Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Osvaldo Martins

‘O dia 19 de agosto, sexta-feira, foi um bom teste para os telejornais. Principalmente para o Jornal do SBT, em seu quinto dia de vida, mesma idade da mexida no Jornal da Band, reformulado ante a ameaça do novo concorrente em seu horário. Os demais – Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal da Gazeta e Jornal da Cultura – mantiveram seu padrão habitual, cada qual mostrando sua força. E suas falhas.

Foi um dia de muitos acontecimentos importantes, espalhados pelo mundo. Aqui, o foco estava em Ribeirão Preto, no depoimento de Rogério Buratti ao Ministério Público, no qual acusou o ministro Antonio Palocci de receber propina quando era prefeito – mais a repercussão nos meios políticos e no mercado financeiro. Em Florianópolis, um incêndio destruiu o centenário mercado central. Na Alemanha, o papa fez uma visita histórica à sinagoga de Colonia. Em Gaza, a polícia e o exército israelense retiraram à força seus irmãos judeus do território a ser devolvido aos palestinos. Na Jordânia, a Al Quaeda lançou mísseis contra navios americanos. Nos Estados Unidos, a justiça condenou o laboratório Merck a indenizar com U$ 253 milhões a família de uma vítima do Vioxx. De quebra havia o presidente Lula em Campinas e São Paulo, Toninho da Barcelona em Curitiba e aumento do preço do gás.

Foi uma super-sexta de tirar o fôlego. A Cultura não tinha equipe em Ribeirão Preto e usou imagens da Band. Em compensação, foi a única a entrevistar o advogado Roberto Lopes Telhada, que abandonou seu cliente Buratti por discordar da estratégia da delação premiada. A Cultura foi também a única (pelo menos a pôr no ar) na tentativa de ouvir o presidente Lula. O repórter Aldo Quiroga furou o bloqueio da segurança, apresentou-se (‘TV Cultura, presidente’) e disparou: ‘O senhor conversou com o ministro Palocci?’ Lula, impávido, seguiu em frente, e a pergunta ficou parada no ar. Zero para o presidente e dez para o repórter.

Quatro jornais comentaram o episódio Buratti. Segundo Eliane Catanhêde, do SBT, ‘a crise pegou em cheio o núcleo do poder’. Na Band, Joelmir Betting falou pouco e disse menos ainda sobre o impacto da denúncia na economia. Na Globo, Arnaldo Jabor viu as duas mãos de José Dirceu segurando a frigideira aquecida para fritar Palocci. E na Cultura, Luís Nassif ofereceu uma ‘saída honrosa’ para Lula: deixar o PT, desistir da reeleição e montar um governo de coalizão.

A Globo desempatou o placar da noite graças à sua melhor estrutura, com correspondentes onde as coisas aconteciam. Em Gaza, com o repórter Marcos Losekann. E em Colonia, com a repórter Ilze Scamparini, que até entrevistou Pelé. Para variar, a Globo teve o privilégio de servir-se de imagens exclusivas do depoimento de Buratti, fornecidas pelo Ministério Público.

Observando os telejornais tem-se a impressão que os acontecimentos do dia foram atropelando a pauta elaborada no início da tarde, mas sem conseguir modificá-la totalmente. Parece que há uma certa resistência, nas redações, para alterar o espelho do jornal, como se notícia fosse um incômodo a perturbar o conforto do pré-estabelecido. Em um dia quente como o 19, a gordura pautada na hora do almoço resistiu até o jantar. Senão, vejamos: o SBT gastou preciosos minutos com matéria adiável, de Belo Horizonte, sobre a reprogramação das urnas eletrônicas para o referendo; a Band exibiu matéria de gaveta, de Nova York, sobre modelos de um produto de beleza que não são magras; a Record dedicou o seu ‘boa noite’ à suspensão do jogador Tevez; e o Jornal da Cultura, que ignorou o papa e o Vioxx, despediu-se com uma orca encalhada na Patagônia e uma entrevista de Vicente Adorno com o diretor Terry George, do filme ‘Hotel Ruanda’. Detalhe: dois minutos depois, a abertura do Metrópolis foi uma outra entrevista de outra repórter com o mesmo George, sobre o mesmo filme.

Conclusão: os telejornais estão todos muito iguais, inclusive nos erros, com o diferencial da Globo em razão do seu poderio econômico. Nesse quadro, SBT, Band e Record, que perseguem o padrão global, estão condenados a sempre levar a pior. Só a Cultura, que não deve (nem pode) perseguir aquele padrão, tem chance de ser diferente, pela simples razão de ser uma emissora pública – o que a torna especial e singular. O que a Cultura deveria fazer para sobressair e criar a sua própria identidade no telejornalismo é assunto para o nosso próximo comentário.’