‘O MINISTRO da Defesa, Nelson Jobim, desembarcou na Amazônia sexta-feira retrasada vestido de civil. No sábado, envergou uniforme militar camuflado e não o tirou mais.
Nos dias seguintes, posou ou deixou-se fotografar com uma sucuri de nome Metralha, um macaco-barrigudo e uma onça com pinta de raros amigos. Bateu bola e passeou por uma casamata.
Deu declarações de impacto pífio, e sua visita de sete dias a postos de fronteira não gerou notícias de relevo.
Ainda assim, a viagem mereceu espaço generoso no jornalismo impresso. Não faltavam repórteres e fotógrafos no local: o Ministério da Defesa levou-os, a convite, em avião da FAB -uma dupla da Folha entre eles.
O jornal ‘O Estado de S. Paulo’ publicou o título ‘‘Amazônia tem dono’, diz Jobim’. ‘O Globo’ saiu com ‘Na fronteira amazônica, Jobim critica Funasa’. A Folha sobrepujou os concorrentes em camaradagem com o ministro ao exibi-lo com o macaquinho no alto da primeira página da terça-feira.
A informação sobre a véspera era tão desimportante que a legenda da foto remeteu não para reportagem, mas só para outra imagem com o bicho, em Cotidiano.
Com exceção da gurizada, nós já vimos esse filme. E lembrá-lo não implica equiparar Jobim, em caráter e praxe, ao ex-presidente Fernando Collor (1990-92).
O problema não é o ministro, que tem ambições respeitáveis como outros pretendentes, assumidos ou enrustidos, ao Planalto.
O problema é o jornalismo. Houve uma sucessão de factóides cuja encenação não recomendava realce, a não ser com abordagem crítica.
Os jornais se subordinaram à agenda alheia -como a maioria deles ao cobrir o candidato Collor em 1989 e as primeiras estações do seu governo. Com a submissão, deu-se bem a marquetagem. Quando a propaganda triunfa, o jornalismo se dana.
Como diz o colunista Janio de Freitas, ‘os jornalistas, aceitando esse tipo de truque promocional de políticos, deixam de fazer jornalismo e agem como operadores de marketing’.
Com o oba-oba inicial, a viagem fraca em notícia ganhou repercussão, até em charges bem boladas. O jornal ‘O Dia’ foi pioneiro ao ironizá-la. Em seguida, ‘O Globo’ a questionou.
No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva -civil, como seu subordinado Jobim- contou em entrevista à Folha que aceitou convite da Aeronáutica para voar em um caça.
Será que vem por aí mais uma overdose de fotografias promocionais rotuladas de jornalismo?’
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‘Folha veta entrega de gravação a político’, copyright Folha de S. Paulo, 21/10/07.
‘Boa notícia para os leitores da Folha: um comunicado enviado aos editores na segunda-feira tenta evitar a repetição de atos como a entrega, para um senador, da gravação de uma entrevista feita pelo jornal com um advogado.
A circular é assinada pela secretária de Redação (área de Edição) Suzana Singer.
Tem três frases: ‘Como regra geral, a Folha não disponibiliza gravações de entrevistas para políticos, polícia, advogados, promotores etc, salvo se houver determinação da Justiça. A cessão de fitas para órgãos de imprensa deve ser discutida com as chefias. Se houver interesse jornalístico, podemos veicular o conteúdo de entrevistas na Folha Online’.
Os princípios editoriais da Folha, condensados no seu ‘Manual da Redação’, já tinham esse sentido. A nova norma é mais explícita.
O episódio que lhe deu origem foi comentado aqui no domingo passado: o jornal repassou ao senador Demóstenes Torres o áudio da entrevista de um advogado que confirmava ter havido discussão sobre espionagem, contra parlamentares, em uma reunião.
Agora a regra é clara: a Folha é que dá ou não conhecimento público de gravações com entrevistados que negam declarações atribuídas a eles. Essa prerrogativa não será terceirizada, seja quem for o político intermediário.’