‘É visível a olho nu, no céu da televisão brasileira, uma conjunção astral favorável à implantação de um poderoso sistema de TV Pública, do tamanho que requer um país de dimensão continental como o nosso. Se os interessados não se mexerem, rápido, terão perdido uma oportunidade rara, que talvez se repita só daqui uns 50 anos – ou nunca mais.
E o que mostra o céu? Mostra o alinhamento da adoção do sistema digital com a proposta do governo de uma Lei Geral das Comunicações. Esses dois temas estão a girar no espaço sideral há dez anos, cada qual com luz própria, cada qual com suas polêmicas, e ambos com uma galáxia inteira de interesses comerciais em jogo. As multinacionais detentoras de patentes, os fabricantes de televisores e as grandes redes comerciais de TV montaram seus lobbies e, como conseqüência, o governo tem tratado o assunto na dimensão do negócio (de bilhões de dólares), deixando em segundo plano a discussão sobre os conteúdos.
É sabido que a decisão brasileira sobre a adoção de determinado padrão digital vai impactar a televisão no mundo inteiro. É sabido, igualmente, que a digitalização revoluciona a própria essência do meio TV, dotando-o de uma tal quantidade de aplicações que a alta definição da imagem entra como subproduto.
Ontem (22.11), na Universidade de Brasília, o subchefe da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, revelou o conteúdo do projeto do governo federal que pretende ‘assegurar a democratização das comunicações, com a elaboração de um novo modelo institucional’. O projeto é ambicioso. Aborda praticamente todos os aspectos do negócio e abre espaço para a reformulação da TV Pública em pelo menos dois itens. São eles:
‘Incentivar a criação de uma rede pública digital de rádio e TV, a partir da criação de regras de incentivo ao controle programático e ao investimento a partir da sociedade civil’; e,
‘Reestruturar o atual sistema de rádio e televisão educativos, transformando-o em um sistema nacional de rádio e televisão públicos, com financiamento contínuo e adequado, via fundo público e aportes privados de caráter não-comercial’.
Fundo público, propõe o projeto. Pode estar aí a salvação da lavoura da TV Pública brasileira. Ainda mais que o projeto distingue TV Pública das TVs comunitárias e das estatais. Hoje no Brasil existem duas emissoras – a TV Cultura, de São Paulo, e a TVE, do Rio de Janeiro – capazes de se constituir em cabeça de rede num projeto como esse. O país comporta duas redes públicas, desde que tenham programações complementares. O fundo público proposto pode ser a redenção de ambas e, mais que isso, a oportunidade imperdível de dotar o Brasil de um sistema à altura das necessidades do país.
E o que o jornalismo, único tema de interesse deste espaço, tem a ver com isso? Tudo. Atividade dispendiosa pela própria natureza, o jornalismo de uma emissora como a TV Cultura, para ser bem feito, demanda recursos do tamanho de todo o orçamento atual da Fundação Padre Anchieta – algo em torno de R$ 130 milhões/ano. Pela primeira vez em 35 anos, essa possibilidade está pelo menos em debate; bem conduzido, pode tornar-se uma probabilidade. Bem sucedido, pode construir uma nova realidade.’