‘Na quinta-feira passada, após reportagens publicadas pela imprensa paulistana, o iG divulgou a notícia de que o problema com o lixo acumulado nas áreas do Parque do Ibirapuera (localizado numa zona nobre da região sul de São Paulo) já foi resolvido. O título era crítico e tranquilizador ao mesmo tempo: ‘Limpeza no Ibirapuera melhora, mas grama continua alta no parque’.
O fato é relevante e o iG faz muito bem ao dar atenção para ele, mesmo que atrasado. Seria a oportunidade para fazer um pente fino na situação dos serviços municipais nas cidades mais importantes do país. Há várias prefeituras falidas e outras tantas dominadas por administradores incompetentes e/ou corruptos, ainda que reeleitos agora. Cabe ao jornalismo vigiá-los.
A questão do lixo em qualquer megalópole como São Paulo é muito complexa, sofrendo influência e gerando impactos em campos diversos. Mesmo agora, depois que a eleição passou e o tema deixou de ter repercussões eleitorais, é obrigatório submeter a exame a situação da administração municipal na maior cidade do país.
A crise já existia e parece ter ficado ainda mais grave após o processo eleitoral. A situação real das contas públicas agora vem à tona mais claramente. Pesa sobre ela também o agravamento da crise econômica, com a prevista diminuição da receita de impostos.
Quem mora em São Paulo sabe também que a questão da limpeza e do lixo é crítica em quase todas as regiões da cidade. As garrafas pet são jogadas nos córregos das regiões mais periféricas e os sacos de lixo ocupam as calçadas de bairros nobres. Não existe uma política abrangente, com ampla divulgação e participação da comunidade, para submeter o tema a um manejo racional e sustentável.
O tema exige, portanto, tratamento jornalístico intenso e urgente e não apenas em São Paulo. A época é de verão e as chuvas, combinadas à coleta precária do lixo, já vêm causando enchentes de graves consequências em regiões importantes, como a que todos assistiram recentemente em Santa Catarina.
É o momento de o iG antecipar-se ao desastre. Mostrar os problemas, alertar para a possibilidade de catástrofes e cobrar providências dos responsáveis São Paulo. Muitas vezes, os contratos das prefeituras com as empresas escondem o que talvez possa explicar o descaso com a saúde, o conforto e a beleza das cidades. Os problemas estão diante de qualquer um que queira e tenha competência para trazê-los ao conhecimento geral.
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Em Gaza, o jornalismo é vítima e responsável (15/1/09)
No 20º dia de ofensiva israelense em Gaza, dois jornalistas palestinos foram feridos após ataque a uma agência da ONU e às instalações de veículos de imprensa como a televisão americana ‘Fox’, a britânica ‘Sky News’, a luxemburguesa ‘RTL’, a agência de notícias ‘Reuters’, e as redes árabes ‘Al Arabiya’ e ‘MBC’. Antes proibida de entrar em Gaza, a imprensa tinha o exército israelense como fonte principal. Hoje, cada vez mais próxima do fogo, falta aos veiculos para reconhecer o extermínio quando ele ocorre.
Essa cobertura mostra como é complexa a vida de quem persegue neutralidade e imparcialidade no jornalismo. Não há critérios objetivos e científicos que permitam uma verificação objetiva da neutralidade, senão como choque de contrários, o que também não dá conta de todos os aspectos. Há veículos que são mais imparciais ao tratar de certos assuntos do que de outros temas. Existem áreas em que a imparcialidade é mais relevante e urgente do que outras. Na cobertura esportiva, por exemplo, e até na cobertura cultural, não existe uma demanda tão aguda por imparcialidade quanto temas políticos ou na área criminal.
Além disso, há certas situações em que ser distanciado e frio pode não ser a atitude mais correta. Por exemplo, seria correto ser imparcial diante do regime militar brasileiro ou seria melhor adotar uma posição ativa de luta contra a ditadura, já naquela época, como vários veículos fizeram? Como exercer essa opção ética nas áreas de opinião e nos espaços dedicados ao noticiário?
No caso do atual bombardeio israelense a Gaza, qual seria a atitude jornalística correta? O que seria de fato uma atitude próxima da neutralidade, da imparcialidade e da equidistância? Quando estão envolvidas suspeitas de crimes contra a humanidade, por exemplo, a neutralidade deve ser abandonada, abrindo espaço para uma atitude de denúncia? Não é isso que muitos veículos jornalísticos internacionais importantes fazem diante de regimes que consideram autoritários, inclusive contra alguns regimes islâmicos? Por que não fazer isso quando são aliados do ‘Ocidente’ que realizam as mesmas práticas?
A moral ambígua de muitos veículos fica à mostra agora, com a troca de comando na Casa Branca. O presidente americano George W. Bush, à medida que se aproximava a data de deixar o cargo, vai cada vez mais sendo transformado numa espécie de responsável solitário pelo fracasso da estratégia americana. Omite-se que, na ocasião da invasão do Iraque, Bush contou com apoio ou omissão dos meios de comunicação e o entusiasmo do repórteres ‘embarcados’ com as tropas que dispararam pelo deserto em direção a Bagdá. Parceiros na invasão, veículos e jornalistas, agora ausentam-se do fracasso.
Agora, analogamente, vigora a omissão. Reagir depois, quando uma mais completa dimensão dos ataques for revelada pode ser tarde demais. A mídia tem responsabilidades especificas que devem ser demonstradas na hora em que as violências ocorrem. Sua omissão contribui para a perda da credibilidade e lança suspeita sobre a validade real dos compromissos que diz ter.
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O cobertor e a cobertura (14/1/09)
O iG realiza uma das melhores coberturas do Fashion Rio na internet. Atualização constante, muitas análises, vídeos, fotos e vários destaques na homepage são prova disso. O conteúdo, no entanto, está todo disperso pelo canal de Moda, sem nada que organize e lhe dê destaque dentre as outras notícias ‘normais’.
A solução seria a criação de um ‘hotsite’, um local que centralizasse informações, os recursos e o espaço para que o internauta tivesse ali a seu dipor tudo o que se refere à cobertura do evento. Além de tornar o conteúdo ‘especial’, a providência facilitaria a navegação e traria maior organização
A falta de ‘espaços especiais’ para as notícias do momento não se restringe à cobertura de moda. Como já foi aqui sugerido, é urgente a criação de um hotsite também para a cobertura do conflito em Gaza, por exemplo. Alguma atenção deveria ser dada também para o site de Eleições Americanas que, a seis dias da posse de Barack Obama, não é mais atualizado, embora permaneça em destaque no canal de Mundo.
Sempre haverá mais assuntos do que recursos suficientes para tratá-los com a devida atenção. É preciso melhorar as condições e gerir melhor os instrumentos disponíveis. O importante é que o internauta sinta que o iG trabalha intensamente por ele. Isso exige muita inteligência para evitar a impressão de que o cobertor do iG é pequeno para dar conta de tanta cobertura.
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O grande irmão (13/1/09)
Começa hoje a nova versão do Big Brother Brasil, que é um grande auxílio ao aumento da audiência dos sites brasileiros, inclusive deste iG. Não há, a rigor, nenhuma novidade nisso. Cumpre-se um ritual previsível e quase burocrático. O desafio verdadeiro não está na repetição das mesmas práticas e na obtenção dos mesmos resultados por mais atrativos que eles sejam.
O esforço criado em torno do programa, como um hotsite, blog e discussões no Twitter, seria interessante se feito em outras coberturas, que não a do Big Brother – como a dos conflitos em Gaza, por exemplo.
Por enquanto, o iG seguiu o viés da fofoca, e não de uma cobertura que também deveria ser vista como jornalística. A grande conquista seria conseguir tratar o tema de alguma forma criativa, crítica e, quem sabe, até inteligente. O iG é capaz de fazer isso, como demonstrou dois posts do repórter Mauricio Stycer em seu blog na semana passada (BBB9 – Primeira piada: não há brasileiro entre 33 e 60 anos e BBB9 – Será que existe cota para negros?). Será que vai conseguir?
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É preciso ouvir o Dr. Roger (12/1/09)
O iG publica hoje em sua capa notícia de que o médico Roger Abdelmassih, um dos mais conhecidos especialistas em reprodução do país, vem sendo alvo de investigação por supostas acusações de abuso sexual, feitas por pacientes. Abdelmassih comanda uma grande clínica em São Paulo, onde já realizou milhares de intervenções de inseminação e implantação de óvulos em mulheres com dificuldade de engravidar.
A notícia sobre a investigação, a rigor, não é mais nova. Foi originalmente publicada pelos jornais Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo na sexta-feira passada. O próprio iG já a divulgou no mesmo dia. O principal problema é de natureza ética. A reportagem lança dúvidas graves sobre a honestidade um profissional da medicina, a partir de uma investigação não concluída do Ministério Público, que deveria ser realizada de forma sigilosa antes de ser veiculada para uma audiência maior. Ainda antes de que as provas venham à tona, com base apenas em depoimentos, o médico já está condenado pelo simples fato de que seu nome aparece vinculado a um comportamento criminoso, o que é especialmente grave quando a conduta é associado a um profissional da medicina. Sua reputação está comprometida.
Além de ser um problema em si, a reportagem de hoje não dá destaque adequado ao ‘outro lado’, ou seja, não divulga o desmentido de Abdelmassih com a evidência que este deveria ter. O médico nega ter feito assédio sexual contra pacientes e funcionárias, mas esse desmentido só aparece no final do texto. A notícia interna do iG, com destaque na capa do portal, usa cinco parágrafos para relatar a acusação e somente um, o último, para o ‘outro lado’, ou seja, para a resposta e defesa do médico. Essa desproporção entre acusação e defesa contraria as normas de ética estabelecidas pelo Manual de Redação do Último Segundo, que diz:
‘Nada se publica sobre alguém sem que o personagem da notícia, empresa ou entidade seja ouvida antes. Ao preparar um texto jornalístico, a redação do Último Segundo deve ouvir todas as partes.’
Em outra nota publicada pelo mesmo iG no sábado, a partir de notícias da véspera na Folha e no Estado de S.Paulo, é exatamente a mesma, com a diferença de que naquela ocasião a nota encaminhada pelo médico à imprensa, explicando a sua versão, está na íntegra. Esse texto não está mencionado nem linkado na notícia de hoje. Se o médico não quer falar, seu advogado com certeza terá mais detalhes sobre a defesa de Abdelmassih.
Nas duas notas há, porém, remissão um link para outra notícia, que também induz a um pré-julgamento do caso: ‘Cremesp traça perfil de médico acusado de abuso sexual a pacientes’. Dar destaque para essa notícia já é, de certa maneira, comparar o caso a outros já apurados pelo Cremesp. Ou seja, já é, de alguma maneira, acusar Abdelmassih antes do fim da investigação do Ministério Público e do próprio Cremesp. Vale lembrar que além do Ministério Público cabem investigações policiais, julgamentos em várias instâncias antes de qualquer cidadão podem ser considerado culpado. Essa é a lei num regime democrático e constitucional, em que o cidadão goza de garantias e direitos para não ser vítima de abusos à sua segurança e à sua imagem por parte do Estado, dos governos, da opinião pública e da multidão.
Está na hora de dar plena voz à versão do doutor Roger Abdelmassih, antes de linchá-lo sem qualquer chance de salvação.’