Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Osvaldo Martins

‘O início de um novo ano é sempre um momento propício ao planejamento e à inovação. A direção da TV Cultura discute mudanças na grade da programação e promete novidades a partir de março, ao mesmo tempo em que negocia uma nova relação com a Rede Pública de TV, de alcance nacional. Integrante da Rede, a Cultura tem atualmente dificuldades para conciliar seus projetos com o ‘engessamento’ a que está submetida, e por isso tenta aos poucos abrir espaços para as suas iniciativas, na defesa de seus interesses e dos compromissos com o seu público. A solução em curso é a formação da Rede Cultura, com implantação até o final de 2005.

Os projetos da Cultura abrangem diversas áreas, com programas novos na faixa infantil e para jovens, inclusive esportes. Haverá também espaço para a dramaturgia, para a música, para a condição feminina, para o debate da realidade brasileira e para diversas formas de difusão do conhecimento. Tudo ainda em fase de discussão. Nenhum programa novo foi até agora ‘fechado’, com nome, formato e freqüência definitivos.

Este é, portanto, o momento ideal para a direção da Cultura definir o papel do jornalismo em sua programação. Tomando por base o Guia de Princípios elaborado pelos profissionais da casa, é hora de dar o passo seguinte. O Guia, como se sabe, não é um fim em si mesmo. Ele apenas estabelece uma conceituação ética, o que não é pouco, para orientar os compromissos do jornalismo em uma TV Pública. Foi erradamente batizado de ‘jornalismo público’, dando a entender que a discussão sobre o tema está encerrada. Não está.

Pelo contrário, o formato do jornalismo a ser praticado com base naqueles princípios é exatamente a discussão que a Cultura deverá enfrentar daqui em diante. Refiro-me principalmente aos telejornais. Por exemplo: o Diário Paulista, às 19 horas, deve ser mantido, suprimido, ou substituído por outro? O Jornal da Cultura, às 21 horas, deve permanecer nesse horário, e como está, ou deve ser reformulado?

Minha contribuição para o debate já foi manifestada várias vezes neste espaço: o Jornal da Cultura deveria aprofundar mais o principal assunto do dia, oferecendo informações adicionais às veiculadas pelas emissoras ‘comerciais’. Hoje, o Jornal da Cultura não consegue nem mesmo empatar o jogo da qualidade da informação pura e rasa, e perde feio no quesito da abordagem diferenciada. Ninguém vai dormir mais bem informado após ter visto o Jornal da Cultura.

Veja-se o exemplo da segunda-feira, 27/12, quando o assunto mais importante foi a tragédia das ondas gigantes na Índia, Sri Lanka, Tailândia, Malásia e em dezenas de ilhas do oceano Índico. O fenômeno, provocado por terremoto submarino, foi explicado por todas as emissoras com base em ilustrações de computação gráfica – menos pelo Jornal da Cultura. Este, levou para o estúdio a professora Célia Maria Fernandes, do departamento de Geofísica da USP, que tentou demonstrar com gestos a movimentação da placa indiana pressionando para cima a placa birmanesa, e com isso forçando a subida do nível do mar. O apresentador Éderson Granetto tentou ajudar, mostrando com as mãos os movimentos das ondas em direção às praias, mas de todo esse esforço resultou a frustração do mais completo primarismo em linguagem televisiva.

Note-se: a tragédia ocorreu no fim de semana, com tempo suficiente para a preparação do jornal da segunda-feira à noite. A presença da professora Célia Maria era perfeitamente justificada e pertinente, assim como a de outros especialistas, mas como apoio verbal, altamente qualificado, para as imagens – que simplesmente não foram produzidas. Esse tipo de falta de iniciativa, por incompetência ou por negligência, ou ambas, mostra que o jornalismo da Cultura ignora a importância do fator imagem, razão de um invento chamado televisão.

O vexame do dia 27 está longe de ser exceção. Lamentavelmente, ele se repete quase todas as noites, o que deveria levar a direção da Cultura, nesse momento de mudanças, a refletir sobre o papel do telejornalismo nos planos emissora. Como está é dispensável, por inútil.’

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‘Preferências sobre a Rede’, copyright TV Cultura (www.tvcultura.com.br/ombudsman), 30/12/04.

‘A programação da TV Cultura, com a participação adicional de suas futuras afiliadas regionais, é o conteúdo preferido da maior parcela (40%) dos telespectadores que opinaram na Enquete desta página, em dezembro, em resposta à questão: Como deve ser a programação da Rede Cultura, a ser liderada nacionalmente pela emissora paulista? O segundo maior contingente (32%) prefere a manutenção da grade da atual Rede Pública de TV, enquanto 27% escolheram só a programação da Cultura, sem parcerias com outras emissoras. Votaram 562 telespectadores.’