‘Quando começou a inserir jornalismo na programação, a TV Cultura era uma emissora estatal. Sorte dela que, naqueles tempos heróicos, coube o pioneirismo ao comando de um dos melhores jornalistas brasileiros (daquela época e de hoje), Fernando Pacheco Jordão. Poucos anos depois, outro jovem brilhante, Vladimir Herzog, definiu como deveria se comportar o bom jornalismo face ao Palácio dos Bandeirantes: ‘Basta não ser servil’. A TV Cultura era uma emissora educativa bancada 100% pelo governo do Estado e vivia sujeita a interferências do patrono e seus prepostos. Isso foi há mais de 30 anos, quando se vivia debaixo de uma ditadura.
Hoje os tempos mudaram. A Cultura conquistou status de TV Pública, ‘sem submissão a governo ou ao mercado’. O tesouro do Estado ainda aporta 80% do total das receitas, mas há muitos anos (desde o governo Montoro) não interfere na vida da emissora. Mario Covas costumava dizer que a Cultura ‘é o único lugar que eu pago mas não mando’. Alckmin idem.
Não é por falta de liberdade, portanto, que o comando do jornalismo da TV Cultura vai mal. Ao contrário, o seu problema é o excesso de liberdade. Liberdade para criar o rótulo do ‘jornalismo público’ sem precisar explicar do que se trata. Liberdade para cometer erros imperdoáveis, com a certeza do perdão. Liberdade para reincidir diariamente nos erros, com a certeza da impunidade. Liberdade para acomodar-se no mínimo, já que ninguém lhe exige o máximo.
No início de setembro, quando a função de ombudsman passou a ter foco exclusivamente no jornalismo, pedi à direção da Cultura que fixasse alguns parâmetros de qualidade, dentro dos quais concentraria as minhas observações. O meu objetivo era não cometer injustiças, como a de criticar ações ou omissões que estivessem fora daqueles parâmetros. Eles foram fixados, especialmente para o Jornal da Cultura, o carro-chefe do jornalismo da casa. Passados mais de três meses, nada foi feito. O JC segue sua vidinha medíocre na mesma pasmaceira de sempre. Para quebrar a monotonia daquela solidão melancólica naquele cenário modorrento, vez por outra os apresentadores fazem caras e bocas, se divertem entre eles com as preferências futebolísticas de cada um, dão boas risadas e acham que isso é ser ‘informal’.
Resultado: o JC é, atualmente, o pior telejornal da TV brasileira. Enquanto, em outros horários, a Cultura dá mostras de criatividade, bom gosto, ousadia, inteligência, com uma grade de programação que vai aos poucos se firmando, o jornalismo sem comando está no fundo do fundo do poço. Quem assiste a qualquer telejornal do início da noite, nas emissoras comerciais, pode dormir tranqüilo sem ver o JC, com a certeza de que não perdeu nada.
A falta de competência, a falta de disposição para o trabalho e a falta de respeito pelo telespectador são capazes de produzir efeitos muito mais nocivos que a falta de liberdade. A direção da emissora, que fixou aqueles parâmetros, aparentemente não tem poderes para cobrar resultados. O comando do jornalismo da Cultura tem liberdade de sobra, inclusive para se sobrepor à direção da emissora. E, se a direção pode pouco, o ombudsman pode nada.’