Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Margaret Sullivan

Tomar como tema a maneira pela qual o New York Times cobriu os sequestros de jornalistas ocidentais e trabalhadores humanitários pela organização terrorista Estado Islâmico é entrar num terreno minado, do ponto de vista jornalístico.

As inolvidáveis matérias dos últimos meses implicam sensações fortes e conflitantes entre jornalistas, ex-reféns, familiares de ex-reféns e, naturalmente, entre os leitores do jornal.

As matérias do Times são de uma leitura fascinante; elas abriram novos caminhos e serviram ao interesse público expondo um assunto oculto à luz de um exame mais profundo e ao debate. Algumas pessoas, no entanto, acham que esse tipo de cobertura pode dar a assassinos cruéis a publicidade que procuram ou pode por os reféns em perigo ainda maior. E, por duas maneiras distintas, a precisão e a origem de algumas dessas matérias foi desafiada.

As matérias estão entre as mais admiráveis da carreira da repórter do Times Rukmini Callimachi. Elas começaram a ser publicadas pouco depois de ela ter chegado ao jornal no início do ano passado, vindo da Associated Press.

Fui levada a me envolver neste assunto quando recebi, em fevereiro, uma carta de Michael Foley, irmão mais novo de James Foley, um jornalista norte-americano sequestrado na Síria em 2012. [Em agosto] do ano passado, ele foi o primeiro dos reféns norte-americanos feitos pelo Estado Islâmico a ser assassinado e sua decapitação foi gravada num vídeo horrendo que foi divulgado em todo o mundo.

Michael Foley afirma que o Times representou seu irmão de maneira incorreta – principalmente quando ele foi descrito como um fervoroso convertido ao islamismo e como uma pessoa que teria sido vítima de uma sequência de afogamentos e constantemente espancada. Ele também aborda a descrição de que os reféns norte-americanos e britânicos teriam sido mais maltratados do que os de outras nacionalidades. Essas coisas não são verdade, diz ele, e o Times deveria corrigi-las.

Michael Foley disse que, na investigação que fez, o que incluiu conversas que manteve com ex-reféns do Estado Islâmico, apurou que seu irmão, que era católico, não se converteu, na realidade, ao islamismo, mas fez o que seus captores o pressionavam a fazer; disse também que ele foi vítima de um único afogamento e teria sido mais maltratado que os outros reféns. Além das reclamações de Michael Foley, vários jornalistas, do Times e de outros jornais, disseram-me que duvidavam da confiabilidade de uma das fontes de Rukmini Callimachi, um jornalista sírio e também ex-refém.

Informações do Times são questionadas

Joseph Kahn, responsável pela editoria internacional, disse-me que o Times fizera o possível para garantir que as matérias fossem corretas, tanto antes quanto depois da publicação, quando surgiram as reclamações.

“As matérias foram divulgadas em profundidade de várias fontes”, disse ele. “Rukmini viajou muito e levou muitas semanas para persuadir pessoas com conhecimento direto do que ocorrera a se abrirem para nós.” Depois das reclamações, o Times voltou a divulgar alguns aspectos das matérias, inclusive uma entrevista com o jornalista sírio, disse Joseph Kahn. Ele continua convencido de que as matérias são “exemplos de primeira classe de reportagens de qualidade”.

O Times aborda este tema com bastante bagagem. Em 2008, David Rohde, repórter do jornal, foi sequestrado pelo Taliban no Afeganistão e, depois de passar sete meses preso, conseguiu escapar. O Times manteve esse sequestro sob sigilo durante esses meses – pedindo a outras organizações jornalísticas para cooperarem num apagão de notícias – e trabalhou com o FBI para tentar libertar o jornalista.

David Rohde – que ganhou por duas vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo, uma delas pelo Times, e que agora trabalha para a agência Reuters – não quis dar declarações a esta coluna. Em novembro, ele disse a Matt Schiavenza, da revista The Atlantic, que discordava pelo menos de uma coisa nas recentes reportagens do Times.

Em julho, uma reportagem de Rukmini Callimachi divulgou que o governo norte-americano se recusava a negociar com sequestradores que exigissem o pagamento de resgate, enquanto muitos governos europeus permitiram o pagamento de dezenas de milhões de dólares através de intermediários. Em consequência disso, dizia a matéria, mais europeus do que norte-americanos estão sendo sequestrados. “Não vi nenhuma prova que evidenciasse que esses grupos estão pegando mais europeus e menos norte-americanos”, disse Rohde à Atlantic. “Eles pegam quaisquer estrangeiros que conseguem e usam os europeus para o dinheiro do resgate e os norte-americanos para publicidade.”

O tom de uma certeza penetrante

Surgem aqui pelo menos duas questões jornalísticas importantes. Em primeiro lugar, no perigoso ambiente do ano passado, ainda com vários reféns presos, seria adequado centrar o foco nesses sequestros e nas suas consequências? E, em segundo lugar, a reportagem foi avaliada pelos principais responsáveis pelos padrões éticos?

Depois dos editores terem escutado a reclamação de Michael Foley, o Times aprofundou a questão das conversões religiosas. Uma matéria decorrente disso, escrita por Jim Yardley, não pretendia ser uma errata, segundo Joseph Kahn, e sim, um esclarecimento sobre as conversões religiosas de reféns ocidentais. Michael Foley disse-me que o texto de Yardley não o satisfez. “Não abordou o que eu pretendia, que era o fato de que a reportagem original não era correta”, disse-me.

Depois de ouvir reclamações de outras pessoas sobre a confiabilidade e motivação de uma fonte importante numa matéria de dezembro sobre a política norte-americana para negociações sobre reféns, o Times voltou a entrevistar a citada fonte, o jornalista sírio Louai Abo Aljous. Posteriormente, disse-me Joseph Kahn, ele não viu necessidade de uma correção, exceto por uma questão menor, sobre o uso de um pseudônimo pelo jornalista sírio.

Em artigos como este, até certo ponto uma verdade não contestada pode ser ilusória. Um refém, aterrorizado, teria feito uma verdadeira conversão religiosa ou estaria apenas obedecendo à coação? E teria ele sido escolhido para maus tratos particularmente cruéis? É impossível uma resposta concreta. Levando isso em consideração, o tom de uma certeza penetrante – divulgando, por exemplo, que James Foley teria sido “cativado pelo islamismo” – pode ter sido injustificado.

Muito cuidado e o máximo rigor possível

De um ponto de vista mais amplo, acho que o Times acertou ao optar por uma reportagem agressiva sobre um assunto oculto. Isso tem que ser feito com delicadeza, mas é correto afastar o véu da escuridão. “É provável que, mais do que qualquer outra pessoa, eu tenha estimulado Rukmini Callimachi a fazer essas matérias”, disse-me Dean Baquet, editor-executivo do jornal. E ele tem orgulho delas. “São coisas que não podemos deixar nas sombras, por mais doloroso que seja”, afirmou. “O que o Estado Islâmico fez tornou a questão dos reféns um assunto central da política externa.”

Joel Simon, diretor-executivo do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), disse-me que, no verão de 2013, 30 jornalistas internacionais estavam desaparecidos “e quase não se falava no assunto devido ao pedido de apagões na mídia”. (Desde o início do conflito na Síria, em 2011, mais de 90 jornalistas que ali trabalhavam foram sequestrados, um número sem precedentes desde que o CPJ foi fundado, em 1981. Atualmente, cerca de 20 jornalistas estão desaparecidos na Síria.)

Embora tenha concordado com o apagão na cobertura do sequestro de David Rohde, Joel Simon mudou de opinião. “Acho que tem que haver mais cobertura”, disse ele, elogiando o artigo de julho de Rukmini Callimachi sobre as políticas sobre reféns, “que tornaram o debate público”. Porém, acrescentou Simon, esse trabalho representa uma maior responsabilidade para os jornalistas. Não só devido ao risco que correm vidas individuais, mas também porque, “com o Estado Islâmico, você está lidando com um grupo que procura divulgar com um máximo possível de publicidade suas ações abomináveis”.

As matérias jornalísticas podem “acelerar seus esforços de propaganda” e podem ser “incrivelmente dolorosas para as famílias” dos reféns. Porém, disse Joel Simon, a falta de atenção por parte do público pode aumentar o perigo e os “governos tendem a agir” quando os assuntos ganham a atenção da mídia.

Além do mais, as organizações jornalísticas correm o risco de aderir a um padrão duplo quando jornalistas estão envolvidos se optarem por não dar a notícia: o silêncio quando colegas estão em perigo, mas o valor da notícia prevalecendo em outros assuntos.

De uma maneira geral, o Times tenta respeitar os desejos dos familiares. Perguntei a Dean Baquet o que aconteceria se o executivo de uma empresa importante fosse sequestrado. O Times optaria por um apagão sobre o assunto se a família o solicitasse? “Acho que para essa pergunta não há uma resposta de ‘sim’ ou ‘não’.”, respondeu-me ele por e-mail. “Se se tratar de um dirigente da General Motors, como é que poderíamos deixar de divulgar? Mas é uma coisa complexa.”

Nada disto é fácil. Não existem respostas fáceis para as questões que surgem.

Mas, considerando o lado emocional e moral do terreno minado, assim como os perigosíssimos riscos, uma coisa é certa: as reportagens devem ser escritas com muito cuidado e com o máximo rigor jornalístico possível.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times