Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paula Cesarino Costa

Não há amizade, casamento ou negócio que sobreviva a gravações ou escutas telefônicas feitas em sigilo. Daí ser previsível o alvoroço entre políticos com a ampla divulgação de conversas a partir de gravações de aliado que se tornou colaborador da Justiça na apuração de crimes.

A partir da edição de segunda (23), a Folha trouxe importantes revelações sobre os meandros da política ao publicar trechos de gravações de conversas de cardeais do PMDB e do governo Michel Temer.

O repórter Rubens Valente descobriu que o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado –político experiente próximo da cúpula do PMDB e longa folha de serviços prestados a governos petistas e tucanos– estava em negociação para se tornar colaborador da Lava Jato.

Valente, repórter investigativo premiado, teve acesso a uma série de conversas que o próprio Machado havia gravado. A cada dia publicou uma. No final da semana, a TV Globo divulgou outras gravações.

Colaboração premiada é uma técnica de investigação que consiste na oferta de benefícios pelo Estado àquele que confessar e dar informações úteis ao esclarecimento de fato delituoso. Tornou-se mais comum referir-se a ela como delação premiada, apesar da imprecisão do termo.

Do ponto de vista estritamente jornalístico, a publicação das gravações trouxe à tona questões limítrofes. O jornal deveria ter explicitado como obteve acesso às gravações? Obteve todas de uma só vez e decidiu publicá-las em edições subsequentes? O jornal pode ter sido manipulado?

A primeira reportagem pecou por limitar-se a informar que a conversa de Machado com o então ministro Romero Jucá foi gravada de “forma oculta”. Só depois da publicação o leitor soube que eram gravações feitas por Machado com o objetivo de obter acordo de colaboração.

Um leitor lembrou que, na ocasião da divulgação da delação de Delcídio do Amaral, Dilma Rousseff queixou-se de “vazamentos seletivos”. Esses também não seriam?

Vazamentos, no meu entender, são sempre seletivos. Sejam documentos, gravações, relatos ou descrições de estado de espírito. Cabe ao repórter não se limitar a eles e sair a campo à busca de confirmações, conexões e desdobramentos. Investigar os interesses de quem forneceu a informação. Não basta relatar uma escuta. O jornal tem de buscar meios de esmiúça-la e avançar em investigações próprias.

Quase nunca as 24 horas que separam uma edição impressa de outra são o tempo necessário para esclarecer um tema. O importante é o compromisso com a investigação noticiosa equilibrada a longo prazo. Se levarem à queda de um ministro ou de um governo, terá sido por fragilidades destes e robustez daquela.

EM BUSCA DO JORNAL DO FUTURO

Em meio a tantas incertezas sobre o futuro do jornalismo, torna-se consensual que terá de mudar. Como e para onde ninguém tem uma resposta clara e precisa.

Mais importante jornal do mundo, “The New York Times” montou grupo para alinhavar mudanças que quer implantar até 2020. Na semana passada, memorando interno listou indicações valiosas. Menos reportagens superficiais, feitas apenas “para registro”. Menos notícias tradicionais. Menos textos empolados. Mais formas de contar histórias. Mais histórias visuais.

Cada peça da engrenagem do jornal terá de ser reajustada.

Repórteres terão maior responsabilidade na busca de estratégias para que suas narrativas sejam lidas ou assistidas.

Para o “NYT”, a atribuição dos editores, num futuro próximo, não será se preocupar com o preenchimento do espaço das páginas da edição impressa. Devem se preocupar com a qualidade jornalística e narrativa, empenhando-se em encontrar as melhores maneiras de contar histórias em múltiplos meios.

O jornal planeja criar um grupo de editores e diagramadores com a missão exclusiva de adequar o produzido para a amplidão do jornalismo digital para o impresso.
A lógica será invertida.

Em última análise, o objetivo é criar uma redação que seja mais ágil e menos sobrecarregada com inchaço burocrático.