Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os impactos da informação nas relações sociais

Diante das constantes verificações de influências recíprocas entre o direito e a comunicação, surge a questão de mensurar quão importante tem sido o papel das novas mídias informacionais nas relações jurídicas estabelecidas na sociedade atual. O direito tem se tornado, cada vez mais, espaço de deliberação democrática, ao menos no que tange ao aspecto informacional, e isso vem ocorrendo a partir da facilitação do acesso à informação judicial, que outrora ficava restrita aos iniciados nos meios jurídicos. Por outro lado, a mídia vem tornando-se cada vez mais fator de impacto nas decisões judiciais, diante da repercussão que pode ser gerada a partir da ampla divulgação de processos judiciais e de seus trâmites.

Nesse contexto, a proposta do presente trabalho é analisar o uso de novas tecnologias de informação e seus impactos nas relações sociais e jurídicas. Para entender melhor como se dá este envolvimento, buscou-se na doutrina estudos que apontam como a força midiática influencia o andamento dos processos judiciais e o dia-a-dia dos cidadãos que dela são consumidores.

Esta busca justifica-se pelo fato de a temática estar relacionada diretamente aos processos constantes de mutação social, dos quais as relações comunicacionais são parte indissociável. Trazer o problema ao campo acadêmico, por si só, já é fator de relevo do trabalho, no entanto, alguns apontamentos serão realizados no sentido de demonstrar os pontos positivos e negativos ocorridos na delicada relação entabulada entre o direito e a comunicação, a fim de evidenciar quão intrincada encontra-se tal relação no contexto atual.

Impacto social das mídias

Não se pode pensar o direito ignorando o contexto social no qual está inserido. Diante disso, é necessário o reconhecimento de que o direito está inserido no contexto da globalização e da tecnologia, com seus pontos positivos e negativos, sob influência das mídias (DUARTE, 2004, p. 25). A comunicação de massa (FADUL, 1993) é característica indissociável das sociedades de massa, processo que teve início em meados do século 19 e se intensificou no século 20, determinando profundas mudanças socioeconômicas, políticas e culturais [“A partir daí, a aceleração do desenvolvimento tecnológico deu origem às novas tecnologias que, a cada dia que passa, introduzem novas formas de comunicação, tais como: a TV a cabo, via satélite, o videocassete, a TV de alta definição, o compact-disc etc.” (FADUL, 2003, p. 57)].

A palavra mídia, oriunda do termo inglês media, significa meio. E meio pode ter duas definições: a) veículo para transmissão de alguma coisa; b) centro, ponto de equilíbrio entre dois extremos. A partir do conceito de mídia enquanto veículo, pode-se afirmar que o papel dela é organizar, produzir e disseminar informações que possam servir para a compreensão e/ou transformação de determinados fatos sociais. Por outro lado, tomando como base a ideia de mídia como centro, pode-se imaginar que ela cumpre a função de difusora do equilíbrio.

Assim, a mídia é um veículo, um meio, que pode contribuir para o equilíbrio entre as diversas partes que compõem a sociedade, através da difusão da informação. Daí, o que se pode esperar da mídia é uma contribuição para a promoção do diálogo.

“Não muito tempo atrás, no final dos anos 80 e início dos anos 90, intelectuais acadêmicos ainda não utilizavam o termo mídia no Brasil. A palavra ainda era de uso restrito dos publicitários e jornalistas para se referirem à divulgação que uma informação recebia nos meios de comunicação. Até os anos 80 os termos da moda intelectual eram meios de massa, cultura de massa, indústria cultural e com menos frequência tecnologias da comunicação. Essas expressões eram traduções das expressões correspondentes em inglês mass media e massculture. Quanto à indústria cultural, por questões políticas, este conceito foi muito mais popularizado na América Latina do que nos Estados Unidos e Europa Central. Se lançarmos um olhar retrospectivo para cá, essa perspectiva temporal de mais de 20 anos nos permite perceber que não foi casual a gradativa substituição de todas essas expressões anteriores por um termo genérico e bastante vago como é o termo mídia.“ (SANTAELLA, 2006)

Ao dar visibilidade a fatos do dia-a-dia, a mídia influencia a opinião das pessoas.

“Para muitos, a ação midiática é responsável mesmo pela implementação de novas racionalidades e formas de pensamento, com influência na própria produção de sentido e percepção moral, promovendo, assim, alterações profundas de caráter ético, estético e ideológico” (DUARTE, 2004, p. 25).

Para Thompson, “o conhecimento que nós temos dos fatos que acontecem além do nosso meio imediato é, em grande parte, derivado de nossa recepção das formas simbólicas mediadas pela mídia” (1995, p. 285).

No caso da informação repassada pelas mídias, é importante questionar sobre a mecânica de construção do sentido, sobre a natureza do saber que é transmitido e sobre o efeito de verdade que pode produzir no receptor (CHARAUDEAU, 2006, p.40). Olhando por esse prisma, é impossível prender a informação sob a égide da fidelidade, aos fatos ou a uma fonte de informação. Para Charaudeau, estaria a informação não isenta à transparência, à neutralidade ou à factualidade.

Para Santaella (2003), já está se tornando lugar-comum afirmar que as novas tecnologias da informação e comunicação estão provocando mudanças significativas não apenas nas formas de entretenimento e do lazer, mas potencialmente em todas as esferas da sociedade — o trabalho, o gerenciamento político, as atividades militares e policiais, o consumo, a comunicação e, por fim, a educação. “O desenvolvimento estratégico das tecnologias da informática e comunicação terá, então, reverberações por toda a estrutura social das sociedades capitalistas avançadas” (SANTAELLA, 2003, p. 23).

O direito sob influência das mídias

Diante dessa realidade midiática, o direito vem sofrendo influências múltiplas ocorridas por essa abertura informacional, que podem ser mensuradas a partir de alguns exemplos concretos vivenciados no estado do Pará.

** Caso Estado-Bruna vs. Lutier Gomes Sampaio (2005)

[o sistema de referências a casos será adotado aqui tal como na construção referencial estadunidense, no qual são citados os nomes dos litigantes e em seguida o ano do fato, a fim de facilitar a leitura e a compreensão daqueles menos iniciados no campo jurídico]

O primeiro caso interessante chocou a opinião pública do estado do Pará, diante de crime cometido com ampla brutalidade, que ocasionou a morte da menina Bruna, uma jovem de apenas 15 anos. Bruna foi sequestrada, abusada sexualmente e assassinada pelo técnico de informática Marcelo Lutier Gomes Sampaio, que a adolescente conhecera em uma sala de bate-papo na Internet. Depois de morta, a jovem teve o seu corpo depositado na lixeira de um supermercado da capital paraense.

O tratamento dispensado ao crime esteve sempre envolto em um clima de mistério e misticismo, principalmente após o surgimento da personagem conhecida como “Anjo Vingador” — codinome usado na Internet pelo assassino da jovem. Para Corrêa e Oliveira (2008), ”a cobertura [do crime] foi construída numa linguagem peculiar e de cunho popular, notadamente marcada pelo uso de termos advindos da oralidade como gírias, clichês e adjetivações” (2008, p. 51). Percebe-se que a construção de ideias e noções arraigadas no senso comum propicia a estruturação de diversas generalizações, as quais podem induzir ao preconceito ou estereotipia [baseando-se apenas em suposições, pois as investigações mal tinham começado, um jornal da cidade afirmou que a jovem foi morta em um ritual de magia negra o que, inevitavelmente, despertou a atenção dos leitores].

Grande parte dos textos recorre, ainda, à estrutura narrativa semelhante a do conto — com caracterização de personagens, descrição de emoções, pontos de tensão e suspense. Os itens essencialmente jornalísticos, como títulos, subtítulos e legendas de fotos não fogem ao discurso de caráter popular. Conferem às notícias tons de sarcasmo, humor, deboche e ironia que acabam por permitir a qualificação do jornal como “sensacionalista” [capa do jornal Diário do Pará, em 30 de setembro de 2005].

Em poucas matérias se fala da questão da família da adolescente morta, como se essa jovem fosse alienada, sem raízes, sem relações primárias, sem sentimentos e afetos. Em suma, o jornal em nenhum momento fez menção ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA [na ocasião do crime, o ECA (lei 8.069/90) já era fonte bastante difundida como referência para crimes de natureza diversa praticados contra crianças e adolescentes mesmo sem nele constar os dispositivos atuais que tratam dos crimes na Internet como, por exemplo, a corrupção de menores em salas de bate-papo. No tocante a esta questão, vale destacar que a Lei Federal 11.829, de 2008, atualizou e alterou alguns dispositivos do ECA. In casu, modificou a estrutura e conceituação legal do dispositivo passando a prever penas mais severas para alguns crimes contra crianças e adolescentes que envolvem produção e divulgação de imagens de menores em cenas de sexo explícito. No mesmo sentido, a Lei 12.015, de 2009, revogou a Lei 2.252/54 que tratava da corrupção de menores e inseriu no Estatuto o artigo 244-B com o mesmo teor proibitivo. Os parágrafos 1º e 2º do novo artigo passaram a atender questões pertinentes da atual sociedade informatizada. Expressa a nova redação dos mesmos, respectivamente, que “Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet” e que “as penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º" da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (ECA, Art. 244-B, p. 1º e 2º)].

A publicação das fotos da necropsia do corpo da Bruna merece atenção neste debate. O estudo da doutrina nos mostra que a publicação de imagens chocantes e brutais dá ensejo à indenização por danos morais à família atingida de forma reflexa, podendo esta pleitear em nome próprio a defesa de respeito ao morto [não há conhecimento de que houve manifestação no sentido de reparação por parte da família da estudante contra o jornal].

Neste sentido, o direito à imagem é direito autônomo e independente elencado entre os direitos fundamentais, sendo este protegido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X. O Código Civil, em seu art. 20, também prevê normas quanto à divulgação, transmissão, publicação e utilização da imagem de uma pessoa. Diz o mesmo dispositivo, em seu parágrafo único, que “em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.

Quanto ao caso Bruna, em que houve exposição massificada do corpo da jovem e exploração midiática do crime, sem resultar em ação na Justiça com o objetivo de reparação por eventuais danos causados à imagem do morto, há na jurisprudência decisões que apontam para a possibilidade de indenização. É o caso da 16º Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, em 2008, condenou uma jornalista e a editora responsável por um jornal da cidade de Governador Valadares a indenizarem a viúva e os dois filhos de um coronel, já falecido, em R$ 3 mil reais para cada um, por danos morais. No entendimento do tribunal, “a veiculação de informação sobre o morto feita de forma ofensiva, ridícula ou vexatória impõe o dever de indenizar [EMENTA: ação de indenização por danos morais – informação depreciativa de pessoa morta – dano por ricochete – divulgação sem autorização – excesso ao direito de informação configurado – dano moral – indenização devida – recurso provido. Os direitos da personalidade estão vinculados, inexoravelmente, à própria pessoa humana, razão pela qual são tachados de intransmissíveis. Conquanto essa premissa seja absolutamente verdadeira, os bens jurídicos protegidos por essa plêiade de direitos compreendem aspectos da pessoa vista em si mesma, como também em suas projeções e prolongamentos. A pessoa viva, portanto, pode defender — até porque dito interesse integra a própria personalidade — os direitos da personalidade da pessoa morta, desde que tenha legitimidade para tanto. Tal possibilidade resulta nas consequências negativas que, porventura, o uso ilegítimo da imagem do parente pode provocar a si e ao núcleo familiar ao qual pertence, porquanto atinge a pessoa de forma reflexa. É o que a doutrina, modernamente, chama de dano moral indireto ou dano moral por ricochete. A veiculação de informação feita de forma ofensiva, ridícula ou vexatória impõe o dever de indenizar por supostos danos morais (TJ-MG. Ação Civil – 16ª Câmara Cível, Nº Processo: 1.0105.02.064636-7/001). (Destaque posto)]”.

Há, portanto, um debate que perpassa pelo conflito de direitos fundamentais, quais sejam o de livre manifestação da informação e o da inviolabilidade da personalidade humana. Sobre o tema, ensina Rodrigues que o abuso de direito ocorre quando o agente, ao atuar segundo as prerrogativas a ele concedidas, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo, causa dano a outro (1997, p. 314).

Embora se tenha que a personalidade jurídica finda com a morte da pessoa natural, a dignidade “engloba em si todos os direitos fundamentais, quer sejam os individuais clássicos quer sejam os de fundo econômico e social” (BASTOS; MARTINS, 2005, p. 425). Na mesma linha, a doutrina ensina que “o direito ao cadáver diz respeito ao próprio defunto, a sua imagem, a sua memória, pois em certas ocasiões podem ocorrer atentados contra a memória do morto” (GANGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 162).

** Caso Ministério Público do Estado do Pará vs. Jornais de Grande Circulação da Capital (2008)

Na mesma linha da exposição anterior, vale mencionar a decisão da 4ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Pará que, em 2008, estabeleceu multa de R$ 5 mil reais aos veículos de comunicação (Diário do Pará, Amazônia Jornal e O Liberal) que descumprirem a proibição de publicar fotos e imagens de pessoas vítimas de acidentes ou mortes brutais sem qualquer conteúdo jornalístico [AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DIFUSO. LIBERDADE DE IMPRENSA. LIMITES. EXPOSIÇÃO EM JORNAIS IMPRESSOS DE FOTOGRAFIAS E IMAGENS EM DESTAQUES DE PESSOAS VÍTIMAS DE ACIDENTES, ASSASSINADAS E DEMAIS MORTES BRUTAIS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE, DA HONRA E DA IMAGEM. INFRINGÊNCIA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESRESPEITO AOS MORTOS. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, IV, V, IX, X, XII E XIV C/C O ART. 220, § 1º, DA CARTA MAGNA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. MULTA DIÁRIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. Como direito constitucional que é, assim como qualquer outro, não se mostra absoluto o direito de liberdade de imprensa. Ele encontra suas fronteiras quando se depara com outro direito existente no ordenamento constitucional, mais precisamente quando está por adentrar no espaço reservado à intimidade e à dignidade da pessoa humana. II. In casu, há aparente conflito de direitos fundamentais, quais sejam o de livre manifestação e o da inviolabilidade da esfera íntima (art. 5º, X do CF), quando, no foco, encontra-se a liberdade de imprensa. Se, por um lado, é garantido aos meios de comunicação noticiar acontecimentos e expressar opiniões, por outro, não podemos olvidar o direito dos cidadãos à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem. III. No exercício da liberdade de imprensa, mister a observância dos direitos elencados nos incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º da Constituição Federal. Dentre esses se encontra o direito à inviolabilidade da imagem, da honra e da intimidade. IV. No caso, mostra-se evidente que, a pretexto da liberdade de imprensa exercida pelos veículos de comunicação das empresas agravadas, ocorre inquestionável violação ou achatamento do que se convencionou denominar de dignidade da pessoa humana, especialmente, ao se expor sem o menor cuidado corpos de pessoas mutiladas, assassinadas, linchadas, etc., inclusive, exibindo à opinião pública o sofrimento dos seus familiares. V. Recurso conhecido e parcialmente provido para impor às empresas agravadas a obrigação de não fazer representada pela proibição imediata da utilização, nos jornais de suas responsabilidades, de fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais e demais imagens que não se coadunem com a preservação da dignidade da pessoa humana e do respeito aos mortos, evitando-se, com isso, a utilização de imagens chocantes e brutais, sem qualquer conteúdo jornalístico, mas com intuito meramente comercial (TJ-PA. Ação Civil Pública – 4ª Câmara Cível Isolada. Agravo de Instrumento, N° 20083011863-1)].

Nesse caso, com o intuito de obter clientela para os jornais, os produtores da notícia estavam estampando na capa e contra capa dos jornais fotos explícitas de cenas de crimes, nos quais os cadáveres apareciam de forma crua, servindo a vítima como chamariz de notícia. Na decisão do Tribunal de Justiça, prevaleceu o entendimento de que a exposição realizada pelos jornais feria o direito de personalidade dos falecidos e seus familiares. Não obstante, a situação desse caso é complexa, diante do confronto entre o direito à intimidade e o direito à informação, merecendo análise jurídica profunda, diante do contexto social atual.

Com isso, pode-se inferir que o produtor da norma legislativa e seu intérprete são seres integrantes do universo midiático, ou seja, são “herdeiros de uma nova filosofia da consciência, agora mutável e interativa com a produção cultural global” (DUARTE, 2004, p. 41). Isso quer dizer que é praticamente impossível desconsiderar a visão individual do julgador e de seu arcabouço de valores no ato de julgar.

Se por um lado os processos midiáticos alteram comportamentos e a compreensão da realidade, por outro podem converter em natural aquilo que é cultural. Desse modo, a força midiática e sua construção de mitos “propõe papéis a serem adotados e estimula a produção de novos costumes, que se transformam em consenso influenciando a norma legislativa e o próprio julgador” (DUARTE, 2004, p. 42).

Ao longo das últimas décadas, a rapidez cada vez mais característica do mundo globalizado tem difundido variados meios comunicacionais que também necessitam de atenção do judiciário brasileiro — como é o caso da crescente ocorrência de crimes eletrônicos [segundo dados do Centro de Estudos, Respostas e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, o número total de notificações de incidentes no primeiro trimestre de 2011 chegou próximo a 91 mil, o que corresponde a um aumento de quase 118% em relação ao trimestre anterior e de 220% em relação ao mesmo período de 2010. A alta das notificações está relacionada ao crescimento de tentativas de golpes pela Internet, falsificação de páginas de banco e sites de comércio eletrônico, dentre outras modalidades de crimes. O relatório completo pode ser acessado no site da entidade na Internet. Disponível aqui. Acesso em 05.05.2011].

A ausência de legislação que discipline tais relações não quer dizer que tudo seja permitido, entretanto, é fato que isso propicia práticas de abusos e ilicitudes cada vez mais recorrentes na atualidade. Segundo Streck (apud DUARTE, 2004, p. 34), não existe mais espaço na hermenêutica jurídica moderna para interpretações apenas objetificantes que virem as costas a uma visão crítica e interpretativa da realidade, porque o intérprete não está isolado de sua pré-cognição da realidade. Desse modo, urge como necessidade compreender a realidade dinâmica frente às lacunas existentes no ordenamento normativo positivado.

Necessidade de reinvenção do direito

Dada essa nova realidade informacional, surge uma nova ordem social, capaz de tornar obsoleta a já existente que praticamente tem obrigado o Estado a redefinir seu papel (ARAGÃO, 2002, p. 68). Surgem novas demandas, novas lides, e o Estado, como instituição responsável pela administração da sociedade, precisa dar uma resposta rápida às demandas na mesma velocidade que elas surgem.

Para Castells (2003, p. 50), a revolução da tecnologia da informação foi primordial para um importante processo de releitura do capitalismo a partir da década de 1980. Considera que o modelo keynesiano de crescimento, que levou prosperidade econômica e estabilidade social à maior parte das economias de mercado no pós-guerra, atingiu suas próprias limitações sob a forma de inflação desordenada.

Para Alves,

“é de se reconhecer que o Direito, como mediador dessas relações, tem de haver-se com duas situações: encontrar parâmetros para normatizar circunstâncias inéditas referentes à informática e incorporar essa tecnologia na rotina de seus procedimentos como elemento útil na resolução de algumas questões (2002)”.

O Poder Judiciário brasileiro adaptou-se às inovações tecnológicas e a difusão das tecnologias de informação e comunicação, ampliando o acesso à informação e a princípios basilares do poder público como o princípio da publicidade e eficiência. Foi neste contexto que o processo eletrônico virou uma realidade no país graças à edição da lei 11.419/2006, que disciplina a informatização do processo judicial. A citada lei autoriza que toda forma de comunicação possa ser feita por meios eletrônicos, facultando aos órgãos do Poder Judiciário informatizar integralmente o processo judicial para torná-lo acessível pela rede mundial de computadores. Tal lei engloba a executoriedade, a abrangência e a segurança jurídica, além de nortear todos os mecanismos que atualizam o processamento eletrônico.

Desse modo, o processo virtual apresenta vantagens em termos de maior agilidade, transparência e acessibilidade, além da segurança jurídica, pois elimina o uso do papel. Pode-se citar como vantagens do processo eletrônico a dilatação das atividades forenses, como o peticionamento eletrônico, que não mais termina às 20h como estabelecido no Código de Processo Civil de 1973, mas até às 24h do dia, sendo comprovado o peticionamento por meio de um protocolo passível de certificação digital, conforme o art.3º da referida lei. Atualmente, garante-se também, no art.5º, a intimação por meio eletrônico, método empregado para a realização de comunicação eletrônica de atos processuais mediante realização de cadastro no portal do tribunal, dispensando qualquer outra forma de comunicação, seja a realizada por publicação em órgão oficial impresso ou em Diário da Justiça eletrônico ou mesmo qualquer forma de intimação pessoal convencional.

Desde 2008, em consonância às novas tendências, o TJ-PA mantém ativo o Processo Judicial Digital – Projudi [oProjudi é um software de computador que somente é utilizado via Internet que permite a completa substituição do papel por autos processuais digitais. Foi instituído pela Lei 11.419/06 que dispõe sobre a informatização do processo judicial e pela Resolução Nº 005/08-GP que trata da implantação e estabelecimento de normas para o funcionamento do mesmo pelo Poder Judiciário do Pará. Pode ser acessado aqui], também chamado de processo virtual ou de processo eletrônico, que reproduz todo o procedimento judicial em meio eletrônico, substituindo o registro dos atos processuais realizados no papel por armazenamento e manipulação dos autos em meio digital. O Projudi é mantido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e está em franca expansão em todas as unidades da federação. Atualmente, de acordo com o CNJ, 19 dos 27 estados brasileiros aderiram ao sistema [Com a completa informatização da justiça brasileira, o CNJ busca retirar a burocracia dos atos processuais, possibilitar o acesso imediato aos processos e melhorar o desempenho das funções próprias de cada usuário. Maiores detalhes aqui].

Em suma, pode-se admitir que o processo assim automatizado, além de ser positivo aos interesses da administração da justiça, tem o intuito de facilitar a atividade forense. De qualquer modo, além de reduzir custos para os tribunais, economiza o uso de papel e não deteriora o meio ambiente, além de contribuir para a celeridade dos trabalhos dos tribunais.

O Judiciário, como se vê, está dispensando esforços para adequar a sua estrutura à nova realidade tecnológica e informacional. Isso, contudo, não possui impacto direto no papel do juiz avaliador/julgador na nova realidade social imposta pela mídia, vez que ainda continua a insegurança jurídica quanto aos rumos que o Judiciário tomará na solução de casos complexos envolvendo os meios de comunicação e a garantia de direitos fundamentais individuais e coletivos.

Carece o Estado de legislação específica, mas carece mais ainda de juristas sensibilizados a essa realidade contemporânea, que requer compreensão não apenas do impacto individual que o (mau) uso da tecnologia informacional pode gerar, mas acima de tudo o impacto coletivo trazido pela informação irresponsável.

O jurista do século 21 precisa perceber a velocidade da informação, o tempo da sua difusão, e atuar para evitar que os prejuízos advindos da mídia mal elaborada possam se concretizar. É impossível pensar apenas na repressão às atitudes midiáticas ilícitas, mas também deve haver muita cautela na prevenção, a fim de impedir que atos de censura prévia sejam aplicados, impedindo assim a boa informação à sociedade.

Considerações finais

Eis um novo tempo, um tempo caracterizado por uma realidade social cada vez mais dinâmica, tecnológica e globalizada. Tudo mais rápido, prático e ao alcance de uma tecla.

A relação cada vez mais inevitável da tecnologia com os demais campos do conhecimento, como o direito, pode apresentar altos e baixos como foi visto neste trabalho. Se por um lado pode render iniciativas positivas, como no processo virtual [Resolução 121, publicada no DJ-e nº 187/2010 em 11.10.2010. Além de disciplinar o acesso a dados de processos pela Internet, respeitados os limites legais, ficou expresso, no caso da Justiça do Trabalho, que a consulta restringe-se ao número atual ou anterior do processo, inclusive, em outros juízos ou instâncias. A resolução determina ainda que “a disponibilização de consultas às bases de decisões judiciais impedirá, quando possível, a busca pelo nome das partes”], por outro pode ocasionar problemas como o crescimento descontrolado de crimes virtuais e o tratamento inadequado das informações.

Neste contexto, “deixa-se ao alvedrio do julgador a sua interpretação, que se vale de conhecimentos técnicos próprios e do direito comparado para decidir” sobre temas ainda não regulamentados (PAIVA, 2007), necessitando de estudo profundo das técnicas jurídicas, porém mais ainda do contexto social e tecnológico que lhe cerca, a fim de adaptar o direito à nova realidade informacional.

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[Alexandre Diogo Barroso Franco, Andrei Augusto Protázio Corrêa, Arthur Laércio Homci, Bruna Tayane Costa Farinha, Camilly dos Santos Souza, Dayvid Campos Ferreira e Elaine Rabelo Lima são, respectivamente, bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Pará – UFPA e acadêmico do Curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama; bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Pará – UFPA e acadêmico do curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama; mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará – UFPA, advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Universidade da Amazônia – Unama e do Centro Universitário do Pará – Cesupa; acadêmica do curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama; acadêmica do curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama; pós-graduado em Docência da Educação Superior pela Universidade do Estado do Pará – UEPA, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará – UFPA e acadêmico do curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama; e acadêmica do curso de Direito da Universidade da Amazônia – Unama]