Com uma nova minissérie na TV começando na semana passada, todo mundo passou a falar de O.J. Simpson, a estrela do futebol americano que caiu em desgraça. O Times queria participar – e, portanto, editores e redatores desenvolveram rapidamente um artigo na forma de uma lista que reunia a cobertura original feita pelo jornal do caso do assassinato da década de 90 e o ofereceu a seus leitores no Facebook e em outras plataformas de redes sociais. “Um grande número de pessoas era demasiado jovem, na época, ou então queria refrescar a memória”, disse-me Patrick LaForge, um editor de primeiro escalão.
LaForge, que sabe tudo sobre as práticas do Times e é digitalmente preparado (muitas vezes é atribuído a ele o truísmo do Twitter: “Retuítes não significam confirmação”), dirige o Express Team [equipe da urgência], um grupo de oito redatores e editores que desenvolve rapidamente artigos quando um assunto começa a se tornar viral nas redes sociais.
Também correm atrás de notícias de última hora, frequentemente reescrevendo a notícia de outras fontes (dando crédito, quando devido) e acrescentando entrevistas originais e outros tipos de pesquisa enquanto, às vezes, as tradicionais editorias de notícias do jornal – Nacional, Negócios, Cidade e Internacional – ainda estão avaliando se a cobertura de determinado assunto merece que seja enviado um repórter.
Em muitos casos, isso resulta numa cobertura com que o Times de antigamente (por antigamente, refiro-me a três ou quatro anos atrás) não teria gasto tempo e talvez nem levasse em consideração a possibilidade de lhe dar espaço.
Quando a tenista Serena Williams saiu perseguindo um ladrão de celular, o Express Team foi atrás. Quando o leão Cecil [do parque nacional Hwange, do Zimbábue] foi morto por um dentista num safari, o Express Team não vacilou. Às vezes, os artigos da equipe são mais sérios ou têm mais noticiabilidade, como quando a morte de Sandra Bland na cela de uma prisão no Texas ganhou a atenção das redes sociais, ou quando a recente nevasca atingiu a Costa Leste. Muitas das matérias são publicadas numa coluna na primeira página, à direita, que se chamava “Watching” [Investigando] e atualmente não tem nome.
É fundamental trazer novos leitores
O Express Team é uma resposta a uma nova realidade, disse Patrick LaForge: já não cabe ao Times decidir, do alto de sua montanha, o que é notícia. “O leitor controla a pauta do noticiário muito mais do que o fazia há 30 anos”, disse ele.
Alguns leitores se opõem a essa mudança e eu já manifestei essa preocupação. Quando escrevi, recentemente, sobre a negligência do Times em investigar por completo a crise da água envenenada em Flint, no estado de Michigan, os editores me disseram que não dispunham dos recursos apropriados para esse tipo de reportagem. Eu ressaltei que o Times consegue recursos para infindáveis coberturas políticas e para artigos de menor importância – alguns deles, produzidos pelo Express Team.
Uma leitora, Janice Ewing, de Yonkers, escreveu: “Há muita trivialidade e muita besteira nas chamadas notícias.” Brian Maniere, de Brooklyn, expressou o que muitos outros leitores já me haviam dito. Essas matérias, escreveu, “existem em abundância na internet gratuitamente. Eu leio o Times em busca de informação importante”. E ele fazia um pedido às pessoas responsáveis pelas decisões no jornal: “Por favor, não participem dessa corrida ignóbil até o fundo do poço em busca de cliques.” Patrick LaForge rejeita a ideia de que sua equipe produza clickbaits [conteúdo cujo principal objetivo é atrair e incentivar quem visita a página a clicar num link para um website específico]. “Clickbait é um termo que não se encaixa aqui”, disse ele. “As pessoas o usam quando acham que alguma coisa é imoral, ou de mau gosto, ou sem interesse jornalístico, assim como usam o termo ‘tabloide’, ou, em relação aos noticiários de TV, ‘quanto mais sangue melhor’.” Esse, enfatizou LaForge, não é o objetivo de sua equipe, e sim, reagir com rapidez a uma conversa online, global, que muda constantemente.
“Alguns de nossos concorrentes baseiam seu modelo de negócios meramente no tráfego”, prosseguiu Patrick LaForge. O Times, por seu lado, quer, em primeiro lugar, conseguir que mais leitores paguem suas assinaturas digitais – uma importante fonte de receita, agora que a receita de publicidade na edição impressa murchou. É fundamental, portanto, trazer novos leitores para o Times, onde eles podem descobrir qualquer tipo de jornalismo – inclusive a cobertura internacional e projetos investigativos. LaForge disse que seu enfoque é no “compromisso, e não no número de vezes que a página é visitada”. Isso abrange quantos leitores compartilham de uma matéria, ou fazem comentários sobre ela, ou em quanto tempo a leem e se prosseguem para ler outras matérias.
O Times tem que se reinventar para sobreviver
Dean Baquet, editor-executivo, disse-me que o principal objetivo do Express Team é jornalístico: fazer do Times o ponto de partida daquilo sobre o que as pessoas estão falando. “Existe uma enorme conversa internacional se desenvolvendo e nós temos que captá-la”, disse ele. “É claro que nada substitui o repórter in loco, mas quando surge uma nova matéria importante, não podemos esperar até avaliarmos se é ou não consequente antes dos leitores terem conhecimento dela.” Patrick LaForge e Dean Baquet reconhecem possíveis equívocos eventuais. “É uma coisa nova e, às vezes, tropeçamos”, disse o editor-executivo.
LaForge deu dois exemplos de artigos do Express Team que ele não bancaria. Um era sobre a abertura de um grande armazém da empresa Ikea [companhia privada de origem sueca, especializada na venda de móveis domésticos de baixo custo] no estado de Indiana: “No final, acabamos concordando que era um assunto local demais para nós e não havia nada especificamente significativo neste armazém da Ikea, embora a população de Indiana estivesse muito agitada.”
O outro exemplo, que ele descreveu como “muito superficial” era sobre um debate em torno da criação de filhos. Começava assim: “Uma troca de mensagens pelo Facebook entre o dono de uma cafeteria, no estado de Maine, e a mãe de uma garota que gritava levou as calorosas potencialidades das redes sociais a um clássico – e divergente – debate sobre a criação dos filhos em público.”
Eu compreendo o mal-estar dos leitores. Eles se perguntam, com razão, se algumas destas matérias justificam o bom uso de recursos limitados e duvidam que elas mereçam a atenção do New York Times. Eventualmente, eu só poderia concordar: boa parte dessas matérias são vergonhosas.
Mas, também, boa parte delas traz uma contribuição valiosa às reportagens. E numa época em que o Times tem que se reinventar para sobreviver, as experiências são necessárias. Sim, a liderança do Times tem que confirmar os padrões, a credibilidade e os objetivos do jornal, mas a simples manutenção do status quo não é o suficiente nos dias de hoje.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times