Ao nos ser perguntado o que queremos comer para o jantar, muitos de nós esbanjaremos virtude ao pedir uma dieta de salada e grãos integrais, jamais mencionando porções gigantescas de penne ao vodca ou o nosso vício por um bolo de chocolate. Ao nos ser perguntado o que servimos às crianças, acenaremos obedientemente para proteínas magras e verduras, enquanto a pizza dupla de queijo e os mini-bolinhos de batata não serão mencionados.
E se uma câmera oculta gravasse o que na realidade comemos e servimos na mesa de jantar da família? Seriam o farro [um cereal com proteínas que facilita a digestão] e os brócolis cozinhados no vapor as iguarias dominantes?
Numa comparação forçada, qual é o consumo de nosso noticiário político? Os leitores do Times frequentemente me escrevem dizendo que querem informação sólida sobre as questões importantes que afetam o país: imigração, desigualdade de renda, conflitos internacionais etc. E eles se queixam que não é isso que o Times lhes oferece. “O que nós queremos é ser informados”, escreveu-me recentemente Gregory McKinney, de Arlington, estado do Texas. Ao invés disso, o que McKinney vê nas reportagens políticas do Times é o seguinte: “corrida de cavalos, noite de luta, ‘Vamos preparar-nos para a briga!’, uma cobertura com termos como ‘socos’ e infográficos sobre quem atacou mais”.
E Matt Richter, de Woodside, estado da Califórnia, escreveu-me preocupado porque, após o primeiro debate do Partido Republicano, a maior parte da cobertura enfatizava ganhadores e perdedores. “Quando menos de 50% da cobertura política é sobre conteúdo, você deveria começar a preocupar-se.”
A “corrida de cavalos”
Levando em conta estas preocupações, analisei as reportagens políticas do Times – incluindo artigos do First Draft e do Upshot – das últimas semanas. Seriam corretas as impressões dos leitores? E, apesar das queixas, o que é que os leitores prefeririam realmente ler?
Com bastante ajuda (graças a Joumana Khatib, Jaclyn Peiser e Evan Gershkovich), li as reportagens do Times referentes a 14 dias, começando no dia 14 de fevereiro, um domingo, e terminando no sábado, 27 de fevereiro.
E embora o exame de duas semanas de cobertura talvez não nos possa dizer tudo o que precisamos saber, foi revelador. Eis o que encontrei: das 234 reportagens políticas naquele período (o que por si só é um número surpreendente), 180 poderiam ser enquadradas em matérias de “corrida de cavalos”. O que significa mais de três em cada quatro artigos.
Eis aqui alguns títulos de cada categoria. Em primeiro lugar, a corrida de cavalos:
Hillary Clinton reúne grande multidão em Boston antes da primária
Adversários perseguem Donald Trump nos cáucuses de Nevada
Agora, os assuntos:
Donald Trump quer manter terreno neutro na região Meio-Leste, por enquanto
Economistas de tendência à esquerda questionam o custo dos projetos de Bernie Sanders
Do restante, parte dos artigos era orientada por assunto, alguns eram uma mistura de corrida de cavalos e assuntos e outras eram simplesmente difíceis de classificar. Nessa categoria:
Donald Trump sobre manifestante: “Eu gostaria de esmurrar a cara dele”
Uma das mais irresistíveis disputas eleitorais
E mesmo entre os artigos orientados por assunto que encontramos nesse período de duas semanas, muitos tratavam os assuntos de relance e muito poucos comparavam as posições dos vários candidatos de uma maneira que fosse mais útil para os leitores. Uma outra peça do quebra-cabeças é que as matérias de corrida de cavalos pareciam atrair mais leitores. Observando uma única medida – os artigos “mais populares” do Times durante as duas últimas semanas – descobrimos que cinco em cada dez, em ambas as semanas, era sobre quem estava subindo e quem estava descendo. Nenhum artigo orientado por assunto fazia parte da lista de ambas as semanas.
Mas seria esse um problema do ovo e da galinha? Qual vem primeiro: a relativa negligência do Times para com os assuntos ou um apetite menor por parte dos leitores? Quais as matérias que ganham tráfego de leitura: corrida de cavalos ou o assunto? Embora eu conheça o jornal…
Na semana passada, conversei com o editor-executivo, Dean Baquet, e com Matt Purdy, um dos subeditores, sobre minhas descobertas. Ambos disseram que, no momento, a corrida de cavalos é tão importante que merece uma cobertura extensiva. “Eu acho que a corrida de cavalos é mal vista”, disse Dean Baquet. “E isso faz com que ela pareça uma comparação de números imbecil, mas a verdade é que estamos em meio a uma das mais irresistíveis disputas eleitorais numa geração.”
Matt Purdy referiu-se a uma “corrida de cavalos para a posteridade” que, definitivamente, merece a atenção que vem ganhando. Ambos frisaram que quando o campo do candidato fica mais estreito (eu falei com eles durante o dia das primárias da super terça-feira), é natural que a atenção jornalística deixe de lado a cobertura da corrida de cavalos e se volte para assuntos mais essenciais.
Um jogo pesado
Porém, mesmo agora, disseram ambos os editores, o Times não se está omitindo dos assuntos essenciais. “Se estivéssemos apenas relatando uma corrida de cavalos, não estaríamos honrando o nosso compromisso”, mas não é esse o caso, disse Dean Baquet. Ele citou a recente série de reportagens questionando em profundidade as políticas de Hillary Clinton como secretária de Estado antes e depois do ataque de 2012 à missão diplomática norte-americana na Líbia. Esse, destacou, foi um exemplo importante de fuçar além da superfície em nome dos leitores. Ele tem razão e há outros exemplos de cobertura que, com certeza, responsabilizam os candidatos.
O leitor acima citado, Matt Richter, tinha uma sugestão para o Times restringir a cobertura de corrida de cavalos: “Ao invés de nos encharcar com notícias como um alcoólatra com uma torneira aberta num bar”, por que não resumir as atividades diárias dos candidatos e oferecer artigos do tipo compare-e-diferencie sobre as questões das políticas defendidas. Na realidade, o Times produziu um infográfico permanente com as posições dos candidatos, mas aparentemente ele não foi atualizado há várias semanas. Ele ainda apresenta candidatos que saíram da disputa há muito tempo, como Martin O’Malley e Carly Fiorina.
É verdade que a competição vem sendo fascinante durante os últimos meses e, sem dúvida, merece bastante cobertura. Além disso, muitos dos candidatos (Bernie Sanders é uma exceção notável) não vêm levantando questões de maneira sólida. No entanto, o Times tem que levar em conta o desejo dos leitores por uma informação séria e comparativa – apresentada de forma clara e acessível – acerca das posições dos candidatos.
Afinal, enquanto cidadãos eleitores, os leitores do Times têm pela frente uma decisão importante e o jogo é pesado. Os repórteres e os editores deveriam proporcionar o máximo de ajuda possível, ainda que isso signifique deixar de acompanhar o fascinante espetáculo dos cavalos entrando na última volta.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times