Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Margareth Sullivan

Ao descrever um momento, no final de 2001, quando a equipe Spotlight do Globe divulgava o escândalo de pedofilia dos padres, Robinson, que é conhecido por Robby, lembrou de ter visto algo que achou estranho no monitor do computador de um colega: “Linhas que iam para um lado e linhas que iam para outro.” O que é isso?, perguntou.

Com um ritmo de tempo comum aos comediantes, Walter Robinson respondeu com uma piada a si próprio: “É uma planilha.” É claro que isso foi recebido com uma gargalhada pelos jornalistas da ProPublica, que vivem no mundo de números do atual jornalismo investigativo, onde os bancos de dados e as planilhas substituíram o ronco das impressoras no subsolo.

Sua história é um pequeno reflexo daquilo que mudou nos últimos 14 anos. Porém, em termos mais amplos, é uma séria preocupação. As ferramentas digitais são uma bênção para a reportagem e a distribuição digital pode fazer uma matéria tornar-se global, mas a economia da era digital devastou as equipes de redação.

Estações públicas de rádio também estão investindo

No momento, a questão é saber como esse trabalho fundamental irá continuar – principalmente no plano local. O Times, e umas poucas outras organizações jornalísticas, irão resistir e continuarão fazendo investigações louváveis, mas não têm como substituir a força dos jornais locais. Esses jornais perderam quase a metade de seus repórteres nos últimos anos.

O Times tem seis repórteres que se dedicam a investigações na área metropolitana de Nova York. Michael Luo, que coordena essa equipe, disse-me que algumas investigações podem ter um sucesso rápido, mas outras levam muitos meses até “identificar algo que ninguém identificou e aprofundar mais do que outros fizeram”. Por exemplo, a investigação que Kim Barker fez sobre viciados recuperados nos chamados centros para dependentes químicos de Nova York levou seis meses.

Um grande incentivo foi o que alguns pequenos jornais fizeram, redobrando seus esforços investigativos e provando que não é necessária uma grande equipe para fazer um trabalho importante. No jornal The Post and Courier, de Carolina do Sul, o editor-chefe, Mitch Pugh, criou uma equipe investigativa de quatro pessoas, numa redação de 72 pessoas. A minissérie de matérias que fizeram sobre violência doméstica forçou à aprovação de uma reforma legal – e valeu-lhes o prêmio Pulitzer por serviço público. “Se pedirmos aos leitores para gastarem dinheiro conosco, temos que fazer matérias investigativas e tornar o serviço público uma pedra angular”, disse-me Mitch Pugh.

Nesse meio tempo, entraram em cena novos atores. Além dos veículos sem fins lucrativos nacionais – como o ProPublica, o Center for Investigative Reporting e o Center for Public Integrity – muitas cidades têm os seus locais atualmente. (O Texas Tribune, provavelmente, é o principal.)

As estações públicas de rádio também estão investindo: por exemplo, na KPCC, uma emissora pública de rádio no sul da Califórnia, a equipe de Melanie Sill criou um banco de dados sobre tiroteios da polícia. Vem aumentando “o compromisso de fazer mais reportagens investigativas e de responsabilidade nas emissoras de todo o país”, disse Jim Schachter, da WNYC, que ganhou este ano um prêmio nacional pela investigação que fez sobre abuso do departamento de polícia de Nova York. Michael Oreskes, diretor do noticiário da National Public Radio – NPR, disse-me que o apoio que é dado ao trabalho investigativo é da maior importância para ele.

O apetite duradouro por jornalismo investigativo

Esta atividade ajuda a explicar o insuperável número de sócios da organização sem fins lucrativos Investigative Reporters and Editors, que trouxe para a conferência em Filadélfia, no mês de junho, o número recorde de 1.800 jornalistas, inclusive de muitos jornais e emissoras de televisão alternativas. Percebi ali um estímulo ao sentido de missão, com os jovens jornalistas se comprimindo para melhorar seu ofício.

E quanto ao futuro? A transição para a reportagem investigativa não será suave, disse Richard Tofel, presidente da ProPublica. Com os jornais ainda no controle de muitas cidades, não há uma brecha suficientemente ampla para criar uma necessidade por novos agentes, baseada em novas formas – inclusive a filantropia. Tofel disse-me que “ainda há uma quantidade irracional de publicidade nos jornais impressos” que sustenta a economia jornalística, “mas a próxima recessão será muito cruel para com os jornais”. Quando terminar, “os jornais com periodicidade de sete dias por semana serão a exceção, e não a regra”.

Juntando o que sobrar dos jornais aos novos participantes viabilizará o trabalho? “É o que temos que fazer”, disse Tim Redmond, ex-editor do San Francisco Bay Guardian, um jornal alternativo agora extinto. Ele criou a 48 Hills, uma organização jornalística sem fins lucrativos com uma equipe de dois repórteres. “A democracia não funciona sem alguém questionando a responsabilidade da estrutura do poder.”

Mas boa parte de tudo isto provavelmente nem chegará perto da investigação que a equipe Spotlight, do Globe, começou em 2001. E quando os jornais fizerem novos cortes, a reportagem investigativa poderá ser duramente atingida. Mesmo no momento atual, o abandono da cobertura de rondas setoriais e de encontros públicos pelos jornais locais é preocupante. Importante por sua capacidade própria, esse tipo de reportagem também alimenta as melhores investigações. E a eficiência e sustentabilidade de empreendimentos de longo prazo são difíceis de serem medidas.

Reportagens investigativas de alto nível exigem talento, tempo, um apoio sólido, visão – e dinheiro. Existem cada vez mais financiamentos de fundações como a Knight, por exemplo, que já dedicou milhões de dólares a essa causa. E na semana passada, o Globe anunciou uma nova bolsa de estudos para trabalho investigativo inspirada no filme Spotlight.

Espero que o sucesso do filme ressalte a importância deste trabalho e tenha efeitos de grande alcance. Isso não é impossível. Afinal, na década de 70, o filme Todos os homens do presidente, sobre Watergate, ajudou a inspirar uma geração de jovens jornalistas.

O futuro está numa mudança contínua. O que é uma certeza é que as pessoas valorizam o trabalho investigativo. “As pessoas desconhecem a corrupção, a menos que isso lhes seja divulgado”, disse Martin Baron, editor do Globe durante a investigação da igreja e atualmente editor do Washington Post. Ele disse que quando as pessoas veem a mídia expondo irregularidades à luz do dia, muitas vezes dizem: “Se não fosse por vocês, ninguém iria fazer este trabalho.”

Aquele apetite duradouro por jornalismo investigativo talvez seja uma resposta. E portanto, em nome da democracia (e de sua sobrevivência), as organizações jornalísticas, sejam elas start-ups ou jornalões tradicionais, devem tornar isso uma prioridade absoluta e continuar fuçando – com o objetivo do interesse público.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times