Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Memória afetiva, a força de um tema universal

A gigante de telefonia Vivo lançou há alguns dias uma campanha publicitária no YouTube inspirada na canção Eduardo e Mônica, um dos clássicos da Legião Urbana, para celebrar o Dia dos Namorados. Como se fosse um videoclipe, dois atores encenam o romance entre os personagens principais de uma das canções de maior sucesso do rock brasileiro, tão popular quanto só podem ser as grandes histórias de amor.

A verdade é que muito do sucesso da propaganda da Vivo se deve ao fato de a equipe de criação da agência África ter empregado um dos preceitos básicos da propaganda: mexer com a memória afetiva das pessoas. A geração que hoje tem entre 25 e 40 anos é o público que as empresas de telefonia mais desejam atrair, para empurrar seu estoque de smartphones e tablets, pois é exatamente esta a faixa etária que pode arcar com os custos do aparelho e dos serviços a ele agregados. Portanto, por que não retomar uma canção que certamente ficou na memória dessas pessoas quando elas estavam entrando na adolescência, lá por meados dos anos 80?

Datas consumistas

Eu, por exemplo, recordo perfeitamente quando ouvi Eduardo e Mônica pela primeira vez, no rádio de um ônibus de excursão, voltando de Gramado junto com outros colegas da minha turminha de 7ª série. Aos 13 anos, conhecer a Legião Urbana foi uma espécie de rito de passagem para a adolescência, e o álbum Dois – de vinil! – foi o primeiro disco que comprei. Juro que lembro detalhadamente o pôr-do-sol que via pela janela do ônibus, serpenteando pela Serra Gaúcha, lembro a minha colega Rafaela acompanhando a letra e me divertindo muito com a narrativa do casal inusitado. Não tem quem não ache no mínimo simpática a história da garota mais velha, estudante de Medicina, que se apaixona pelo cara mais novo, bem inexperiente, e todos os paradoxos do relacionamentos dos dois: ela, culta e descolada; ele, tímido e bem “família” (a imagem de Eduardo jogando futebol de botão com seu avô é uma das mais lembradas pelos fãs da canção).

O Dia dos Namorados nada mais é que uma data criada a partir do original Valentine´s Day americano (que acontece em 14 de fevereiro, dia de São Valentim, o padroeiro dos enamorados). Aqui acontece em junho por questões meramente comerciais: é um mês sem grandes atrativos para o comércio, ao contrário de março (que tem todo o movimento de volta às aulas), abril (com a Páscoa), maio (com o Dia das Mães) e julho (com as férias de inverno). Enfim, faltava alguma coisa para que os trabalhadores pudessem torrar o salário do início do mês nas lojas – e percebam aqui a “coincidência”: geralmente, o “Dia de Alguém” cai na segunda quinzena, ou seja, logo depois do pagamento e muito antes do “aperto” de fim de mês. Talvez a proximidade com o dia de Santo Antônio, nosso santo casamenteiro, tenha inspirado algum precursor da publicidade e do marketing no Brasil a colocar mais uma data consumista no calendário – sim, vamos dar a definição verdadeira a tais eventos, ou alguém aí tem coragem de dar apenas um abraço em sua mãe no dia dela?

TV não vai fazer falta?

Contudo, a publicidade é uma área da comunicação sempre bastante admirada, não pelo fato de fazer o dinheiro circular por meio de artimanhas inteligentes, mas principalmente pela inventividade envolvida na criação de uma campanha. Publicitários são inerentemente criativos, inspirados e inspiradores, caso contrário se tornam outra coisa. Ou, quando a criatividade é exacerbada e ultrapassa os limites do “ter que vender algo a alguém”, publicitários se tornam algo ainda melhor, como excelentes escritores (basta ver o caso de jovens como Carol Bensimon e Daniel Galera, ambos formados em Publicidade e Propaganda e que hoje são dois dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea).

Talvez o mais interessante no mundo da publicidade seja o fato de que as melhores campanhas surgem quase sempre de conceitos muito simples aliados à memória afetiva das pessoas. Foi o que aconteceu com o clipe da canção Eduardo e Mônica, singelaatualização da história de amor cantada por Renato Russo, muito bem conhecida por uma geração inteira, que colocou os dois personagens principais no mundo de hoje, conectado por celular. Tanto por meio do Facebook quanto do Twitter – que redirecionavam os usuários para o YouTube –, a campanha publicitária da Vivo teve uma audiência digna de capítulo final da novela das 8. Enfim, parece que, para alguns setores da economia, a televisão logo, logo não vai fazer falta alguma porque estamos conectados de outras formas.