Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paula Cesarino Costa

Se a primeira semana de um governo é insuficiente para avaliá-lo, cabe ao jornalismo seguir a regra de Nicolau Maquiavel (1469-1527) em “O Príncipe”: “A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência é dada pelos homens que o cercam”.

O presidente interino Michel Temer anunciou em 12 de maio a equipe que administrará o país pelo menos até que o Senado julgue a presidente afastada, Dilma Rousseff, acusada de crime de responsabilidade no processo de impeachment.

Desde quando a composição do novo ministério foi apresentada ao país, a escolha da equipe de Temer dominou a cobertura política.

Na Folha, as primeiras edições sobre o novo governo tiveram reportagens ligeiras, sem contextualizações e revisão crítica de propostas. O jornal também pecou pela desorganização, com noticiário espalhado por diversas editorias sem remissão de um texto para outro e sem coordenação editorial entre elas.

Por outro lado, conduziu boas entrevistas com peças de destaque do novo governo e investiu em longos perfis jornalísticos sobre suas principais figuras, oferecendo ao leitor material mais aprofundado.

Desde a posse até sexta-feira (20), a Folha optou por seis manchetes baseadas em declarações, vindas de entrevistas coletivas ou exclusivas. As vozes dos novos ministros devem ser conhecidas e têm grande interesse jornalístico. Seria bem melhor, para não dizer obrigatório, que as manchetes estivessem articuladas com reportagens que trouxessem números comparativos, ouvissem analistas independentes, contextualizassem e apontassem rumos na discussão. O jornalismo não pode se limitar a blá-blá-blá.

Faltou a mensuração adequada das possibilidades reais de implementação de cada medida anunciada em entrevistas confortáveis dos novos assessores do novo presidente. De que serve ao leitor simplesmente reproduzir aquilo que cada ministro diz, sem a necessária discussão de sua viabilidade?

Caso exemplar foi o da entrevista do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que afirmou que o governo não tem condição de sustentar a cobertura universal determinada pela Constituição. No dia seguinte, surpreendido com a repercussão, recuou e disse que o tamanho do SUS (Sistema Único de Saúde) não seria revisto.

O jornal deu destaque à declaração que colheu, mas não se esforçou em contextualizar a situação atual dos recursos da saúde, em discutir números de atendimento e gastos e narrar os gargalos do sistema.

Entrevistas para a Folha virarem temas de debate no governo mostram a relevância do papel do jornal no espaço público. Ponto para a Folha. Mas o leitor ficou satisfeito?

AFOGANDO EM NÚMEROS

Começo de governo é hora de desfilar cortes, previsões, reformulações de orçamento. Já está em curso a temporada de números divulgados pelos diferentes ministérios. Sejam de retratos da herança recebida da gestão Dilma, sejam dos planos do governo Temer.

O jornal precisa estar mais bem preparado para traduzir e interpretar esses dados para o leitor. Não só em assuntos econômicos mas também nos temas sociais.

Tema sempre considerado fundamental, mas espinhoso, e adiado por governos sucessivos, a gestão Temer reabriu, por exemplo, a discussão de propostas para a reforma do sistema da Previdência.

O tema carece de aprofundamento, memória e análise. A natureza e a causa do rombo podem ser vistas de maneira diferente conforme a matiz ideológica de um analista, por exemplo. Cabe ao jornal estimular a pluralidade de pontos de vista sobre o tema para ampliar a riqueza do debate sobre o assunto.

O GRITO DA CULTURA

Uma das pastas de menor orçamento desde que foi criada, a extinção do Ministério da Cultura tornou-se a mais estridente crítica à nova administração.

Do protesto feito no tapete vermelho do Festival de Cannes, estampado no alto da Primeira Página de 18 de maio, à ampliação das ocupações de instalações culturais espalhadas pelo país, surpreendeu que o coro dos descontentes estivesse longe de integrar movimentos sociais radicais.

O jornal não discutiu em profundidade o que o Ministério da Cultura representa no setor, o que agregou desde que foi criado e se a relação custo/benefício é adequada. Faltou levantar números, explicar políticas, mostrar resultados.

Deixou de discutir até que ponto a intervenção do Estado na cultura é boa, ruim ou anódina.

Não quis nem provocar os artistas se reclamam por terem perdido editais, como cutucaram bastiões conservadores.

O jornal nem sequer ocupou-se de mostrar quem são os ocupantes dos prédios públicos pelo país.

No Palácio Capanema, no Rio, perdeu a talentosa paródia de “Carmina Burana”, de Carl Off, com coro de centenas de vozes gritando “Fora, Temer”, mas se recuperou ao registrar o “odeio você, Temer”, com Caetano Veloso, Erasmo Carlos e os descontentes.

Com tanta grita, ignorou a discussão sobre a fusão de Ciência e Tecnologia com Comunicações. Sem a mesma capacidade verborrágica e cênica, as queixas dos cientistas tornaram-se meros sussurros.