Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Osvaldo Martins

‘Ainda bem, para o país, que o pensamento de esquerda prevaleceu no meio jornalístico brasileiro enquanto isso foi importante. Os esquerdistas de então se opunham aos tubarões, como eram chamados os detentores do poder econômico primitivo, predatório e ‘entreguista’ herdado da elite agrária escravocrata. Ainda bem que durante décadas, na metade do século passado, as redações dos principais jornais foram comandadas por comunistas e seus aliados, muito a contragosto de alguns capitães da imprensa, que não conseguiam evitá-los. Os comunistas formavam a nossa vanguarda intelectual e sempre estiveram à frente das causas mais importantes de sua época.

Vários fatores contribuíam para essa supremacia – e o principal é que os comunistas eram, quase todos, muito competentes. Além de excelentes jornalistas, eram muito sérios, corajosos, solidários, estudiosos, criativos e bons companheiros de trabalho. Havia os sectários, convictos de que de Moscou emanava a nova ordem universal, e os democratas, hesitantes entre os valores ‘burgueses’ da liberdade e o dogma da ditadura do proletariado. Embora não tenha sido um deles, com eles convivi nas lides da imprensa e mantenho até hoje algumas amizades pessoais das quais me orgulho.

Depois de 1964, os comunistas foram caçados pela ditadura. Alguns tiveram a sorte de conseguir exílio. Mas muitos foram presos, torturados, mortos. O assassinato de Vladimir Herzog é bem um símbolo da saga dessa geração.

No início dos anos 1980 muitos jornalistas comunistas derivaram para o petismo que ajudaram a fundar e esses dois agrupamentos (os ortodoxos e os neo-lulistas) tornaram-se politicamente concorrentes – inclusive nas eleições do sindicato da classe.

Essa hegemonia, no entanto, não se sustentava apenas na competência. Quando abria uma vaga em uma redação, um novo comunista (quase sempre igualmente competente) tinha a preferência para preenchê-la. E quando surgia um novo jornal ou revista, lá iam eles, em grupo, fazer o bom trabalho de sempre. Eles se protegiam uns aos outros e com isso fundaram dinastias que, menos expressivas, sobrevivem até hoje.

O mundo mudou, o país mudou e com eles a imprensa e o jornalismo. Vários profissionais ex-comunistas, hoje veteranos, continuam em atividade em postos importantes emprestando o brilho de seus talentos em todas as frentes – inclusive na literatura.

A economia de mercado, a modernização das empresas jornalísticas e o processo seletivo imposto pela profissionalização do jornalismo impuseram uma nova realidade, de modo que a credencial de comunista perdeu validade. Se jovens ainda os há são raros, trata-se de uma espécie em extinção. Hoje estão fora de moda, mas se não chegam a ser politicamente discriminados por sua posição ideológica podem sê-lo, profissionalmente, por sua natureza jurássica. É muito difícil, no mundo contemporâneo, associar-se comunismo a modernidade.

O jornalismo da TV Cultura também teve a sorte de ser habitado por comunistas bons jornalistas. Hoje, basta ser bom jornalista.’