Os repórteres Dana Milbank e Jim VandeHei publicaram no Washinton Post de 31/5/04 uma reportagem cujo título apontava que George W. Bush estaria atacando seu concorrente na corrida presidencial, John Kerry, num grau ‘sem precedentes’ nas suas propagandas. O texto citava estudiosos que apontaram afirmações falsas de ambos os candidatos, apesar de tratar principalmente da campanha do republicano. O ombudsman do Post, Michael Getler, ao ver a matéria, logo percebeu que ela lhe daria trabalho, como conta em sua coluna de 6/6/04. Leitores escreveram reclamando que não é função do jornal defender um candidato contra os ataques de seu concorrente e que a matéria seria tendenciosa contra Bush.
Getler concorda que o termo ‘sem precedentes’ não deveria ter sido usado na chamada da reportagem, mas afirma que, em geral, a matéria foi bem apurada e faz um bom serviço ao leitor, esclarecendo alguns fatos em meio a uma campanha enlouquecedora. Algumas pessoas apontaram que indicar afirmações incorretas e exageros de Kerry, talvez no intuito de tornar a reportagem mais equilibrada, acabou enfraquecendo o texto.
Um leitor, a partir disso, levanta um problema da mídia que acaba atrapalhando a compreensão do público: é a tendência de querer mostrar os dois lados de uma questão simplesmente citando as afirmações das partes envolvidas, mesmo que uma delas claramente esteja mentindo. ‘Um dos motivos pelos quais o governo tem conseguido, por exemplo, convencer o público americano de que existe uma relação causal entre Saddam Hussein e os atentados de 11 de setembro, tem sido a tendência da imprensa de apresentar os dois lados de cada assunto, sem ligar para quão falso seja um deles. A imprensa muitas vezes adota um crédulo ‘ele disse, ela disse’, em vez de investigar o teor de verdade das afirmações e colocá-las num contexto quando as publica. Isso não é imparcialidade. É apenas a abdicação da responsabilidade de fazer uma abordagem honesta dos fatos’, escreve o leitor.
Getler acredita que essa constatação não se aplica à matéria de Dana e VandeHei, mas observa que o momento atual é, até onde alcança sua memória, aquele em que a mídia teve maior necessidade de questionar afirmações, já que todos os argumentos usados para fazer a guerra no Iraque se mostraram, até então, incorretos.