A chamada era perfeita: “Tensões entre China e o Dalai Lama chegam ao pós-vida”. Envolvente, informativa e inteligente, era o título de uma matéria sobre reencarnação e o projeto de sucessão do líder budista tibetano, acompanhada por uma foto do monge numa túnica dourada.
Depois havia outra chamada, que também era interessante mas fundiu minha cuca: “Apple apresenta o iOS 8 e o OS X Yosemite numa conferência de desenvolvedores” [o OS X Yosemite vem com uma interface redesenhada, apps poderosos e algumas conexões incríveis entre o seu Mac e os dispositivos com iOS]. Confusa e sem graça, tinha o objetivo de ser descoberta por aqueles que buscam termos específicos na internet.
Se as chamadas do New York Times pretendem ser líricas – ou elegantemente enxutas – aparentemente a Apple teria sido reprovada no teste. Porém, nos dias de hoje o teste mudou, assim como mudaram muitos aspectos das chamadas do Times.
É um assunto que os leitores comentam muito comigo. Muitos deles me escreveram, preocupados com palavras específicas nas chamadas, ou sobre como as chamadas mudam ao longo do dia. E internamente, a melhor maneira de fazer as chamadas – e quem as deveria escrever – está em discussão.
Mudou o lead e mudou a chamada
Com isso na cabeça, e armada com meia dúzia de exemplos que ouvira dos leitores, procurei Patrick LaForge, responsável pela supervisão de 130 copidesques que escrevem a maioria das chamadas. (Ultimamente, produtores da internet, editores do noticiário, editores assistentes e outras pessoas também escrevem chamadas; isso faz parte da mudança à medida que o Times continua a dar maior ênfase à publicação em suas plataformas digitais.)
Perguntei-lhe sobre uma chamada de uma matéria publicada no mês passado, quando dois policiais foram feridos à bala em Ferguson, no estado do Missouri. A manchete da primeira edição impressa, que também ficou por algum tempo na versão online, dizia: “Manifestante, 20, é preso quando dois policiais são feridos em Ferguson”. Muitos leitores me escreveram, opondo-se ao termo “manifestante”, dizendo que se tratava de uma descrição que não tinha apoio no artigo propriamente dito.
LaForge disse-me que a chamada para essa notícia mudou várias vezes enquanto a matéria esteve no ar. Quando foi escrita, promotores e outras autoridades judiciais estavam caracterizado o atirador como um manifestante e isso foi enfatizado no lead que abria a matéria. Mais à frente, ainda na matéria, os organizadores do protesto questionaram seriamente a denúncia. “Considerando os fatos em questionamento, ao reavaliarem o artigo e a chamada entre as edições, os editores questionaram o uso da palavra ‘manifestante’ na chamada e decidiram que fora um erro”, disse Patrick LaForge.
Em edições posteriores, o parágrafo do lead mudou. Assim como mudou a chamada, para “Homem, 20, é preso quando dois policiais são feridos em Ferguson”. A manchete propriamente dita não exigia uma correção, embora isso pudesse ter sido feito, mas uma suíte permitia que se lançassem novas dúvidas sobre a afirmativa original das autoridades judiciais de que um manifestante havia dado os tiros. De maneira geral, quando as chamadas mudam enquanto a matéria está no ar, o que ocorre com frequência, não há necessidade de explicar as mudanças.
A abordagem lírica
Num outro caso em que uma chamada mudou várias vezes, os editores decidiram que se justificava uma nota de correção. Foi na coluna “Transtornos”, de Nick Bilton, que dava uma credibilidade injustificável à ideia de que aparelhos digitais, como telefones celulares e o novo relógio da Apple, podiam causar câncer. A chamada original, escrita por um copidesque, dizia: “Novas engenhocas portáteis, novas preocupações com saúde”; mas um produtor de internet, aparentemente num esforço para tornar a chamada de maior interesse para o público, mudou-a para “Poderiam Computadores Portáteis ser tão Perigosos para a Saúde quanto Cigarros?”
Patrick LaForge disse que esse não era o procedimento ideal – deveria ter sido pedido ao copidesque para mudar a chamada – e essa nova chamada só aumentou os problemas para aquela coluna. “No calor do momento, acontecem coisas ruins”, disse ele. O talento e a experiência dos copidesques podem ser um obstáculo a isso.
Quanto à questão mais geral de como as chamadas vêm mudando, LaForge disse que os editores do Times ficaram frustrados, há alguns anos, quando os mecanismos de buscas – em particular, o Google – não davam destaque ao jornalismo do Times porque, por mais inteligentes que fossem suas chamadas, faltavam, a muitas delas, palavras-chave. Segundo ele, o jornal fez um esforço para resolver isso e está dando certo.
A adequação não foi fácil. “Não estávamos preparados para abrir mão da abordagem lírica”, disse LaForge. “Mas acabamos compreendendo que nem sempre ajudava os leitores uma chamada bonita se ela não lhes dissesse claramente do que tratava a matéria.”
Restaurantes e maconha
E, mais importante do que saber se uma matéria é “procurável” é saber como é “compartilhável” nas redes sociais, em especial no Facebook. Portanto, as chamadas também servem a esse objetivo. Uma chamada que funciona no jornal impresso, quando acompanhada por uma foto e colocada num setor específico do jornal, pode ter muito menos sucesso quando encontrada no Facebook ou lida num smartphone. Então, os editores de copidesque estão escrevendo versões distintas de chamadas para plataformas diferentes, o que aumenta suas tarefas.
Esse procedimento ficará mais complicado à medida que as plataformas se multipliquem. “O princípio básico é adequar o estilo da chamada à plataforma – do jornal impresso, do website, dos dispositivos móveis, dos mecanismos de busca ou das redes sociais”, disse Patrick LaForge.
As chamadas do novo estilo estão muito longe das tradicionais chamadas do Times, que eram motivo de gozação devido às frases que muitas vezes começavam com uma preposição, como, no jornal de segunda-feira passada: “Depois de oito tiros, um policial tranquilo ridicularizou”. Sua frequência fez com que, há alguns anos, fosse criado um meme no qual os títulos dos livros eram lidos naquele estilo (entre eles, De Oz, o Mágico).
Atualmente, se as chamadas às vezes se parecem menos com haiku e mais com um amontoado de palavras-chave – para que seja mais fácil encontrar os artigos – isso é uma necessidade prática. “Nós queremos leitores”, disse Patrick LaForge, “e não vamos nos desculpar por isso.” Ele tem razão.
Às vezes, todos os elementos vêm numa chamada que consegue reunir ser procurável com ser compartilhável, como na matéria, originária do estado do Colorado, sobre restaurantes que oferecem pratos cozinhados com maconha: “Empada de maconha? Cozinheiros começam a experimentar com cannabis.” Na procura que fiz no Google por “restaurantes e maconha”, apareceu lá em cima (o que me pareceu adequado). E também me fez sorrir.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times