a veiculação da campanha explicativa do Bolsa-Família, considerado o principal programa social do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Secom já havia determinado anteontem a suspensão dos comerciais sobre o Pronaf, programa de agricultura familiar, após reportagem publicada pela Folha que mostrava serem enganosas as imagens usadas na peça.

A atual campanha do governo federal, composta por cinco filmes de responsabilidade da agência de Duda Mendonça, foi paga com dinheiro público. O custo total é estimado em R$ 8 milhões.

O comercial do Bolsa-Família apresenta informações equivocadas sobre os benefícios pagos pelo programa. Além disso, a Folha apurou que a Secom foi informada de que imagens que aparecem no filme, assim como as da peça do Pronaf, não são reais.

A peça sobre o Pronaf foi filmada em uma área particular, cujo dono, Mário Ribeiro, possui outras cinco propriedades vizinhas que, somadas, alcançam 1 milhão de metros quadrados e produzem dez toneladas de verduras por dia. Ribeiro, portanto, está fora do programa de crédito.

Foram contratados funcionários do local para aparecer nas imagens como se fossem pequenos agricultores. Mendonça isentou o governo de culpa: ‘A culpa não é do governo. É toda minha’.

No filme do programa de transferência de renda, há uma suposta família beneficiada pelo projeto tomando café da manhã. À frente, uma apresentadora fala sobre os avanços dos programas sociais e indica as pessoas da mesa como os ‘milhares’ de famílias que ‘antes recebiam até R$ 25 por mês, [e] agora recebem até R$ 95’.

Números do Ministério do Desenvolvimento Social contradizem a afirmação. O benefício pago antes da unificação dos programas, feita em outubro, não era de ‘até R$ 25 por mês’, mas uma média de R$ 25 por mês, podendo, portanto, ultrapassar o valor.

Durante todo o dia de ontem, a Folha entrou em contato com a agência de Duda Mendonça e com a Resolution Produções, responsável pela execução das peças, para que comentassem a origem das imagens do filme sobre o Bolsa-Família. Não obteve resposta até a conclusão desta edição.

Além do Bolsa-Família e do comercial do Pronaf, a agência de Duda Mendonça está analisando se os outros três filmes também usaram imagens enganosas.

O Bolsa-Família é um programa de complementação de renda, que uniu os seguintes projetos: Vale-Gás, Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação e Cartão-Alimentação. A peça que foi tirada ontem do ar termina com a seguinte frase: ‘Bolsa-Família, o trabalho sério já começa a dar resultados’.’



João Domingos

‘Radiobrás limita áreas de atuação da Agência Brasil’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/03/04

‘A Radiobrás anunciou ontem que a Agência Brasil, o serviço de informações do governo que distribui de graça textos e fotos, extinguiu as editorias de Internacional, Cultura e Esportes. ‘Embora já tenham sido tratados em textos da Agência Brasil, esses assuntos não fazem parte do seu campo de atuação e indicavam um desvio de finalidade’, diz nota divulgada ontem pela Radiobrás em sua página na internet.

‘Depois de muitos estudos e debates e de ouvirmos especialistas da área, ficou claro que não é papel da agência entrar em assuntos internacionais, de cultura e esportes. Somos uma agência especializada em Estado, governo e cidadania. Vamos concentrar nossas atividades nestes assuntos’, afirmou ao Estado o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci. As rádios do sistema, no entanto, vão continuar com sua programação esportiva, como a transmissão de partidas de futebol.

‘Avaliamos que existem outros provedores de conteúdo, privados e públicos, que abordam assuntos das áreas internacional, cultural e esportiva com mais propriedade do que a gente’, afirmou ainda Bucci.

Desde que o novo governo assumiu, a incursão por outras áreas virou uma rotina. No ano passado, por exemplo, a Agência Brasil chegou a distribuir material sobre a final do vôlei de praia de Campo Grande, a guerra no Iraque e uma exposição de fotografias do cantor Oswaldo Montenegro num shopping de Brasília.

A concorrência com outras agências era desigual porque o serviço da Radiobrás é de graça. Como a rede que recebe o noticiário tem mais de mil emissoras de rádio e mais de mil jornais, havia o risco do controle oficial do noticiário, denunciaram líderes de partidos governistas e de oposição, como o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) e o senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM). Reportagem publicada pelo Estado em setembro mostrou a atuação da estatal em áreas estranhas às suas finalidades.

Ainda de acordo com Bucci, a partir de agora as notícias internacionais só farão parte da página da Radiobrás na internet quando guardarem algum vínculo, mesmo que indireto, com a política externa brasileira. Do mesmo modo, eventos culturais ou esportivos apenas serão noticiados quando disserem respeito ao atendimento de direitos da cidadania, à representação da nacionalidade ou à implementação de políticas públicas relevantes.

‘Fazer a notícia em tempo recorde é a nossa especialidade e é nisto que vamos concentrar nossos esforços, sempre abordando os direitos da Cidadania, o Estado e o governo’, disse Bucci.’