‘A Globo pratica um modelo de telejornalismo, consagrado pelas grandes redes americanas e européias, que requer uma estrutura de dimensão planetária com repórteres, cinegrafistas e retaguarda de produção espalhados pelo mundo – além, é claro, dos serviços local e nacional. Custa mais que o dobro de todo o orçamento anual da Fundação Padre Anchieta. Outras redes brasileiras, como o SBT, a Record e a Bandeirantes, com orçamentos bem mais modestos, caíram na armadilha de seguir o padrão global e fazem o que podem. Como podem menos, fazem menos.
Só há uma TV no Brasil potencialmente apta a oferecer, no jornalismo, uma alternativa de qualidade ao modelo vigente: a TV Cultura. É imperdoável que não o faça.
Num esforço louvável, os profissionais da Cultura consumiram mais de cinco anos de discussões internas para criar o ‘jornalismo público’, mas o fruto do debate resumiu-se a um guia de princípios. É bom ter princípios, mas não é suficiente. O bom jornalismo requer, antes de tudo, bons jornalistas. Requer inteligência, experiência, agilidade, acuidade, criatividade, conhecimento específico do meio TV, equipamento e muita, muita disposição para o trabalho (como quase tudo na vida, jornalismo também se faz com dez por cento de inspiração e noventa por cento de transpiração, sobretudo quando os recursos são escassos).
A mudança em curso no comando do jornalismo da Cultura acontece no momento em que ele está sem rumo. A julgar pelo principal produto da casa, o Jornal da Cultura, o que se vê é o fundo do poço. Isso até pode ter um lado bom, por dois motivos: primeiro, não tem como piorar; segundo, tem tudo a ser feito, começando praticamente do zero.
Um bom telejornal não pode ignorar os melhores assuntos do dia. Mas o modelo global, que privilegia a maior abordagem possível de temas, resulta no que chamo de fast news. Assim são todos os que seguem esse modelo e assim não deve ser o nosso JC. O acúmulo de reportagens e de notícias ligeiras é caríssimo e não aprofunda nada. O nicho que está aí para a Cultura preencher é exatamente o da explicação dos fatos, supondo-se que ela eleja alguns, ou pelo menos um, por dia, para dissecar o assunto.
Ora, essa estratégia cai no vazio quando nem ao menos o fato é registrado. Foi o que aconteceu dia 29 de agosto, segunda-feira. O Jornal da Cultura sequer mencionou dois acontecimentos que os outros telejornais cobriram: a campanha do Instituto Nacional do Câncer no dia internacional de combate ao fumo e a entrevista coletiva do legista Carlos Delmonte sobre o laudo a respeito do assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel. O legista afirma que Celso Daniel foi torturado, o que afasta a hipótese de ‘crime comum’ sustentada pelas autoridades. Ou seja, o ex-prefeito não foi executado por meliantes ‘comuns’, mas por desafetos, por inimigos – ou a mando destes. Como os telejornais passaram superficialmente pelo assunto, caberia à Cultura ir a fundo, mas ela se omitiu.
Perguntei ao diretor interino de jornalismo da TV Cultura, Pola Galé, o porquê dessas duas omissões. Os fatos, previsíveis, foram desprezados pela pauta, e portanto as matérias nem chegaram a ser realizadas, ou até foram feitas, mas sobraram no fechamento da edição do jornal?
A resposta do diretor contempla as duas hipóteses. A coletiva do legista teve matéria no Diário Paulista, o jornal da hora do almoço, mas não emplacou no JC; e a campanha anti-tabagismo nem foi pautada.
Minha opinião é que ambos os temas deveriam estar no principal jornal da casa. E que um deles poderia até transformar-se no assunto do dia a ser desenvolvido no tal aprofundamento que se propõe como receita para o JC. O legista Delmonte entrou em rota de colisão com a cúpula da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo e chegou a declarar, na coletiva, que depois do laudo foi rebaixado de posto. Ele pertence à polícia científica, que em São Paulo é independente da civil e da militar. Estranhamente, quem estava ao seu lado na coletiva era o chefe da civil, o delegado-geral Marco Antonio Desgualdo, e não o seu superior hierárquico, o diretor da científica.
O Jornal da Cultura poderia ter levado Delmonte e até o secretário da Segurança para o estúdio, para serem entrevistados pelo jornalista Renato Lombardi, o comentarista da Cultura especializado em assuntos de Segurança. Lombardi conhece todos os meandros do caso Celso Daniel, razão pela qual a sua participação teria sido valiosa. Mas o JC não levou ninguém para o estúdio e, o que é pior, sequer abordou o assunto. E não foi por falta de tempo, pois o jornal dedicou preciosos minutos a questões internas do Corinthians e, no encerramento, a uma inusitada performance dos cartunistas Paulo e Chico Caruso cantando paródia no Salão de Humor de Piracicaba.’
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‘Jornalismo chapa branca’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 2/9/05.
‘O jornalismo chapa branca não é apenas aquele sempre disposto a exaltar as virtudes e as realizações do(s) governo(s). É também aquele pautado pelo(s) governo(s). Só se movimenta quando alguma autoridade se move. Só cobre os acontecimentos oficiais. Só divulga as versões oficiais. É espantoso constatar a chapabranquice do jornalismo diante da tragédia de Nova Orleans. Enquanto Bush perdia valiosas 72 horas para começar a tomar providências, a cobertura da imprensa tratou a tragédia como uma simples inundação. Parece que ninguém acreditava simplesmente no que via, precisava alguma autoridade ‘confirmar’. Pressionado, Bush passou a agir – e só então o jornalismo foi atrás. Com as exceções de praxe, o telejornalismo ficou devendo. Esse assunto vai-se arrastar pelas próximas semanas, talvez meses.’
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‘Erro de avaliação’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 2/9/05.
‘O jornalismo da Cultura precisa fazer alguma coisa para recuperar o assunto mais importante e mais sub-avaliado do momento: a tragédia de Nova Orleans. As redes americanas só agora dão o destaque merecido. A exceção é a CNN, secundada pela BBC. No Brasil, a Globo sequer deslocou seu pessoal de Nova York para o sul, como fez a Record. As demais redes brasileiras usam mal o material das agências. A inundação de Nova Orleans é uma tragédia americana de proporções maiores que a destruição das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, embora sem o espetáculo televisivo do ataque filmado ao vivo. Nova Orleans é a capital musical dos Estados Unidos. É uma cidade importante e pode sumir do mapa. O número de mortos pode passar de dez mil. O que os pauteiros, editores e chefias estão esperando?’
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‘Anos Incríveis volta em outubro’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 1/9/05.
‘Desde o movimento pró Caillou não se via tanto alvoroço. Recebi mais de uma centena de e-mails em três dias sobre a série Anos Incríveis, a preferida dos pré e adolescentes. Algumas mensagens apelam para o lado existencial (‘como eu vou viver sem os Anos Incríveis?’), outras para ameaças do tipo ‘se tirarem do ar, nunca mais vejo a Cultura’! Calma, pessoal. Encaminhei todas as preocupações para o diretor de programação, Mauro Garcia, que informa: a série volta em outubro e os episódios terão uma hora de duração. Aliás, as chamadas já estão no ar.’