Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mário Magalhães

‘No município gaúcho de Jaguarão, costeando o alambrado uruguaio, um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus afirma ter sido abordado assim: ´Viu só! Você que é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!!` ´Esse é o povo da sua igreja?! Tudo safado!!´; ´Como é que você continua nessa igreja? Você não lê jornal, não?´; ´É. Crente é tudo tonto, mesmo´.

Longe dali, em Catolé do Rocha, sertão paraibano, um fiel conta ter ouvido: ´´Viu só! Você que é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!!` ´Esse é o povo da sua igreja?! Tudo safado!!´; ´Como você continua nessa igreja? Você não lê jornal, não?´; ´É. Crente é tudo tonto, mesmo´´.

Já em Tefé (AM), a mais de um dia de barco de Manaus, outro pastor assegura que foi alvo dos ´adjetivos desqualificantes´: ´Viu só! Você que é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!!` ´Esse é o povo da sua igreja?! Tudo safado!!´; ´É. Crente é tudo tonto, mesmo´´.

Não padronizei as versões. A combinação de aspas e pontos de interrogação e exclamação consta de ações judiciais de pastores e membros da Igreja Universal contra a Folha e sua repórter Elvira Lobato.

Em 43 iniciativas contabilizadas até anteontem, eles pleiteiam indenização por danos morais e publicação da sentença. Dizem-se ofendidos em reportagem de dezembro, na qual não foram citados, ´Universal chega aos 30 anos com império empresarial´.

As petições têm muitos parágrafos idênticos. Os autores relatam ter sido ´vítimas de discriminação religiosa em razão do conteúdo tendencioso da matéria difundida pelos réus´. Pelo testemunho deles, as mesmas palavras ofensivas foram repetidas país afora.

De Barra de São Francisco (ES) e Aparecida do Taboado (MS) a Parnaíba (PI) e Xapuri (AC). De Paulo Afonso (BA) e Pouso Alegre (MG) a Araguaína (TO) e Bataguassu (MS; há quem grafe Bataguaçu).

Coincidem os pronomes (os gaúchos de Santo Ângelo trocam ´tu` por ´você´) e a requisição dos ´benefícios da Assistência Judiciária Gratuita´.

Outras semelhanças: as ações foram propostas em Juizados Cíveis Especiais. Neles, o trâmite é célere. A repórter, que precisa comparecer pessoalmente, foi intimada para quatro audiências em um só dia em lugares distintos.

Indaguei à igreja: ´Houve um movimento coordenado da Igreja Universal nas ações contra a Folha e a jornalista?´. Não obtive resposta.

A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) qualificou como ´intimidação ao livre exercício do jornalismo a intenção contida na iniciativa´.

A primeira decisão foi do juiz Alessandro Leite Pereira, em Bataguassu. Ele condenou Carlos Alberto Lima por litigância de má-fé: ´A postura adotada pelo autor na descrição da causa de pedir […] demonstra a existência de inquestionável má-fé, pois deturpa o conteúdo da reportagem para, inserindo-se individualmente nela, buscar indevidamente o recebimento de valor indenizatório´.

Mais: ´O Poder Judiciário está sendo utilizado pelo autor para o fim espúrio de prejudicar os demandados, tendo em vista que diversas demandas, com a mesma causa de pedir e pedido, foram distribuídas pelos vários rincões do país, em localidades de difícil acesso, sendo nítida a intenção do autor, como também dos demais demandantes nas ações mencionadas, de dificultar a defesa dos réus […]´.

Há duas reações condenáveis diante de ações dessa natureza: enviesar o noticiário contra os autores e a instituição à qual eles pertencem ou, mais comum, intimidar-se e abrir mão do jornalismo crítico. A Secretaria de Redação da Folha diz que não haverá influência na cobertura.

Li e reli a reportagem, editada em três páginas. Sóbria, constitui exemplo do que deve ser o jornalismo em relação ao poder, nele incluídas as organizações empresariais e religiosas, sem exceção.

Não surpreende: jornalista há 35 anos, uma das mais brilhantes repórteres do país, Elvira Lobato assinou na última década e meia alguns dos mais admiráveis e corajosos trabalhos jornalísticos sobre o setor de comunicações.’

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‘Rasgando a fantasia’, copyright Folha de S. Paulo, 3/2/08.

‘Fotografias recortadas são um recurso jornalístico que, empregado com parcimônia, pode render bons resultados estéticos. Antigamente, as imagens eram tesouradas. Hoje, os sistemas de edição digital as manipulam com sofisticação.

Ao destacar um ou mais elementos de um cenário, o jornalismo deve, contudo, evitar que se desnature o registro original.

Um mau exemplo dessa técnica foi publicado no domingo passado. A rainha da bateria da escola de samba Vai-Vai, Ivi Mesquita, foi retratada com uma fantasia de penas vistosas.

Os leitores não viram pena alguma. Elas foram subtraídas para a dançarina se encaixar na diagramação vertical. A fotografia recortada impediu que se conhecesse o modelo desenhado pelo estilista. Pior, deu a impressão de que ele era outro, menos imponente e talvez menos belo.

A Folha tem exagerado nas fotos recortadas. À direita, além da que mostra Ivi Mesquita antes e depois, há dois outros casos da semana: da miss Brasil Natália Guimarães e da apresentadora Daniella Cicarelli.’