‘A FOLHA publicou em alto de página da edição da quarta-feira o título ´Gravação na tribuna constrange Renan´. Seria mais precisa se reconhecesse que o episódio deveria também constranger o jornal.
Em atitude avessa aos valores e procedimentos consagrados no projeto editorial que se desenvolve desde os anos 1970, a Folha se associou a um político no ataque a outro. O jornal presenteou o senador Demóstenes Torres com a gravação da entrevista de um advogado.
A decisão abre um precedente grave no princípio de apartidarismo que o ´Manual da Redação` fixa e no direito de o jornal manter em seu poder o áudio de entrevistas e diálogos. Quando alguém negar ter dito o que disse à Folha, todos os cidadãos poderão requisitar e receber as fitas.
Exagero? Aos fatos.
Um motivo determinante para a licença de Renan Calheiros do comando do Senado -anunciada, enfim, na quinta- foi a revelação de que um assessor seu tentou bisbilhotar os senadores Demóstenes Torres e Marconi Perillo.
No sábado 6 de outubro a Folha veiculou -infelizmente com discrição- a reportagem ´Assessor de Renan é acusado de espionagem´.
No mesmo dia, a revista ´Veja` saiu com relato semelhante. Na véspera, o ´Blog do Noblat` descrevera a andança do assessor de Renan, Francisco Escórcio, na alegada missão de araponga.
Já na terça passada o jornal vangloriou-se de pioneirismo ilusório: ´O caso veio à tona depois que Demóstenes disse à Folha que seu amigo Pedrinho Abrão, empresário, se encontrou com Escórcio em Goiânia, no escritório de um advogado´.
Abrão teria sido abordado por Escórcio -ou proposto, conforme a versão- para filmar os antagonistas de Renan em jatinhos de empresários. Outra frente do suposto espião seria grampear telefones.
Ainda no sábado 6, o jornal entrevistou o advogado Heli Dourado, em cujo escritório houve a reunião em Goiás. Ele confirmou que se falou em flagrar o senador Perillo em jatinhos. A Folha deu o ´furo` no domingo (´Assessor tratou de espionagem, diz advogado´).
Logo Heli Dourado negou as afirmações. Na última terça, Demóstenes reproduziu na tribuna do Senado a gravação da entrevista telefônica do repórter Leonardo Souza, da Sucursal de Brasília da Folha, com Dourado. Nela, o advogado diz o que o jornal transcreveu com exatidão.
Demóstenes entregou cópia da gravação à Corregedoria do Senado. Ou seja, a Folha terceirizou sua prerrogativa de apresentar ou não a fita.
O jornal tem recursos para reafirmar declarações: a resposta ´elas estão gravadas´; publicar novas frases e a duração da conversa; divulgar o áudio na Folha Online.
Não cabe fazer de parlamentares os porta-vozes de esclarecimentos sobre informações produzidas pela Folha. Como a gravação interessava a Demóstenes, o jornal apareceu como partidário.
É evidente que Renan tem contra si, graças a robustos trabalhos jornalísticos, uma vastidão de armações documentadas. No entanto, se o ex-collorido pedisse, o jornal, em nome do equilíbrio, lhe daria uma gravação? Ceder a ele seria, igualmente, impróprio.
Políticos são objeto de fiscalização e fontes de informações, não aliados. Distância em relação a eles e ao poder em geral faz bem ao jornalismo. Promiscuidade, não.
A Redação afirmou: ´A Folha errou ao ceder o áudio da entrevista ao senador. Embora não tivesse nenhum conteúdo inédito na fita -tudo havia sido publicado no jornal-, não cabe à Folha fornecer material a partes de conflito. […] O repórter consultou a chefia, mas, por causa de um mal-entendido, foi autorizado a passar a fita ao senador´.’
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‘Deputado vacila, Folha não perdoa’, copyright Folha de S. Paulo, 14/10/07.
‘O deputado Paulo Renato, ministro da Educação nos governos de Fernando Henrique Cardoso, cometeu um engano ao transmitir à Folha um artigo para publicar, ´Tentáculos da reestatização´. Ele criticava atuação do Banco do Brasil, para incorporar o Besc (Banco do Estado de Santa Catarina), que configuraria ´nítida ofensa às regras concorrenciais´.
Um pensamento legítimo.
Seu vacilo foi deixar, no pé do e-mail, a consulta anterior que havia feito ao presidente do Bradesco. Escrevera a Márcio Cypriano: ´Em anexo, vai o artigo revisto. Procurei colocá-lo dentro dos limites do espaço da Folha. Por favor, veja se está correto e se você concorda, ou tem alguma observação´.
O jornal revelou na quarta-feira que o deputado submeteu o texto ao banco. Economista, Paulo Renato sustenta que buscou opinião técnica.
Quem envia uma mensagem dessa natureza à Folha conta com o sigilo. Mas cabe ao jornal expor articulações e lobbies cujo conhecimento tenha interesse público. Penso que o compromisso com os leitores, e não com parlamentares, deva se sobrepor.
Por isso a Folha acertou ao divulgar o que sabia. E ao atender ao pedido para cancelar a publicação. É um direito do deputado, e a reportagem da quarta já informara o conteúdo do artigo.’
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‘Férrez contra Huck: vale publicar tudo?’, copyright Folha de S. Paulo, 14/10/07.
‘Parece um equívoco classificar como ´polêmica entre Luciano Huck e Ferréz` o debate que nas duas últimas semanas animou o ´Painel do Leitor´.
Foi do apresentador de TV Huck a iniciativa de enviar à Folha o artigo ´Pensamentos quase póstumos´, no qual contava o sufoco de ter o relógio Rolex roubado, com a arma apontada para a cabeça. Saiu na segunda retrasada. Não polemizava com ninguém em particular.
Quem polemizou com ele, segunda passada, foi Ferréz. O rapper e escritor, também por sua iniciativa, teve o texto ´Pensamentos de um correria` impresso no mesmo espaço. Ele reconstitui o assalto pelo olhar do ladrão: ´Todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio´.
Leitores protestaram. Para uns, o jornal deveria recusar o desabafo ´elitista` de Huck. Para outros, permitiu a ´apologia de crime` por Ferréz.
Creio que a Folha, abrigando a divergência, comprovou as virtudes do pluralismo. Oponho-me à publicação irrestrita de artigos. Por exemplo, o jornal deve vetar autor duvidando do Holocausto.
Mas Ferréz não louvou o roubo. Elaborou ficção. Ele e Huck enriqueceram a reflexão sobre violência, concorde-se ou não com suas idéias claras ou subjacentes.’