Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mario Vitor Santos

‘Quem quiser credibilidade e prosperidade na internet deve prestar atenção ao óbvio: a qualidade do conteúdo vale cada vez mais. Refiro-me a dinheiro e graúdo.

A rede noticiosa de televisão CNN anunciou nesta quinta-feira um aumento de recursos materiais e humanos para a produção de conteúdo jornalístico próprio. A CNN rompeu com a agência de notícias Reuters e vai usar os recursos numa equipe própria. A informação foi divulgada de maneira objetiva pela Reuters e publicada pelo Último Segundo, do iG.

A reportagem da Reuters informa que ao fazer o anúncio, o porta-voz da rede CNN, Nigel Pritchard, falou de uma tendência – que deveria chamar a atenção de todos os que dirigem empresas jornalísticas. Diz Pritchard sobre a mudança: ‘Isso tudo é sobre nós (CNN), não sobre a Reuters. Isso é sobre propriedade de conteúdo… Tudo está mudando e o dono do conteúdo é rei’, disse ele. A jornalista Kenneth Li, que assina a reportagem da Reuters, procurou ouvir a própria agência, que preferiu não se manifestar.

A mudança expressa a mesma avidez por conteúdo próprio que estava por trás da compra, em 31 de julho, do controle do The Wall Street Journal pelo mega-empresário de origem australiana Rupert Murdoch, por 5 (outros dizem 5,6) bilhões de dólares, uma quantia muito superior ao valor das ações do grupo. O Journal é um dos veículos econômicos com mais prestígio no mundo, em função da competência dos seus profissionais e da qualidade do jornalismo que eles produzem.

Quando Murdoch comprou o Journal, leitores e jornalistas temeram pelo futuro do veículo e muitos ainda temem. ‘A possibilidade de jornalistas empenharem seu tempo e a liberdade para acompanhar uma história, este não é o tipo de jornalismo pelo qual Rupert Murdoch é conhecido’, afirmou o jornalista E.S. Browning, colunista do WSJ celebrizado por desmontar os clichês da cobertura econômica.

O que importa é que depois da News Corporation (de Murdoch), uma empresa não conhecida por valorizar o jornalismo de qualidade, pagar um preço estratosférico para obter o que não tem, agora é a vez da CNN movimentar-se para valorizar (ou ao menos dizer que vai valorizar) a produção própria de conteúdo jornalístico. Tomara que essa tendência se espalhe.

Abaixo, alguns links do New York Times (em inglês) sobre o assunto:

– Murdoch, Ruler of a Vast Empire, Reaches Out for Even More

– Murdoch’s Dealings in China: It’s Business, and It’s Personal

– Rupert Murdoch

– When a Competitor Makes Headlines

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iG: ‘O critério editorial é o interesse do internauta (30/8/2007)

A respeito da crítica abaixo sobre o ‘Minha Notícia’, o diretor de Conteúdo do iG, Caique Severo, fez a seguinte declaração:

‘Mário,

O canal Minha Notícia foi criado para abrir um espaço para a participação dos leitores. Como já respondemos em questionamentos anteriores, cabe dentro do projeto do canal a publicação de textos enviados pelos usuários com informações dadas por outros veículos. Nesses casos, o canal funciona como uma antena do que é publicado na imprensa a partir do olhar dos nossos leitores. A nota em questão enviada pelo leitor dá destaque a uma informação publicada em outro veículo. Por isso a checagem se limitou a verificar se a informação realmente havia sido publicada no jornal mencionado. Se a informação tivesse sido enviada diretamente pelo leitor, sem citar a fonte, a nota seria checada e publicada ou descartada. A checagem é limitada aos fatos mais relevantes.’

‘As regras para a publicação no Minha Notícia estão escritas na página http://minhanoticia.ig.com.br/regras_de_uso.html’

‘Lá pode-se encontrar a seguinte definição sobre o critério editorial do canal:

‘O único critério editorial quanto à publicação de notícias ou destaques na página principal do iG é o próprio interesse do internauta em relação a assuntos que ele acredita ser importante dividir com os demais internautas.’’

‘Além disso, as regras colocam o remetente como responsável pelo conteúdo dos textos:

‘Como autor, você é responsável pelas conseqüências legais e sociais do seu texto e fotos.’’

‘Além disso, precisa ficar claro que o Minha Notícia não faz parte da área de notícias do portal, que utiliza o nome de Último Segundo.’

‘Se essa notícia fosse considerada relevante para o Último Segundo, ela seria checada normalmente como qualquer outra pauta e, se confirmada, publicada. Não há restrição sobre a publicação de notícias sobre doenças de figuras públicas. O manual de redação do Último Segundo, que em breve publicaremos no site, cita duas restrições à publicação de material sensível. São elas:’

‘Suicídio

O Último Segundo noticia casos de suicídio sem identificar a vítima. Notícias sobre suicídio não têm destaque na home ou nos canais a não ser quando o fato for de interesse público. Admite-se destacar casos de suicídio quando o suicídio não for a notícia em si. Por exemplo: ‘São Paulo registrou o pior congestionamento do ano na tarde desta quarta-feira após um homem atirar-se da Ponte dos Remédios, interditando as vias locais’. A publicação de casos de suicídio que envolvam pessoas públicas deve ter aprovação prévia da direção de conteúdo.’

‘Seqüestro

O Último Segundo não publica nem destaca seqüestros em curso no Brasil, à exceção de casos em que haja orientação contrária da Polícia e da família. Casos específicos devem ser levados à direção da empresa.’

Caique Severo, diretor de Conteúdo do iG

Solidariedade 2.0

A capa do iG desta quarta-feira mostrou, durante várias horas, em destaque, a seguinte notícia: ‘Ator Pedro de Lara estaria com câncer, diz colunista de jornal’. A informação não foi confirmada pelo humorista ou por qualquer pessoa próxima a ele. É assinada por um internauta e foi publicada no Minha Notícia, espaço que divulga notícias enviadas por leitores. A notícia é a reprodução de uma nota que saiu na coluna ‘Zapping’. do jornal paulistano ‘Agora’.

Em um espaço curto, o iG conseguiu assim atropelar várias vezes a ética e a boa técnica jornalística. Redigido no condicional, o texto não afirma que o humorista está ou que não está com câncer. Ou afirma sem afirmar. A rigor, é a divulgação de um rumor, um boato, um fato sem confirmação. Para agravar, o humorista, como informa o próprio texto, não quer tratar do assunto, que obviamente afeta a sua privacidade e a sua imagem pública. O iG deveria respeitar esse direito.

Em segundo lugar, o iG, ao publicar o texto enviado por um leitor, que reproduz algo publicado em um terceiro jornal, deveria primeiro confirmar a informação. Se não confirmasse, não deveria publicar rumores e suposições, especialmente em relação a assunto tão grave. Se a informação tivesse sido confirmada pelo iG com fonte confiável, isso deveria ser informado e a notícia não deveria ser redigida no condicional.

Antes ou depois de confirmar a informação, o iG deveria ainda considerar se deveria divulgar a informação, pois o humorista declarou não ter interesse em comentar (e menos ainda em divulgar) o assunto publicamente. Nada disso foi, ao que parece, considerado. O iG não esclareceu os seus procedimentos diante dessa delicada questão ética aos seus leitores. Talvez isso não tenha nem sequer passado pela cabeça dos jornalistas envolvidos. Se decidisse publicar, poderia ter repartido suas decisões com os leitores e isso resultaria em maior credibilidade junto aos mais exigentes e às fontes.

O caso levanta questões vastas e muito atuais, nessa época em que o envio de notícias produzidas por repórteres não-profissionais encontra abrigo fácil nas páginas dos portais. No iG, o espaço Minha Notícia, lançado em 2 de julho do ano passado, reúne as notícias enviadas por internautas. No aniversário de um ano, o Minha Notícia fez uma reportagem especial com internautas que escrevem para o site. O trabalho dos voluntários dá audiência para o portal. Os internautas conseguem assim se projetar, e ver publicado o que não aparece normalmente nos meios de comunicação, seja por falta de recursos dos veículos, por interessar apenas a um grupo restrito ou qualquer outra razão.

Nos quase 14 meses de existência, o Minha Notícia já conseguiu dar alguns furos nos jornalistas profissionais. Exemplos:

‘Ex-menino de rua passa no exame da OAB ‘;

‘Henry Sobel preso na Flórida’;

‘Morte do ex-vocalista do grupo Os Travessos’;

‘Acidente com trio elétrico do Chiclete com Banana’

Neste último caso, a equipe do Minha Notícia diz que a leitora foi testemunha do fato, ocorrido durante uma micareta na Paraíba. Mesmo tendo aguardado de sábado até segunda-feira a confirmação dos organizadores do evento para publicar a notícia, o Minha Notícia afirma ter sido o primeiro a noticiar.

A idéia do jornalismo colaborativo é boa e pode ser ainda mais bem utilizada, por exemplo, associando informações vindas dos internautas, desde que checadas com rigor, a informações garimpadas pelo próprio iG.

A internet dos leitores, porém, não é moleza. A equipe do Minha Notícia tem dois jornalistas, encarregados de avaliar o material que chega, confirmar com as fontes, confrontar relatos e publicar o que for aprovado. Recebe e média 40 textos por dia e publica 15.

Essa checagem é precária. No caso de Pedro de Lara, limitou-se a abrir um exemplar do ‘Agora’ e ver se ele efetivamente publicou a ‘informação’. O humorista não foi procurado, nem seu médico, nem ninguém de sua família para atestar a verdade. Isso não bastaria para justificar a publicação, pois aí entram considerações de caráter ético e de respeito humano, que podem levar um veículo a decidir não publicar. Uma hipótese a pesar, por exemplo, seria a de que o humorista poderia ter até mais dificuldade para conseguir apresentações, contratos e mesmo fazer frente a um eventual tratamento com a divulgação dessa notícia.

Muitas pessoas não gostam de ver divulgadas notícias assim a seu respeito. Suposições e preconceitos prejudicam uma carreira. Mesmo sendo uma pessoa pública, Pedro de Lara tem direito à privacidade. Outras pessoas ligadas ao entretenimento enfrentaram a benevolência da mídia e tiveram a divulgação de sua doença limitada ou evitada. Na França, os veículos não publicaram notícias sobre o câncer do então presidente François Miterrand. E isso durou anos até a véspera de sua morte.

É um assunto polêmico e que deve ser olhado caso a caso. Sempre que possível, e na medida do real interesse público, deve-se respeitar a vontade da pessoa envolvida.

O iG dá espaço aos internautas e isso é ótimo. O jornalismo dos leitores precisa ser disciplinado. É natural que busque audiência, mas também deve ser guiado pelo princípio de gerar o menor dano possível. Pois audiência, como todos sabem, nem sempre é sinônimo de qualidade. É o que demonstra a notícia campeã de cliques do Minha Notícia (quase 145 mil visualizações), publicada em janeiro: ‘Estudo revela que pêlos pubianos determinam a sexualidade feminina’.

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A resposta (28/8/2007)

Sobre a pergunta de Elenice Oliveira, a editora-chefe do Último Segundo, Mariana Castro, informa que o iG é capaz de transmitir mais de uma sessão ao mesmo tempo, como fez hoje. Veja a resposta da editora:

‘Nesta terça-feira, o Último Segundo transmitiu ao vivo tanto o julgamento do STF como a CPI do Apagão Aéreo. O usuário podia acompanhar as duas sessões em notas distintas. O jornal consegue exibir simultaneamente os sinais da TV Justiça, TV Senado, TV Câmara e Radiobras e o faz sempre que há sessões importantes, de interesse público. O critério é a relevância do fato a ser transmitido.’

Mariana Castro, editora-chefe do Último Segundo

A iniciativa do Último Segundo com duas transmissões ao mesmo tempo merece elogios. A leitora, porém, não conseguiu localizar a transmissão. É preciso sinalizar melhor.

Justiça na TV

A transmissão do julgamento do STF, gerada pela TV Justiça, é histórica como fenômeno político e midiático. E o iG a transmite ao vivo. Tem qualidade de imagem (apesar da imagem alargada), bom som e edição de imagens informativa e equilibrada. Está tudo ali, diante do país. Além das imagens, que estão fluindo bem, o iG oferece um relato escrito dos lances da sessão em ‘Tempo Real’. Relata os argumentos das partes e detalhes da votação. Espera-se que a TV na internet acompanhe tudo até o fim, ao longo dos meses e anos, mas será? E que o iG providencie as condições para que não haja mais a possibilidade de problemas nas transmissões ao vivo. Há, entretanto, internautas exigentes, que querem mais. É o caso de Elenice Oliveira, que pediu um acompanhamento semelhante, com imagem e som, do depoimento do ministro Nelso Jobim na CPI do ‘Apagão Aéreo’. ‘Se há dois fatos importantes para serem transmitidos online, qual o critério de escolha?’, pergunta a leitora.

Com a palavra o iG e seu braço informativo, o Último Segundo..

Um dia

O Supremo Tribunal Federal aceita denúncias contra dirigentes petistas por formação de quadrilha. Não é, evidentemente, nenhuma condenação ainda, mas se trata de vitória cabal dos meios de comunicação. A fase penal ainda não começou. Apenas se verificam os indícios de crimes, para dar seguimento ao processo. Ao admitir levar a cúpula política do partido do governo a julgamento, a Justiça dá razão à imprensa, que descobriu os indícios de irregularidades pelas quais os petistas serão julgados. O julgamento que se abre vai tratar de crimes sérios envolvendo pessoas poderosas.

A partir de agora, o presidente Lula perde os argumentos de que seria vítima de uma perseguição pessoal orquestrada pelos meios de comunicação e de que o chamado mensalão não passaria de folclore. O julgamento vai se arrastar por ao menos três anos. A maioria do STF foi escolhida pelo atual governo, mas isso não impede que sua decisão seja isenta e técnica. Até agora, o Supremo não viu comprovação para os pacotes de dinheiro entregues a parlamentares, líderes partidários e seus parentes, supostamente destinados a comprar alianças políticas e votos em questões relevantes para o governo. Ir atrás da origem desses recursos é uma obrigação que a imprensa não consegue de novo cumprir. Os corruptores, desde o caso da ferrovia Norte-Sul, ainda na década de 80, nunca foram seriamente condenados no Brasil. Nenhum desses temas teria vindo à tona se não existisse no país meios de comunicação, especialmente os impressos, investigativos e independentes. A Câmara, que absolveu a priori muitos dos agora denunciados, sai mais desmoralizada. Quanto à nova mídia eletrônica na internet, segue a rota aberta pelos veículos ‘tradicionais’. Ela ainda não ocupou o centro do trabalho investigativo. Um dia, quem sabe?’