Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Osvaldo Martins

‘Em meu primeiro comentário nesta página, em 23 de setembro de 2004, explicitei o que me parecia e o que não me parecia ser a função de ombudsman. Afirmei, então: não sou crítico de TV e não estou aqui para catar pêlo em ovo. Entendo essa função, pioneira na televisão brasileira, como uma contribuição a mais no amplo debate acerca do papel da TV pública em um país como o Brasil. Com o compromisso de sempre opinar a partir do ponto de vista do interesse do telespectador.

Feita a ressalva e reafirmado o compromisso, vejo-me obrigado a voltar a um tema que, sinceramente, preferia que estivesse superado: o programa Sílvia Poppovic, na TV Cultura. E volto a ele por estar convencido de que alguma coisa ali está errada – e não é a Sílvia. Ela é uma profissional de TV com larga experiência e já recebeu de mim todos os elogios de que me parece merecedora.

O problema talvez esteja no nome do programa. Se fosse ‘O Estilo de Vida de Sílvia Poppovic’ estaria perfeitamente de acordo com o seu conteúdo. Tudo que é apresentado no programa envolve a visão de mundo classe média alta de Sílvia, incluindo bom gosto e um certo glamour. Pergunto: quem está interessado no estilo de vida de Sílvia Poppovic? O telespectador da Cultura das classes C, D e E, público-alvo da emissora em sua missão de difusão do conhecimento, certamente não. O que esse público espera da sua TV pública é outro tipo de informação, mais útil para a dura batalha que trava todos os dias para ganhar e viver a vida.

O problema talvez seja a proposta, largamente anunciada, da finalidade do programa: qualidade de vida. Tomando por exemplo o último programa, da quinta-feira 5 de maio, pergunto: o que melhora a qualidade de vida de alguém uma entrevista com a atriz Bianca Rinaldi sobre a sua carreira? O que melhora a qualidade de vida de alguém conhecer ‘o que é essencial’ para o arquiteto/decorador João Armentano? Tais temas poderiam ter lugar, em outra emissora, em programa vespertino de variedades, envolvendo os que, no Brasil, passaram a ser conhecidos como ‘celebridades’ – e nada mais.

Ah!, sim, talvez o problema seja o horário do programa. Se, no lugar de ‘qualidade de vida’ a proposta fosse ‘qualquer coisa’, ou ‘jogando conversa fora’, com Sílvia Poppovic, talvez o horário das 3 da tarde fosse mais adequado. Ainda assim, pergunto: é papel da TV pública gastar energia elétrica com futilidades sem pé nem cabeça, mesmo no período vespertino?

Com uma pauta sem nexo e sem rumo, a produção do programa parece ter-se ocupado durante a semana da tarefa de caçar excentricidades. É o que fica evidente no quadro dedicado ao ‘dia das mães’, com a presença de três delas, com seus filhos, no estúdio. Pois a produção levou uma motociclista que tem 14 motos na garagem, uma ‘baladeira’ que nos embalos da noite namora jovens da idade do filho e uma numeróloga ‘zen’. Foram pinçadas, num exercício de ‘criatividade’, como exemplos de mães fora do normal. O que fica, para o telespectador, como padrão de qualidade de vida? Nada.

Mas a preferência pelo excêntrico não pára por aí. No quadro do terapeuta de animais Alexandre Rossi mostrou-se uma cacatua, de nome Lola, que destrói a casa onde vive com seu bico afiado. O terapeuta ensina a dona da cacatua (quem além dela, tem uma cacatua em casa?) como lidar com a ave para que fique mais calminha. Pergunto: para melhorar a qualidade de vida do povo deve a TV pública ensinar as pessoas como oferecer maçã a uma cacatua nervosa? Ou – como em outro quadro – explicar como se prepara um autêntico chá da tarde inglês? Ou um chá ‘mais pobre’ com geléia e manteiga?

Reitero: nada pessoal contra Sílvia e seu estilo de vida, que conheço há muitos anos, o suficiente para saber que é uma profissional séria. Mesmo assim, precisa citar a própria filha três vezes no programa, duas das quais pelo nome, Ana? Talvez a apresentadora se sinta assim tão ‘em casa’ por estar em um programa chamado Sílvia Poppovic, eventualmente exibido pela Cultura, e não em um programa da Cultura, que lhe caiba tão-somente apresentar. Personalismos à parte, para mim a questão central é outra: esse programa – com o nome que tem, no horário que ocupa, com a proposta de ‘qualidade de vida’ que apregoa e com o conteúdo fútil-caótico que apresenta – vai continuar como está?’