Diversos dias antes da publicação de matéria de capa sobre a possibilidade de John W. Hinckley Jr – que atirou em Ronald Reagan em 1981, quando o presidente deixava um compromisso público – sair de uma instituição mental, o Washington Post tentou conseguir uma foto atualizada dele. A tarefa coube ao veterano fotojornalista Gerald Martineau, que foi ao Hospital St. Elizabeths, em Washington, onde Hinckley vive há 28 anos.
Martineau entrou no local por meio de um portão de segurança, mostrando sua identidade, mas não foi questionado sobre sua ocupação ou muito menos para quem trabalhava. Ele passou por duas placas grandes que diziam não serem permitidas câmeras, e chegou a um estacionamento. Logo, avistou o homem de 54 anos alimentando gatos e começou a fotografá-lo ainda de dentro do carro.
Um segurança viu a cena e emitiu um alerta via rádio. O carro do fotógrafo foi interceptado quando ele tentava sair do hospital. Segundo os relatos da segurança do St. Elizabeths, guardas afirmaram que ele violou as regras e se recusou a mostrar as fotos e, por isso, a polícia foi chamada. Martineau foi alertado de que, caso não entregasse o cartão de memória, seria preso. O fotógrafo ligou para o jornal, a fim de pedir aconselhamento de seus superiores e do departamento jurídico. ‘No momento que ele estava prestes a ser preso, não podíamos insistir mais’, lembra o diretor de fotografia do jornal, Michel du Cille. Martineau acabou entregando o cartão de memória.
No dia seguinte, o conselheiro-geral do Departamento de Saúde Mental do Distrito, Matthew W. Caspari, enviou a Marcus Brauchli, editor-executivo do Post, uma carta de repreensão. Nela, ele escreveu que, embora Martineau tenha dito aos guardas que não havia visto as placas de proibição de câmeras, ele é um ‘fotógrafo experiente que sabia ou deveria saber que tirar fotos no local era uma violação da dignidade e privacidade de Hinckley’. O fotógrafo reforçou que entrou no hospital de maneira legal e insistiu não ter visto as placas. O Post prepara uma resposta formal à carta.
Privacidade vs. Interesse público
Segundo o ombudsman do Post, Andrew Alexander [2/5/10], organizações de mídia costumam ter dificuldades em estabelecer um limite à privacidade e ao respeito a regras. Algumas vezes, elas conscientemente violam proibições – explícitas ou implícitas – para o bem público. Há alguns anos, o editor Cille visitou o hospital militar Walter Reed com câmeras escondidas em uma bolsa de ginástica para documentar as péssimas condições do local. Ele e as repórteres Dana Priest e Anne Hull ganharam, em 2008, um Pulitzer pela matéria. Ignorar ‘demandas e restrições não justificadas para atingir um bem público maior é uma prática honrada no jornalismo americano’, diz Kenny Irby, especialista de comunicação visual do Insituto Poynter.
Hinckley é uma figura pública. Mas onde fica a linha entre o respeito à privacidade e o bem público? Alexander acredita que a resposta seja ‘discrição’. Neste caso, o homem estava no hospital. Ainda que estivesse do lado de fora, havia os sinais de ‘proibido usar câmeras’, e ele devia esperar ter privacidade. Por vezes, Hinkley deixa o hospital para viagens ou saídas autorizadas, como para comprar comida de gato ou visitar sua mãe – como o próprio jornal relatou na matéria. O Post deveria, na opinião do ombudsman, ter esperado uma destas saídas.