Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘Quem acompanha os diários impressos de prestígio, os telejornais de qualidade, os bons serviços noticiosos on-line e as rádios dedicadas ao jornalismo já se habituou ao esforço para assegurar a manifestação dos que são criticados e acusados. É o chamado ‘outro lado’.

As publicações transparentes identificam a empresa que pagou as viagens de ‘enviados especiais’ que não foram bancadas por elas.

Nas Redações que abrigam a ética, não se admite que um profissional trabalhe parte do dia para o jornal e parte para instituição objeto de atenção jornalística. É um conflito de interesses inaceitável.

Se houve erro, corrige-se a informação. As páginas de opinião, ao contrário dos encardidos palanques de pensamento único, confrontam convicções antagônicas.

Até poucas décadas atrás não era assim. Numerosos valores e procedimentos que hoje são caros a uma parcela do jornalismo brasileiro foram introduzidos ou estimulados pela Folha, a partir de meados da década de 1970.

No domingo morreu o condutor e fiador dessas mudanças, o publisher Octavio Frias de Oliveira. De olho no futuro, o maior desafio do jornal é renovar um contrato simbólico que certa vez lhe permitiu veicular o slogan ‘de rabo preso com o leitor’.

A Folha começou mal a era sem ‘seu Frias’, como era conhecido o publisher. Nos dias seguintes à sua morte, personalidades dominaram o ‘Painel do Leitor’, que não abriu exceção aos ‘leitores comuns’, causa e fortuna das empreitadas jornalísticas de sucesso.

Aos ‘vips’, reservaram-se colunas para as condolências. As mensagens de ‘anônimos’ não foram contempladas, pelo menos até a sexta-feira. ‘Sua Excelência, o leitor’ -expressão cunhada e cultivada por Frias- foi excluída de um espaço que deve ser seu.

O foco no leitor foi uma transformação essencial da Folha há três décadas. Não cabia ao jornal decretar a verdade, mas servir como tribuna plural para que os leitores formassem juízo.

O Projeto Folha, anunciado em 1984, radicalizou a orientação. Ao inventariar erros de informação, português e padronização, criou um saudável controle de qualidade, similar ao de empresas de ramos alheios ao jornalismo.

Em 1989, a Folha foi pioneira no país com a criação do cargo de ombudsman. Talvez não haja diário nacional que se corrija (menos que o necessário) e se critique tanto.

A plataforma que preconiza um jornalismo crítico, pluralista e apartidário explica por que o jornal investigou tanto o governo Fernando Henrique Cardoso (é seu o ‘furo’ sobre a compra de votos para a emenda da reeleição) como o governo Lula (a entrevista de Roberto Jefferson sobre o mensalão saiu na Folha).

Em seus maus momentos, contudo, a Folha dá a impressão de que se esquece das necessidades reais de quem a lê. Um antídoto para isso seria reavivar a, mais que uma boa tirada, profissão de fé de Octavio Frias: o jornal é feito para ‘Sua Excelência, o leitor’.’

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‘Os jornalistas e a boquinha’, copyright Folha de S. Paulo, 06/05/07.

‘Alguns jornalistas que cobrem as atividades da Câmara recebem favores da Casa, na forma de um plano de saúde extensivo às famílias. Houve 1.874 consultas em 2006, todas pagas pelos contribuintes.

O segredo sobre a mordomia, que durava 15 anos, foi revelado em abril pelo repórter Ranier Bragon. Como escrevi na crítica diária, ‘a reportagem remete à melhor tradição do Projeto Folha, de também jogar luz sobre favorecimentos a jornalistas e conflitos de interesses no jornalismo’.

A Câmara prometeu acabar com a boquinha. Alegou sigilo médico para não divulgar quem usufruiu dela.

O colunista Janio de Freitas observou: ‘Não foi pedida a relação dos motivos de consulta, que poderia justificar o sigilo. O pedido foi só da relação de atendidos, mesmo que em possíveis atendimentos emergenciais justificáveis’.

Ao ocultar as identidades, os deputados permitem a suspeita sobre os quase 500 jornalistas credenciados. Um leitor indagou se a Folha as escondeu porque algum profissional seu estaria incluído.

Perguntei à Redação sobre a lista, e a Sucursal de Brasília respondeu: ‘Conforme foi relatado nos textos publicados, a Casa se recusou a divulgar o nome dos atendidos, sob a alegação de sigilo médico’.

Eis outro bom desafio: descobrir e noticiar a lista.’

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‘O assassino sem nome’, copyright Folha de S. Paulo, 06/05/07.

‘Os leitores da Folha que receberam a edição da quinta já com a notícia da fuga do assassino dos estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé não encontraram nem o nome nem o apelido do infrator. Hoje com 20 anos, ele tinha 16 à época do crime.

Na sexta, a cobertura sobre a recaptura do interno da Fundação Casa também omitiu a identidade. Foi um comportamento isolado. O jornal remou contra a maré -o padrão foi, além de nomear o fugitivo, exibir sua imagem.

A Folha justificou: ‘O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) impede a divulgação do nome de jovens que cometeram crimes quando tinham menos de 18 anos e estão sob custódia do Estado’.

Consultei a Lei 8.069, de 1990 (o ECA). Diz o parágrafo único do artigo 143: ‘Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome’.

‘O Estado de S. Paulo’ informou que a Vara da Infância e Juventude entende que o assassino ‘está sob proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente até completar 21’.

A editoria de Cotidiano lembrou ao ombudsman que ‘comunicado da editora-executiva da Folha, de fevereiro de 2006, reforçou a necessidade de cumprir o estatuto’.

Penso que a Folha acertou.’