‘Só um tremendo Garoto Enxaqueca para, contrariado com colheres a mais de açúcar no doce de abóbora, detratar um banquete digno do mais glutão dos frades.
Ou um guloso muito volúvel para, salivando com o ponto certo do brigadeiro, anistiar um repasto mais insípido que bóia de hospital.
Na corrida eleitoral, também não se recomenda tomar reportagens pontuais como o conjunto da cobertura.
Dois insucessos da Folha não configuram desacerto disseminado. Mas alertam: quem se perde no fogão e não aprende com o erro pode comprometer a refeição inteira. Acertar sempre ninguém acerta. Cabe saber se os desenganos são exceções ou o padrão.
Na quarta, a Folha publicou a reportagem ‘Nunca vi 1º colocado ceder lugar ao 3º, reage Alckmin’. Na essência, reproduziu declarações. Não as questionou ou delas duvidou. Limitou-se a transmitir o que interessava a outros. Privou o leitor do ceticismo que caracteriza o jornalismo crítico.
Não era obrigatório, mas não custava lembrar que a tirada do pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo evoca alusão de Barack Obama acerca da sua então dianteira sobre Hillary Clinton nos EUA.
Compulsório era contrapor 2006, quando Alckmin patinava atrás de José Serra nas pesquisas e se impôs como o nome tucano ao Planalto. A Folha só apontou a contradição na edição seguinte.
O texto da quarta contou que o líder do PSDB na Câmara Municipal assinou artigo pró-acordo com o DEM do prefeito Gilberto Kassab, que almeja a reeleição -em disputa cuja terceira protagonista deve ser a ministra Marta Suplicy (PT). Citou-se o vereador Gilberto Natalini, segundo o qual houve apoio unânime da bancada ao documento.
Na véspera, informara-se que haveria carta dos vereadores, e não artigo firmado por um deles. Não se esclareceu por que não saiu manifesto coletivo. Dias antes, reafirmara-se que há alckmistas na Câmara. Na quarta, acatou-se a ficção da unanimidade.
Na semana anterior, a Folha noticiara a candidatura de Fernando Gabeira a prefeito do Rio com um tom ainda mais submisso. Nem os concorrentes do ex-colunista do jornal foram mencionados.
Aos acenos ao PT a reportagem não opôs as manifestações do deputado do PV à época do mensalão, historiando seus ataques contra o governo.
E omitiu o retrospecto ético de Marcello Alencar. O ex-governador apadrinhou o lançamento de Gabeira, defensor dos bons costumes na política.
O jornal tem espaços de sobra para opinião -de colunistas, de articulistas convidados e nos editoriais. Deveria preservar o não-alinhamento do noticiário. Na largada da campanha carioca, a Folha deu a impressão de se transformar em cronista pouco crítico de um candidato particular.
Ainda é tempo de acertar a mão no sal e no açúcar.’
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‘Ignorância matemática’, copyright Folha de S. Paulo, 23/3/08
‘Bati os olhos na manchete da sexta-feira retrasada, ‘Alunos ignoram matemática elementar’, e pensei: nós, jornalistas, também. Inclusive os da Folha.
A seção ‘Erramos’ coleciona casos. Impressiona a insistência nos enganos. Por mais que se advirta que uma carteira com R$ 100 tem 50% de uma com R$ 200, reedita-se a fórmula segundo a qual a carteira tem ‘duas vezes menos’.
Em fevereiro, informou-se que a audiência do republicano John McCain em comerciais no YouTube foi de quase dez vezes menos que a do democrata Barack Obama. Um leitor avisou, e houve retificação. O correto é 89% a menos.
A formação em matemática, como em direito, deveria constar do currículo das faculdades de jornalismo.
O exame do governo paulista em escolas públicas do ensino fundamental e médio constatou dificuldade dos estudantes. Aos do terceiro ano do antigo segundo grau indagou-se o resultado, em porcentagem, da soma de 1/5, 1/10 e 1/2. Erraram 61%. Seria muito diferente entre jornalistas?
Ao reproduzir questão de matemática, o jornal mudou uma palavra. Em vez de altura, pediu distância. Dois leitores apontaram a troca. Até anteontem não saíra correção. Em outra pergunta de matemática, a prova se referiu à área plantada. O certo seria área total, como observou um professor que me escreveu. O jornal calou sobre a formulação.’
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‘Novo caderno diário ‘Esporte’: espaço resolve?’, copyright Folha de S. Paulo, 23/3/08
‘Na terça-feira, o caderno Esporte tornou-se diário. Boa notícia para os leitores, que reclamavam mais atenção para o noticiário esportivo.
Como Corinthians e Palmeiras não disputam a Libertadores, o Campeonato Paulista de futebol é o assunto de maior interesse atual na editoria. Na estréia, viram-se 4,5 páginas livres (sem anúncios).
Nem assim saiu a classificação. Não faltou, no entanto, a do Campeonato Inglês. Idem na quarta. Reclamei, e nada: na quinta repetiu-se a escolha.
Quando o leitor da Folha tem que procurar na internet e em outros diários uma informação útil como a tabela do Paulista, torna-se possível desconfiar que o problema do jornal não era de espaço.
Era -e continua a ser- de sensibilidade jornalística.’
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‘Jornal erra, tem 2ª chance e erra de novo’, copyright Folha de S. Paulo, 23/3/08
‘Em fevereiro, a Folha publicou declaração de um músico da banda de rock Deep Purple, falando da recente ‘primeira vez’ na Rússia. Um leitor, jornalista, alertou: o repórter deve ter entendido errado; antes, as apresentações naquele país somaram dezenas.
A Redação retrucou: era a viagem inaugural da nova formação. O leitor, então, apresentou uma planilha, montada com disciplina e carinho, com todos os shows do grupo. Em 2004, já com novo tecladista, houve mais de dez na Rússia.
O jornal teve duas chances de acertar. Errou também na segunda. Em março, saiu ‘Erramos’. Lição: há sempre um leitor que sabe mais do que quem escreve a notícia.’
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‘Como queira demonstrar’, copyright Folha de S. Paulo, 23/3/08
‘Na semana passada, critiquei a submissão cultural ao jornalismo estrangeiro; na mesma edição, a Revista da Folha considerou, em texto sobre Itacaré, que o mais importante era o elogio feito à cidade baiana pelo ‘New York Times’’.