‘Para facilitar o entendimento, a posição dos post foi alterada. As notas do caso Fazenda Campo Aberto versus Congresso em Foco estão colocadas conforme a ordem de sua produção: primeiro a nota do ombudsman e em seguida os comentários feitos a ela.
Se você quiser ir logo para a opinião do Congresso em Foco em defesa de seu trabalho, clique aqui e aqui. O iG publicou a posição da advogada Samira de Vasconcellos Miguel questionando a reportagem. Porém, o portal não tomou posição sobre o assunto, o que é grave.
Escravos da verdade
Na terça-feira passada, o iG publicou reportagem (leia aqui) com chamada na capa acusando a fazenda Campo Aberto, de propriedade do pai de Ayrton Senna, Milton Guirado da Silva, de promover trabalho escravo. A reportagem, assinada por Lucio Lambranho, foi gerada pelo site Congresso em Foco, que é parceiro do iG. Foi reproduzida pelo jornal O Estado de S.Paulo, Associated Press, Terra (este sem citar os autores originais) e outros. As revistas preparam-se para tratar do tema no fim-de-semana.
No texto, o repórter, com base em laudos de fiscais do Ministério do Trabalho e em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, informa que a fazenda submetia seus trabalhadores a condições desumanas de trabalho, sob contratos ilegais, sem respeito aos direitos da legislação, sem meios de higiene e alimentação adequados, nem condições de transporte para que os trabalhadores pudessem gozar de folgas. Afirma ainda que os trabalhadores entravam em contato com agrotóxicos pulverizados por aviões enquanto trabalhavam. O tema é grave ainda mais porque envolve o nome dos Senna, conhecidos por arrebanhar apoios para causas sociais e bons exemplos de cidadania. Um prato cheio para o jornalismo, o que em geral significa também perigo.
A reportagem de Lambranho baseia-se em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho contra a Fazenda Campo Aberto. Este processo surgiu de uma inspeção de fiscais do trabalho realizada na fazenda entre 28 de fevereiro e 9 de março do ano passado segundo a qual teriam sido encontrados 82 (oitenta e dois) trabalhadores em condições de trabalho extremamente degradantes tendo, na ocasião, sido lavrados 29 autos de infração.
O Congresso em Foco e Lambranho ouviram um representante da Campo Aberto, Ricardo Ferrigno, que declarou que as acusações não eram verdadeiras. Ou seja, o princípio do jornalismo de que o lado dos acusados tem sempre que ser ouvido é seguido, mas de maneira apenas formal, com destaque inteiramente desproporcional à gravidade das acusações.
Também à guisa de ´outro lado´, o Congresso em Foco e o iG publicam um texto cujo título é mais incriminador do que pró-réu, sugerindo tolerância com irregularidades: ´Lugar 100% você nunca vai encontrar´. Esse texto traz declarações lamentáveis de um dos sócios do empreendimento, Ubirajara Guimarães, o Bira, culpando os trabalhadores pela falta de asseio.
No mesmo dia da publicação da reportagem este ombudsman recebeu mensagem da advogada Samira de Vasconcellos Miguel, da Ayrton Senna Empreendimentos, com uma defesa mais ampla e fundamentada, em que as todas as acusações (de escravidão e outras práticas ilegais) são negadas.
O iG, Congresso em Foco e outros sites reproduziram o desmentido dos acusados na íntegra (leia aqui), mas não com o mesmo destaque nem com o nível de detalhes das reportagens iniciais, de cunho incriminatório.
O princípio básico do jornalismo segundo o qual o ´outro lado´, ou seja, a versão dos acusados, deve ter destaque equivalente à gravidade da acusação quase nunca é cumprido. Com freqüência, os jornalistas apóiam-se em acusações feitas por terceiros, adotam um lado, comprometem-se com ele e vão até o fim.
A verdade, que é o valor mais importante do jornalismo, fica cada vez mais distante. Neste caso, o jornalista não visitou a fazenda, não falou com os trabalhadores envolvidos para reconstituir os fatos e constatar por si mesmo a veracidade das informações. Confiou nos depoimentos dos trabalhadores obtidos pelos fiscais do Ministério do Trabalho. Estes são instrumentos relevantes apenas como passos iniciais, mas não substituem a reportagem in loco, em que os fatos são colocados no contexto e em perspectiva. A obrigação agora é ir a fundo e levantar todas as pontas dessa história. Quando o jornalismo se limita a reproduzir as acusações das autoridades e os embates entre versões na Justiça, ele rebaixa o seu papel. Pode virar coadjuvante num espetáculo de equívocos, exageros, vinganças e escândalo.
Congresso em Foco: notícia amparada nos fatos
Recebi [e agradeço] a manifestação abaixo do jornalista Sylvio Costa, em que apresenta os argumentos em defesa da conduta do Congresso em Foco no caso da acusação de trabalho escravo e outras supostas ilegalidades envolvendo a Fazenda Campo Aberto de propriedade da Ayrton Senna Empreendimentos.
´Caro Mário Vitor:
Dizer que o Congresso em Foco ouviu a empresa acusada ´de maneira apenas formal` é absolutamente improcedente. Não é essa a nossa prática e não foi isso que transformou a aventura algo quixotesca de um grupo de jornalistas brasilienses naquele que talvez seja hoje o site político mais acessado do país. O repórter Lúcio Lambranho, durante aproximadamente dez dias, procurou à exaustão os advogados que funcionam no processo em andamento na Vara de Trabalho do município de Barreiras (BA). Tais advogados jamais deram retorno. Como é da prática do nosso site, o repórter não se satisfez até ouvir dois sócios da empresa rural em questão. Se um deles fez declarações infelizes, não nos caberia renunciar ao papel de bem informar, omitindo-as.
Também não aceitamos a tese de que houve a deliberada intenção de dar à parte acusada destaque ´desproporcional à gravidade das acusações` de que ela foi vítima. Ao contrário. Foi dada a empresa a oportunidade de publicação na íntegra das alegações da defesa no processo resultante de denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT). A idéia era publicar tanto a denúncia quanto a defesa da fazenda. O site aguardou por mais de uma semana o envio desse material, jamais encaminhado.
Certamente, a família Senna e seus sócios subestimaram o prestígio do nosso site e a audiência e repercussão hoje proporcionadas pela mídia internet. Somente depois que a notícia – obviamente, bem fundamentada e amparada em fatos constatados pelas autoridades competentes para cuidar do assunto – ganhou pernas, estampada por veículos brasileiros e estrangeiros, uma advogada da família (que, por sinal, não aparece no processo) nos mandou um texto contestando a denúncia do Ministério Público do Trabalho. Imediatamente, colocamos a íntegra do texto no ar.
A sugestão de visita à fazenda, após a denúncia e a abertura do processo, ignora um fato decisivo: quando tomamos conhecimento do fato, a empresa já havia sido denunciada e respondia processo na Justiça. Ou seja, não seria mais possível encontrar o cenário que levou o Ministério do Trabalho a lavrar 29 autos de infração. Portanto, a visita in loco seria incapaz de determinar a veracidade do trabalho das autoridades encarregadas por lei de cuidar da questão. Afinal, a empresa poderia perfeitamente preparar uma ´nova cena` para a reportagem, na qual seriam reparadas as irregularidades constatadas pelo Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. É, aliás, o que costuma acontecer nessa área. Por isso mesmo, o Grupo Móvel age sempre em inspeções de surpresa.
Quanto a se basear em relatos oficiais, não tenho dúvida: documentos e ações oficiais desse gênero merecem, sim, divulgação jornalística. Aliás, no Congresso em Foco, temos aprendido a conhecer o poder subversivo das chamadas informações oficiais. Dados oficiais sobre doações eleitorais, processos movidos contra parlamentares, comparecimento a sessões do Congresso, pagamento de verbas indenizatórias, devidamente trabalhados e sempre se buscando ouvir as partes, formam um dos principais filões editoriais do nosso site. Um filão, diga-se, que só tem contribuído para aumentar o nosso reconhecimento. Somos o primeiro veículo de comunicação do país a publicar a relação completa dos parlamentares federais que respondem a acusações criminais. Mesmo assim, somos extremamente respeitados pelos próprios congressistas (tantas vezes, ´vítimas` de nossa linha editorial independente). Sabe por quê? Porque eles sabem qual é a nossa prática: jamais negamos a ninguém o direito de defesa e investimos o melhor dos nossos parcos recursos na busca da reportagem cuidadosa e bem feita.
Enfim, Mário, considero digno de elogios o trabalho desenvolvido pelo Lúcio, sob o acompanhamento direto e a edição final do Edson Sardinha. Não estranho que a fazenda e a família, que primeiro nos negaram a atenção exigida por tema tão grave, queiram agora rebater a denúncia, diante da sua repercussão. Mas, repare: o que eles rebatem não é exatamente a nossa reportagem, e sim a denúncia do MPT. É mais uma demonstração da correção com que agimos. Aliás, faça um exercício: pense em como seria fácil para nós simplesmente deixar de publicar a matéria. Já pensou o dano que estaríamos causando à coletividade com o nosso silêncio? Por sinal, se só pudéssemos publicar denúncias do tipo se estivéssemos acompanhando a fiscalização, talvez tivéssemos de parar de publicar matérias sobre trabalho escravo. Com todo respeito, soa-me absurda a idéia de dar à defesa tardia da família Senna o mesmo peso da reportagem original. Isso equivaleria a transformar o jornalismo em um tiro ao alvo sem fim. De novo, seria bem fácil. Como se disséssemos assim: ´Eis, leitores, várias versões; escolha a sua´. Não é o que buscamos, queremos fazer jornalismo de qualidade e independente; natural que ele esbarre em interesses contrariados dos poderosos.
Um cordial abraço,´
Sylvio Costa
Congresso em Foco dá novos esclarecimentos
Na noite desta quinta-feira, o Blog do Ombudsman recebeu mais um em-mail do jornalista Sylvio Costa. A mensagem, na íntegra, está reproduzida abaixo:
´Mário Vitor, encampo inteiramente o reparo feito pelo Edson Sardinha, nosso editor. Peço-lhe a gentileza de publicar em sua coluna, para melhor esclarecimento dos fatos. ´Bravo, Sylvio, excelente a resposta. Faço um único reparo: depois de muita insistência do Lúcio, dois advogados retornaram.´
´E a fala deles está destacada na matéria. Nenhum deles, no entanto, foi capaz de enviar uma nota com o ponto o ponto encaminhada posteriormente pela advogada. Ou seja, ouvimos os dois sócios do Milton (que não dá entrevista) e ainda dois advogados da fazenda. O que mais queriam? Mto bom ver que a gente tá incomodando ´poderosos´, hein? E outra coisa: a matéria acaba chamando atenção pra prática do trabalho escravo no país, algo que a maioria dos veículos faz de forma burocrática, quando o faz, né. Abs, Edson.´
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Edição de foto e alteração de fato (12/2/08)
Um leitor envia mensagem para apontar adulteração de foto publicada na capa do iG hoje. A marca da Telefônica, concorrente da Brasil Telecom, controladora do iG, foi apagada do fundo de uma foto. Em outro lugar do iG, o Blog de Tecnologia, porém, a foto aparece da maneira como foi feita. Nenhuma das fotos dando crédito a seu autor: Fernando Cavalcanti.
É princípio básico do jornalismo não alterar os fatos, mesmo (talvez principalmente!) quando eles envolvem empresas e veículos concorrentes. Além disso, o Manual do Último Segundo, a área jornalística do iG, diz expressamente, no verbete ´Citação da marca´, o seguinte: ´O Último Segundo não omite marcas de empresas nem nomes de entidades ou instituições. Todos devem ser correta e devidamente identificados´. Se o princípio é válido para o Último Segundo, deveria vigorar para todo o iG (que não é só jornalismo, é bem mais do que isso). A fidelidade à verdade é a essência da comunicação e obrigação dos comunicadores. O problema básico da internet hoje é reputação, ou seja, credibilidade.
Confira abaixo a imagem publicada na capa do iG (enviada pelo internauta) e a original divulgada pela assessoria do evento Campus Party e publicada no Blog de Tecnologia. Veja em seguida a mensagem do leitor Henrique Martin, que aponta a alteração.
A mensagem do leitor
´Caro Mario Vitor Santos
O que me leva a te mandar este e-mail é o fato de perceber, na home page do iG, que uma das fotos oficiais do evento (do robô Quasi) foi alterada para remover parte do logotipo da Telefônica, patrocinadora da Campus Party.´
´Tudo bem que a Telefônica é concorrente da Brasil Telecom, que controla o iG, mas isso cruza um pouco os limites da ética, não? A internet, a meu ver, acaba cruzando muito a linha entre o que é notícia de interesse geral e do interesse do acionista/controlador que não quer nem pensar em ver o concorrente em suas manchetes – a não ser, claro, que a notícia seja ruim.´
Henrique Martin
O iG se manifesta
Sobre a mensagem acima, este ombudsman recebeu a seguinte resposta do diretor de Conteúdo do iG, Caique Severo:
´Mario,
O iG errou ao editar a imagem para retirar a marca da Telefônica. A decisão foi tomada pela equipe responsável pela edição de capa do IG, sem consultar a direção de conteúdo. A equipe foi alertada sobre o erro e o tema será tratado no Manual de Redação do iG para que não se repita. Abraços,´
Caique Severo
A atitude do iG neste caso, é coerente com os princípios éticos que adota em seu jornalismo.’