Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Osvaldo Martins

‘O governo federal promete para 10 de fevereiro o anúncio do modelo brasileiro de TV digital. Tudo indica que será adotada a tecnologia japonesa (em detrimento da européia e da americana), com adaptações tropicais. É possível que os primeiros testes, experimentais, ocorram durante a Copa do Mundo, e que a entrada no ar para valer comece em 7 de setembro. A TV digital representa uma tal revolução que as próprias emissoras nem sabem ainda o que fazer com ela. Sabe-se, no mínimo, que a nova tecnologia subverte o próprio meio TV e cria em seu lugar algo tão novo quanto desconhecido.

A Globo, com toda razão, está com as barbas de molho. Ela lidera a audiência e o faturamento, em proporções hegemônicas, há quatro décadas. Detém, com enorme vantagem, o maior contingente de telespectadores e a maior parte do mercado publicitário. Nos dois quesitos, é maior que todas as demais emissoras somadas. Só que esse cenário diz respeito à televisão como a conhecemos desde que foi criada por Assis Chateaubriand em 1950. Durante meio século essa televisão só teve duas grandes novidades: o vídeoteipe e a cor.

Agora, não. O que vem por aí é outro meio de comunicação em substituição ao atual. É como trocar a carroça pelo foguete. Quem garante que o maior carroceiro será o líder dos fogueteiros?

Se houvesse no Brasil uma preocupação séria com o papel da TV pública, esta seria uma extraordinária oportunidade para o grande salto. Se as TVs públicas de que dispomos (leia-se Cultura e TVE) se entendessem e, juntas, tentassem viabilizar recursos para a nova etapa, a história da nova televisão brasileira seria outra. Poderiam, por exemplo, e no espaço de apenas um ano, sair da rabeira para a vanguarda. Condenado à alienação que advém da ignorância, o sofrido povo brasileiro bem que merecia o benefício da redenção digital. É triste reconhecer, mas isso não vai acontecer.

Os quase infinitos recursos oferecidos pela tecnologia digital, sobretudo os da interação, permitirão a criação de um tipo de telejornalismo inconcebível na realidade de hoje. Para quem ainda não aprendeu a fazer o jornalismo analógico, talvez fosse uma boa idéia experimentar logo o digital, com o equipamento já disponível para testes. Quem sabe, queimando etapas, a coisa poderia dar certo. Na mídia impressa isso representaria não ensinar os segredos da linotipo às vésperas do offset.

Setembro está aí – faltam só oito meses. Não sei se a Cultura já dispõe de um núcleo de formação profissional para a nova tecnologia que chega, inexorável. Não sei, tampouco, se o jornalismo da emissora está-se preparando para o admirável mundo novo. A TV e o jornalismo que temos começam a virar coisa do passado e não vale a pena gastar dinheiro com sucata. A Cultura e seu jornalismo deveriam investir na subversão do meio e – por que não? – tentar surpreender o mercado na virada do novo tempo.’