‘O ´New York Times´, um dos melhores jornais do planeta, costuma perpetrar o eufemismo ´técnicas severas de interrogatório` ao descrever a tortura de militantes e terroristas islâmicos pela Agência Central de Inteligência.
Nessa classificação se inscrevem as ´simulações de afogamento` dos presos, executadas por funcionários da CIA. Não se trata de simulação ou severidade, mas de tortura.
A Folha republica textos do diário nova-iorquino, e as traduções não podem ser infiéis ao original. Deveria refletir, contudo, sobre a reprodução de relatos que adulteram fatos ao não denominá-los pelo nome certo. Pior é incorporar a impropriedade. No sábado retrasado, o jornal assumiu como sua, na primeira página, a formulação ´técnicas severas de interrogatório´. Associou-se ao desatino alheio.
Assim como ao nomear uma fração das tropas dos EUA que lutam no Iraque como ´soldados privados´. Em bom e velho português, eles são ´mercenários´, e não ´agentes particulares de segurança´, variante que igualmente já saiu.
O jornal sabe disso. Por vezes, alterna as expressões, privilegiando ´soldados privados´, carimbo mais simpático do que escancarar a condição dos que lutam por dinheiro. Noutras, só se lê o eufemismo.
Ao maneirar nos vocábulos, distorcem-se os acontecimentos. É direito da polícia chamar armas suas de ´bombas de efeito moral´. Mas a Folha deveria rejeitar o embrulho elegante -há efeitos físicos.
Acumulam-se exemplos. Um deles: insiste-se no termo ´parceria` nas referências à negociata entre MSI e Corinthians. Palavras legitimam e deslegitimam. Contam verdades e as traem. Como o antigo compositor cearense dizia, ´palavras são navalhas´. Também no jornalismo.’
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‘Folha diz que FHC errou; o erro foi do jornal’, copyright Folha de S. Paulo, 16/12/07.
‘Fernando Henrique Cardoso pretendeu cutucar o sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ao dizer que quer ´brasileiros melhor educados, e não brasileiros liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria´.
A Folha observou na edição de 24 de novembro: ´o ex-presidente cometeu um erro de português` ao falar ´melhor educados` em vez de ´mais bem educados´. É o que eu também pensava.
Nos dias seguintes, conheceu-se a opinião de professores. A maioria afirmou preferir ´mais bem` a ´melhor´. ´FHC teria feito melhor se tivesse optado por ´mais bem educados´´, escreveu Pasquale Cipro Neto.
Para um gramático, ´as duas formas coexistem na língua culta formal´. Ninguém bancou que o antecessor de Lula errou.
A Redação não reconheceu o engano. Ficou estranho: o jornal apontou o erro; depois, consultou especialistas, para os quais inexistiu erro de FHC; errada, pois, está a Folha, que erra de novo ao não se corrigir.’
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‘As virtudes do prefeito’, copyright Folha de S. Paulo, 16/12/07.
‘O Ibope divulgou pesquisa feita em São Paulo de 10 a 14 de novembro, margem de erro de três pontos. O líder em eventual segundo turno na eleição de 2008 a prefeito é Geraldo Alckmin (PSDB).
Em confronto de Gilberto Kassab (DEM) com Marta Suplicy (PT), o atual governante venceria: 47% a 38%.
Logo a Folha publicou os números do Datafolha, do mesmo grupo do jornal. O instituto foi a campo de 26 a 29 de novembro (margem de erro também de três pontos). Na segunda volta, o tucano domina. Marta, porém, bateria Kassab por 49% a 39%.
Sem relacionar método e resultado, a Folha deu pistas sobre o contraste: a pesquisa do Ibope foi encomendada pela Associação Comercial de São Paulo, da qual Kassab é um dos vices; antes de indagar sobre candidatos, perguntou-se sobre virtudes do prefeito. Então, ele bombou.’
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‘Guernica e sensibilidade’, copyright Folha de S. Paulo, 16/12/07.
‘A Folha publicou a foto acima na primeira página da quarta-feira. Folheei o jornal para conhecer aquela gente que corria das bombas da polícia e nada encontrei. Nem seus nomes, muito menos suas histórias.
Eram moradores da favela Real Parque, em São Paulo, erguida em terreno de empresa ligada ao Estado.
A PM cumpriu a reintegração de posse com violência, os manifestantes interditaram vias, e houve congestionamento recorde no ano.
Na quinta, busquei notícias da mulher que fugia descalça sobre pedras, com a guriazinha no colo e um homem ao lado. Evocavam desventurados da Guernica de Picasso. Não saiu linha sobre o destino deles, nada sobre o assunto.
Assinalei na crítica diária do ombudsman: ´Perder a sensibilidade é uma das maiores desgraças que podem abater jornalismo e jornalistas´.
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‘NYT constata antes regresso de brasileiros’, copyright Folha de S. Paulo, 16/12/07.
‘Se há pessoas que o jornalismo nacional deveria acompanhar são os brasileiros no exterior.
Pois foi por um jornal americano, o ´New York Times´, citado na nota lá de cima, que se soube da novidade que aqui passara despercebida: há um aparente movimento acentuado de brasileiros imigrantes nos EUA que tomam o caminho de volta ao seu país.
A Folha confirmou a revelação do ´NYT` em reportagem no domingo, mesmo dia em que ´O Estado de S. Paulo` tratou do tema.
Faz parte do jornalismo comer mosca -eu já me engasguei com muitas delas. Era mais fácil a imprensa brasileira se dar conta do que ocorria que uma publicação pouco interessada na vida da comunidade de brasileiros distantes de casa.’