“Apertem os cintos”, diz o bordão do filme All About Eve (A malvada, em português), acompanhado por um flash dos famosos olhos de Bette Davis. “A noite vai ser dura.”
Ou, no meu caso, quatro anos de dureza. Ter sido ombudsman do Times foi uma grande aventura, na medida em que uma controvérsia após outra surgia explodindo. Em meus textos nos blogs e nas colunas – 691, no total geral – tentei representar os interesses dos leitores da melhor maneira possível, em temas tão amplos como a cobertura da campanha presidencial, o elitismo, justiça racial e o Oriente Médio. Também surgiram questões mais amplas do jornalismo: aprovação de citações, falso equilíbrio (não ouvir os dois lados) e o uso excessivo de fontes anônimas. Algumas dessas questões eram controvertidas, de uma ou de outra maneira, e é aí que entra a dureza.
Esta é minha última coluna aqui e, portanto, eu a usarei para resumir parte do que pude observar e oferecer algumas sugestões ao Times para seu futuro, em nome dos leitores que acabei conhecendo de maneira tão íntima.
Em primeiro lugar, um pouco do histórico: durante meu mandato, o jornalismo no Times – e em todo lado – continuou a mudar radicalmente. A maneira empresarial de descrevê-lo é dizer que o negócio estava sendo “reinventado”. Lá em baixo, nas trincheiras, vê-se a coisa mais claramente: como um tumulto, uma luta pela sobrevivência e por sua própria alma.
Quando cheguei ao Times, no verão de 2012, o lugar parecia um jornal. Embora fosse muito maior que o Buffalo News, que eu editei por mais de dez anos, suas rotinas e seus valores pareciam familiares. Havia uma reunião para a primeira página e uma ênfase nos prazos de fechamento da edição impressa.
Uma suposta parcialidade
Atualmente, no entanto, o Times parece uma empresa de jornalismo digital que, eventualmente, publica um jornal. Durante os últimos quatro anos, ele vem lutando para encontrar um modelo de negócios sustentável para apoiar suas ambições jornalísticas, o que envolve uma redação de mais de 1.300 pessoas. Vem tentando coisas novas e, como algumas inevitavelmente não dão certo, segue em frente procurando outras.
O velho modelo de negócios, baseado na publicidade e nas assinaturas da edição impressa, acabou. Um novo modelo – baseado em assinaturas digitais, novas formas de publicidade e parcerias com outros empreendimentos e outras plataformas de mídia – está sendo preparado. Há indícios promissores, grandes ambições e projetos grandiosos, mas, definitivamente, não há garantia de sucesso.
Tudo isso acarreta complicações que, às vezes, preocupavam os leitores cujos interesses eu defendia. As linhas que já foram bem definidas. Hoje, provavelmente, estão turvas.
Recentemente, por exemplo, um leitor, Dan Fishman, destacou um banner publicitário para um espetáculo na Broadway chamado Shuffle Along que o vinculava a um local de compra de ingressos, assim como a uma matéria de capa do Times Magazine. Fishman, um observador perspicaz, como tantos outros leitores do Times, questionou a ética desse arranjo. E fez uma comparação: “Se Hillary Clinton, depois do perfil brilhante que recebeu do Times, lançasse um anúncio dizendo ‘Leia este artigo e depois faça uma doação para a minha campanha’, isso levantaria a suposição de parcialidade política.”
Outros leitores também acharam esse caso preocupante. E, desde a época em questão, consegui apurar que não houve interferência editorial – o Times nunca permite isso – nem os promotores da peça viram o artigo antes da publicação. Entretanto, essa não foi a melhor ideia que já vi. E é o tipo de prática incomum que levanta questões legítimas e exige cautela, como é o caso da publicidade com conteúdo jornalístico [native advertising], onde os anúncios parecem notícias.
Ética e integridade jornalística
Portanto, aqui vão algumas recomendações que refletem minhas esperanças nesta grande empresa jornalística e se baseiam no que ouvi dos leitores:
— Que seja mantido o controle editorial. Como se torna quase impossível resistir a parcerias, principalmente com o Facebook, o gigante das redes sociais, o Times não deveria permitir que abordagens guiadas por interesses empresariais determinem aquilo que os leitores vão ler. Ao tratar com o Facebook e outras plataformas e potenciais parceiros cujos negócios girem em torno de algoritmos, é fundamental que o jornal garanta que a notícia que os leitores veem seja guiada pela opinião de editores preocupados com o jornalismo, e não com fórmulas de interesses empresariais que só irão reforçar preconceitos. Esta é uma das grandes questões para o futuro imediato e ela deve ser combatida.
— Que se lembre que velocidade mata. Embora o Times tente conquistar o máximo possível de leitura digital, é necessário levar em conta que a exatidão e a justiça são o mais importante. Isso parece óbvio, mas no momento da publicação nem sempre é fácil lembrar. Desacelere um pouco, em nome da credibilidade.
— Que o sensacionalismo seja mantido longe. Atualmente, o Times vem publicando artigos em que nunca teria tocado com o objetivo de se manter como parte da conversa que vem ocorrendo nas redes sociais e vem sendo lida em smartphones. Isso não torna esses artigos intrinsecamente ruins, mas o importante é que seus valores sejam mantidos.
— Que o jornalismo de responsabilidade e investigativo sejam mantidos como meta. O Times de Dean Baquet enfatiza o trabalho investigativo. Isso deveria ser sempre uma das principais prioridades e nada o deveria enfraquecer.
— Que não seja subestimada a importância da edição e do copidesque. Embora o Times venha tentando controlar custos e ajustar sua força de trabalho, essas funções não deveriam ser prejudicadas. Pode parecer invisível, mas importa imensamente.
— Que não seja esquecida a missão de ficar do lado dos mais fracos. O Times pode ser elitista em algumas coisas – um apartamento de 10 milhões de dólares. Alguém interessado? Que se faça a cobertura dos ricos, sim, mas equilibrada com uma atenção profunda e permanente em relação aos desamparados da sociedade.
— Que a credibilidade seja protegida – acima de tudo com os leitores. Que se aprofunde a relação com eles e que se encontrem novas maneiras de ouvir e atender às preocupações do leitor. (E, por favor, que sejam corrigidas as desigualdades no sistema de comentários – o mais rapidamente possível.)
É claro que os desafios em relação a estas questões tendem a surgir no momento, e não na teoria. Uma matéria pode ser publicada antes de ficar pronta; um desejo de aumentar o tráfego digital pode parecer mais importante que algum senso grandioso de missão. É aí que um ombudsman forte pode ser útil, colocando sob um holofote as questões difíceis à medida que elas surgem. A seleção do sexto ombudsman já está sendo feita. Enquanto não se concretiza, o trabalho vai sendo tocado por meu talentoso assistente Evan Gershkovich, que ficará em contato comigo, assim como os editores do Times responsáveis pela ética, especialmente em relação a questões que envolvam a integridade jornalística – a preocupação básica no trabalho de um ombudsman.
Tenho certeza que os leitores ajudarão o Times a continuar dando atenção e energia ao que faz no futuro. Meus profundos agradecimentos a todos vocês que, por e-mail, por comentários escritos ou mesmo num bate-papo, me acompanharam nesta aventura dura, mas emocionante. Representá-los e defendê-los foi um dos maiores privilégios de minha vida.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times