Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os problemas de artigos científicos em revistas

Um artigo publicado no dia 29/8 na revista de domingo do New York Times, escrito pelo linguista Guy Deutscher, pareceu fascinar os leitores, chegando rapidamente ao topo da lista dos mais enviados por email e ficando lá por dias, observou, em sua coluna [2/10/10], o ombudsman Arthur S. Brisbane. É fácil entender o motivo de tanta repercussão. Trata-se de uma destas matérias interessantes sobre ciência, sem dar tantos detalhes acadêmicos, que atrai a atenção do leitor. Tanta atenção acabou por gerar críticas – alguns leitores passaram a questionar a originalidade do trabalho.

O artigo – adaptado do novo livro de Deutscher – investigou modos como a língua organiza hábitos da mente e influencia a percepção, em diferentes culturas. O linguista, pesquisador honorário da Universidade de Manchester, ofereceu exemplos intrigantes nos campos de gênero, espaço e cor. Ele observou, por exemplo, que por conta da palavra ‘ponte’ser feminina na Alemanha e masculina na Espanha, ‘alemães tendem a pensar nelas como mais frágeis’, enquanto ‘espanhois atribuem às pontes mais características masculinas, como força’.

Na matéria, Deutscher citou o linguista Stephen Levinson, em uma descrição sobre o modo atípico pelo qual um grupo aborígene australiano entende a orientação espacial: tudo é falado em termos de pontos cardeais e as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ nunca são usadas. Esses aborígenes sabem, incrivelmente, todas as vezes onde estão norte, sul, leste e oeste.

Tais referências mostraram-se muito familiares a alguns acadêmicos. Eles reclamaram ao NYTimes que houve uma ‘sobreposição’ entre o artigo de Deutscher e alguns trabalhos recentes de Lera Boroditsky, professora de psicologia e pesquisadora da Universidade de Stanford. Lera escreveu dois artigos sobre o mesmo tema, um em junho de 2009 para um site e outro para o Wall Street Journal, em julho deste ano. O subeditor da revista do NYTimes, Alexander Star, que encomendou e editou o artigo, disse que ele e Deutscher discutiram as críticas, mas não as levaram em conta porque sabiam que ‘não havia nada adverso’ sobre como editaram a matéria. Star afirmou que não leu nada de Lera antes de publicar o artigo de Deutscher.

Plágio ou falta de citação?

As reclamações, no entanto, persistiram, incluindo em comentários em blogs. No dia 11/9, a própria Lera escreveu para o ombudsman para alegar que o linguista devia ter dado crédito a ela e que o artigo tinha uma ‘escala inaceitável de ‘empréstimo’’. A essência de sua reclamação é que o artigo de Deutscher focou nas mesmas áreas estudadas por ela – gênero, espaço e cor – e usou exemplos semelhantes. Deutscher defendeu seu trabalho. Ele alegou que não leu os artigos de Lera antes de produzir uma adaptação do livro para o NYTimes. Alguns exemplos foram retirados de intensa pesquisa de outros e ele creditou alguns deles – e indagou por que Lera não fez o mesmo.

Michael Silverstein, professor de antropologia, linguística e psicologia da Universidade de Chicago, afirmou que os temas já foram bastante estudados por pesquisadores e, portanto, cada nova contribuição agrega um pouco mais de informação às antigas. Para Brisbane, o problema foi jornalístico. As regras para atribuição e crédito na academia são bem estabelecidas, rígidas e bem entendidas. No jornalismo, por sua vez, não há um código formal para citar trabalhos acadêmicos. Artigos de revistas, em particular, devem fluir mais levemente, e nada mata mais uma frase que dar crédito constante a pesquisadores. A sugestão do ombudsman seria usar o site do jornal para colocar links, citações e outras informações que não têm espaço na versão impressa.