‘Ao observar o insucesso dos apelos para que a seção de cartas honre o nome, um leitor escreveu em novembro: ´A atual polêmica sobre o ´Painel do Leitor` só vem confirmar que ombudsman de jornal é igual a peito de homem, não serve para nada. Os leitores reclamam, o ombudsman encaminha, e a Redação ignora ou dá uma resposta mal-educada´.
Matutei e não vislumbrei, de fato, serventia do meu peito (a não ser para ´matar` a bola). E há jornadas em que, como ombudsman, sucumbo à síndrome do peito de homem, o sentimento de inutilidade. Como na edição de anteontem.
Eu renovara recomendações para que a Folha reencontrasse o equilíbrio na cobertura sobre acusações contra o padre Júlio Lancelotti. Notícia ruim para ele tinha destaque; boa, não. Na sexta-feira, ocultou-se em rodapé de página a conclusão do Ministério Público de que o religioso foi vítima de extorsão, e não autor de crime.
No mesmo dia, reeditou-se o ´Painel do Leitor` desfigurado, com predomínio de autoridades. E o desencontro da agenda do jornal com o mundo dos leitores conheceu novo emblema com a ausência, na primeira página, de menção ao dilúvio paulistano.
São percalços que integram um inventário bem mais fornido de batalhas perdidas.
Seria injusto, contudo, desconhecer conseqüências positivas de outras pelejas nos meus dez meses e meio na função. Uma delas foi o crescimento de 12% das correções de erros em 2007.
A maioria absoluta das retificações originou-se de avisos dos leitores. Coube a Marcelo Beraba, até o início de abril, e a mim pedir esclarecimentos à Redação e insistir por ´Erramos´. Nenhuma publicação brasileira se corrige com a transparência da Folha.
Esse desempenho, bem como alguma influência no noticiário e em orientações editoriais, resulta do ano de maior atendimento de leitores pelo ombudsman, 13.374 contatos.
É um crescimento de modesto 1% em comparação com 2006. O recorde, entretanto, ocorreu em temporada sem eleições e Copa, eventos que costumam estimular o movimento. E na contramão da queda da circulação em 2%.
A maioria relativa dos registros foi de protestos e críticas. Das 295 reclamações sobre parcialidade, 95% denunciaram tendência pró-PSDB e anti-PT (pesquisas entre o conjunto do leitorado sustentam que a maioria identifica apartidarismo do jornal).
Mesmo com tiragens menores, a Folha é cobrada cada vez mais. Não se trata de fenômeno peculiar. Na relação dos leitores com os veículos nos quais eles se informam, já não existe subordinação e dependência. O jornalismo não tem mais o monopólio da informação nem o do debate público.
Com acesso a uma vastidão de fontes, destacadamente na internet, os cidadãos e consumidores de notícias são mais exigentes e céticos.
Eles questionam a Folha e, em escala menor que a ideal, interferem nas suas edições. É tão legítimo os leitores buscarem influir no jornal -e na atuação do ombudsman- como o jornal na sociedade.
Embora esteja longe o tempo em que Paulo Francis caçoava de quem escrevia a jornais, o jornalismo ainda resiste ao escrutínio de que é alvo.
Setores da Folha seguem avessos a críticas. Com arrogância caricatural, um editor objetou restrições de um leitor arrotando um ´and so what?´. Rejeitei o abuso, e a Redação mudou a resposta.
A participação dos leitores nas reflexões sobre a imprensa e a disseminação de sites e blogs contribuem para amenizar os danos da concentração na mídia à democracia. País de desigualdade social obscena, o Brasil permanece também com as empresas de comunicação em poucas mãos.
O ombudsman tem dois papéis: ouvidor e crítico de jornalismo. Convivo com uma imensidão de críticos-leitores. De certo modo, de ombudsmans. A Folha ganharia se não desse a impressão, por vezes, de que faz pouco da opinião deles e de que o ombudsman é como peito de homem.’