Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Margareth Sullivan

O e-mail do leitor tinha um assunto para a posteridade: “Em que situação é apropriado enganar os leitores?” Na letra da velha canção de Sam Cooke, “não sei muita coisa de história, não sei muita coisa de biologia” – mas sei a resposta a essa pergunta. A resposta, evidentemente, é nunca. E embora a principal prioridade do Times seja divulgar informações corretas e fundamentadas, às vezes os leitores queixam-se comigo de situações em que acham que o jornal errou o alvo.

O leitor do e-mail acima citado é Sasha Alyson, que vive no Laos. Ele criticou uma passagem numa matéria de maio sobre desastres causados por terremotos: a declaração de que uma escrivaninha de 70 dólares protegeria duas crianças que engatinhassem debaixo dela durante o terremoto – e, portanto, “o preço de cada vida salva seria de 35 dólares”. Sasha Alyson chamou isso de “exagero de autopromoção” e disse que mesmo tratando-se de uma declaração em relação a uma citação, o Times a deveria ter desafiado.

A capacidade de uma escrivaninha proteger crianças pode não ter importância – e as outras coisas para as quais os leitores me dizem que o Times deveria esforçar-se em aprofundar a verdade?

Um exemplo disso é a recente citação do “efeito Ferguson”, que sugere que os homicídios vêm aumentando nas cidades grandes em parte porque a polícia abrandou a perseguição aos criminosos. Outro exemplo tem relação com a descrição distorcida do vídeo sobre planejamento familiar que Carly Fiorina divulga em sua campanha para ser a candidata republicana à presidência. Em ambos os casos, leitores protestaram e alguns dos principais comentaristas fizeram observações negativas. Eles chamaram o “efeito Ferguson” um exemplo de falsa equivalência – o “ele disse/ela disse” das reportagens que deixa de reconhecer verdades estabelecidas. (“Alguns dizem que a terra é redonda; outros insistem que é plana.”) Trata-se de algo que leva os leitores à loucura.

O falso equilíbrio é irritante

Eis aqui o que dizia a matéria sobre crimes: “Entre alguns especialistas e autoridades de baixo escalão, a ideia de que um policiamento menos agressivo teria incentivado os criminosos – o que é conhecido como ‘efeito Ferguson’ em alguns círculos – é uma teoria popular para a ascensão de violência.” Depois de parágrafo, a matéria continua: “Outras pessoas duvidam dessa teoria ou dizem que não há dados para comprová-la.” São citados dois especialistas e a matéria segue em frente.

Bill Michtom, de Portland, no estado de Oregon, escreveu-me sobre a matéria, chamando-a de “um exemplo clássico de falsa equivalência”. Num texto para a revista The Atlantic, Ta-Nehisi Coates chamou a sugestão de um efeito Ferguson “completamente descabida”, ressaltando que um dos especialistas citados disse que o aumento de crimes violentos em St. Louis começara antes dos grandes protestos do ano passado, quando um oficial de polícia branco matou com um tiro um adolescente negro desarmado.

Uma das repórteres da matéria, Monica Davey, e a editora de assuntos nacionais, Alison Mitchell, discordam veementemente que isso seja falsa equivalência ou que induza os leitores a um engano. Na realidade, disseram-me, seria errado que o Times não divulgasse algo que alguns oficiais de polícia vêm identificando como parte de sua atitude.

Monica Davey, que concorda que um falso equilíbrio é irritante e deve ser evitado, disse, num e-mail, que este exemplo simplesmente não cabe na descrição. Em primeiro lugar porque aqui não há uma verdade estabelecida: “A questão sobre a validade desta teoria simplesmente não foi respondida em definitivo, da maneira que a forma da terra o foi.” Além disso, disse ela, “os oficiais de polícia devem gozar de alguma credibilidade ao opinarem se eles próprios vêm agindo atualmente de um modo diferente – o fundamento daquilo que alguns deles chamaram o ‘efeito Ferguson’.”

“Uma descarada mentira”

Ou, como diz Alison Mitchell: “Temos a polícia sugerindo que a polícia está recuando – não deveríamos dar essa notícia?”

Minha opinião é que a introdução desta ideia explosiva não atendeu adequadamente aos leitores porque, no contexto, foi mencionada de forma sucinta, com fontes imprecisas e esbarrou em discordâncias. Se os oficiais de polícia estão, de fato, recuando em seus deveres, e estão dispostos a serem identificados e citados, e se há provas para sustentá-lo, isso deveria ser explorado à exaustão, num artigo em separado. Mas esse tratamento indireto poderia facilmente deixar os leitores desconcertados, para dizer o mínimo.

Quanto à descrição do vídeo sobre planejamento familiar feita por Carly Fiorino, concordo com os leitores que o título da versão digital da matéria não foi suficientemente forte quando descreveu sua desconexão da realidade: “Dizem que Carly Fiorino exagerou conteúdo dos vídeos sobre planejamento familiar”. (O título da versão impressa era um pouco mais forte.) Afinal, as palavras usadas pela candidata no recente debate foram as seguintes: “Vejam, em cima da mesa, um feto plenamente formado, com o coração batendo e as pernas se mexendo enquanto alguém diz que temos que mantê-lo vivo para irrigar seu cérebro.” Mas nunca apareceu um vídeo que correspondesse à sua descrição.

O artigo do Times foi mais fundo que seu título. Diferenciou o que a candidata disse do que realmente estava no vídeo a que ela aparentemente se referia, mas não usou palavras como “mentirosa” ou “mentiu”. Philip Corbett, editor responsável pelos padrões de ética, disse que o Times deixou clara a questão. “Nós dizemos, categoricamente, que o vídeo não mostra o que ela descreveu”, disse ele. “O que poderia ser mais claro do que isso?” Num texto para o jornal The Nation, o crítico de mídia Eric Alterman refere-se à linguagem de Carly Fiorina como “uma descarada mentira”, mas essa, disse Philip Corbett, “não é a linguagem neutra das reportagens do Times”.

Uma abordagem bastante mais forte

Um artigo posterior do Times ofereceu uma imagem favorável ao desempenho de Carly Fiorino no debate, chamando-a um “antídoto de credibilidade à lacuna de gênero” dos republicanos. Uma descrição da falsificação do vídeo foi incluída mais ou menos na terceira parte da matéria. A leitora Elizabeth Dyck, de Bainbridge, estado de Nova York, protestou: “Por que o New York Times apregoa sua aceitação pelas mulheres num artigo de primeira página e depois enterra essa porcaria no artigo?”

Outras organizações jornalísticas adotaram suítes diferentes. O Guardian, por exemplo, num artigo publicado esta semana e intitulado “Uso feito por Carly Fiorina de vídeo anti-aborto é ‘totalmente irresponsável’, dizem especialistas”. Foi uma abordagem, sem dúvida, bastante mais forte.

É claro que cada um destes casos é diferente. Mas o Times sempre atende melhor a seus leitores com reportagens que não sejam questionáveis, que resistam a suspeitas de falso equilíbrio e tenham o cuidado de nunca levar ao engano.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times