Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Margaret Sullivan

Ao fazer a crítica do quarto volume do livro My struggle [“Minha luta”, na tradução livre], de Karl Ove Knausgaard, o escritor Jeffrey Eugenides não veio exatamente despreparado. Como Eugenides escreveu em sua resenha, uma vez os dois escritores haviam almoçado juntos (um almoço difícil, por sinal). E, enriquecendo esse vínculo, o escritor que já foi chamado “o Proust norueguês” escreveu sobre esse almoço na Times Magazine algumas semanas antes da crítica ser publicada.

Jeffrey Eugenides foi honesto sobre o encontro e o que se seguiu, escrevendo: “Posso ser o primeiro dos críticos dos livros autobiográficos de Knausgaard que aparece em um deles”. Esse encontro torna a escolha de Eugenides inadequada como crítico? Ou a torna mais interessante? (A crítica propriamente dita foi afetada, e de maneira não inteiramente positiva.)

Perguntas como essas vêm frequentemente em cartas que recebo de leitores que se opõem ao que consideram um conflito de interesses.

Henry J. Friedman, que leciona psiquiatria na Faculdade de Medicina de Harvard, escreveu, numa carta que o Times publicou, que o relato feito por Natalie Angier no mesmo jornal sobre sua “triste experiência” em psicanálise era uma revelação que a deveria ter desqualificado como crítica do livro Shrinks: The Untold Story of Psychiatry [“Psiquiatras: a história oculta da psiquiatria”, na tradução livre]. Ele foi um, entre vários leitores, que assim pensou. E, mais recentemente, os leitores queixaram-se que Martin Amis tinha sido pessoalmente muito íntimo de Saul Bellow para fazer a crítica de uma nova coleção de sua obra de não-ficção.

Um texto provocativo e bem informado

Um outro leitor, Michael O’Reilly, criticou a resenha de uma antologia intitulada Selfish, Shallow, and Self-Absorbed: Sixteen Writers on the Decision Not to Have Kids [“Egoístas e vazios: dezesseis escritores sobre a decisão de não ter filhos”, na tradução livre], na qual a crítica literária Kate Bolick escreveu: “o livro começa com um apelo ao coração por Courtney Hodell (que, numa revelação plena, é amiga minha)”. O’Reilly defende sua opinião com uma observação e uma pergunta: “O New York Times exerce bastante influência no mercado editorial. Será que é necessário encarregar críticos com uma provável parcialidade para fazer a resenha de livros específicos?”

Depois de ouvir reclamações de leitores sobre este assunto por vários meses, levei algumas específicas, assim como algumas genéricas, à editora do Book Review, Pamela Paul. Ela disse-me que uma das orientações básicas para a definição de tarefas é a seguinte: “Tudo bem se os leitores não concordarem com nossas críticas, mas não deveriam desconfiar delas.” Com esse objetivo, o Book Review pede aos críticos que declarem qualquer conflito de interesses que possam ter antes de escreverem a resenha. (Ao contrário das críticas divulgadas no jornal diário, escritas pelos três críticos literários da equipe do Times – Michiko Kakutani, Janet Maslin e Dwight Garner –, aqueles da seção dominical são escolhidos entre redatores de dentro e de fora do jornal. Os críticos da equipe não escrevem para o Book Review.)

Mas a forma pela qual os editores do Book Review definem conflito de interesses pode surpreender alguns leitores. Parte do que compõe a decisão é algo óbvio: redatores que fizeram sinopses laudatórias de livros específicos – ou seja, pequenos textos com finalidade promocional – são descartados como críticos desses livros. Também o são aqueles que compartilham do mesmo agente literário ou editor que o autor. Em alguns casos, ter a mesma editora é considerado um conflito – por exemplo, se a editora for uma empresa pequena, como a Farrar, a Straus & Giroux ou a Algonquin.

No entanto, um vínculo pessoal com o autor ou opiniões fortes sobre o assunto do livro pode, na realidade, ser considerado ponto positivo, ou, pelo menos, não uma rejeição, disse-me Pamela Paul. “Na verdade, quer dizer ‘Qual a leitura que você faz disto?’”, explica . “É um desafio complicado tentar informar alguém sem estar entrincheirado.” Tentar contratar um crítico responsável que irá escrever um texto provocativo e bem informado “é o que nos excita”, disse.

O problema da experiência pessoal

No caso de Martin Amis, disse Pamela: “Ele conhecia Saul Bellow e considerava-o uma figura paterna, mas isso não quer dizer que ele não pudesse escrever algo interessante sobre Bellow.” Essa relação não foi divulgada na resenha propriamente dita, mas foi mencionada numa matéria chamada “Livro Aberto”. (Nessa matéria, havia quatro textos relacionados a esse assunto, inclusive uma crítica da nova biografia de Zachary Leader; o autor foi Sam Tanehaus, que antecedeu Pamela Paul como editor do Book Review.)

No que se refere à crítica de Kate Bolick, Pamela Paul disse-me que é particularmente difícil encontrar críticos literários especializados em antologias que não tenham vínculo algum com os autores. Segundo ela, Kate Bolick é uma “ótima crítica”, cujo recente livro, Spinster [“Solteirona”, na tradução livre], muito aclamado, tornou-a objeto ideal da questão. Sua divulgação da amizade foi uma maneira de ser transparente com o leitor.

Pamela Paul também ressaltou que, ao fazer a resenha de Shrinks, Natalie Angier, que escreve sobre ciência para o Times, fez o que muitas vezes os críticos fazem: trouxe para o trabalho sua experiência pessoal. Para Pamela, particularizar seu histórico terapêutico teria sido problemático: “Como é que, antes de chamar uma pessoa para escrever uma crítica, você iria lhe perguntar se ela já fez terapia e, caso tenha feito, se funcionou?”

Competência ou parcialidade?

A questão resume-se ao seguinte: qual é a melhor maneira de servir o leitor? Um aspecto é, com certeza, a transparência e uma divulgação clara. (No caso do texto de Martin Amis, por exemplo, uma frase curta inserida na resenha teria ajudado; é pouco provável que os leitores da versão digital tenham visto a nota do editor.)

Com base na minha correspondência, os leitores acompanham este assunto com um olhar atento – e de uma forma razoável. Mais do que os editores do Book Review, talvez muitos leitores preferissem um crítico literário neutro, e não uma pessoa com uma relação, ou envolvimento, sólida.

O que os editores podem considerar uma competência irresistível, os leitores podem entender como parcialidade. Isso é algo que os editores que contratam o trabalho de críticos deveriam levar mais em consideração à medida que procuram uma solução equilibrada.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times