Em sua coluna de 30/5/04, o ombudsman do Washington Post, Michael Getler, comenta o que chama de ‘efeito megafone’, a prática dos jornais de noticiar algo que está marcado para acontecer com alguns dias de antecedência e depois fazer outra matéria quando o evento já ocorreu, repetindo basicamente as mesmas informações já publicadas. O ombudsman observa que não vê nada de muito errado nisso, mas que, freqüentemente, o procedimento pode fazer com que algo rotineiro e de pouca importância acabe ganhando mais destaque do que normalmente mereceria.
Getler localizou duas ocasiões em que o Post serviu de megafone nos últimos dias. Em 20/5, o diário noticiou que o presidente George W. Bush passaria a fazer discursos semanais sobre o Iraque até o país ganhar autonomia política, no fim de junho, começando naquela semana. Três dias depois, nova reportagem explicava a medida de Bush, que visava tirar a atenção dos problemas enfrentados pelas forças de ocupação para salientar o futuro do Iraque após a passagem do poder a seu povo.
Nos dois textos foram citados altos funcionários não-identificados do governo, o que irritou alguns leitores, que apontaram que o Post diz ter uma política para evitar esse tipo de fonte sempre que possível. Após o primeiro discurso acontecer, saiu nova matéria, agora descrevendo o que de fato foi dito pelo presidente.
Foram três textos em posições de destaque para um evento que todo mundo já sabia que iria acontecer e que não teve nada de especial. Pior que isso: Getler destaca que um artigo analítico publicado pelo próprio Post afirmava que a fala de Bush deixou a desejar, pois não respondeu a questões cruciais.
No dia 26/5, o Post publicou matéria em que dava a entender que sete agentes da Al Qaeda estariam infiltrados nos EUA com a intenção de fazer um ataque terrorista que afetasse a eleição presidencial americana. O procurador-geral John Ashcroft e o diretor do FBI Robert Mueller III fariam uma coletiva de imprensa na tarde daquele dia para explicar a situação.
No dia seguinte, uma reportagem sobre a coletiva repetia as mesmas informações, explicando que o serviço de inteligência não sabia se os terroristas estavam mesmo em território americano. No entanto, a primeira matéria rendeu ao secretário de Segurança Doméstica Tom Ridge presença em quatro programas de TV, em que diminuiu o tom alarmante da notícia do Post. ‘Não há absolutamente nada específico o suficiente para que façamos ao presidente a recomendação de elevar o nível de ameaça’, disse, no ar.
Leitores escreveram ao Post descrevendo a coletiva de Ashcroft e Mueller como ‘tática do medo’ e questionando a necessidade de o diário ter dado duas notas a respeito, ambas em primeira página.