Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘O leitor Edson Goncalves de Almeida perguntou: ‘Por que os jornalistas da
Agência Brasil estão sempre a reboque da UOL e da FOLHA?’ Referindo-se às
semelhanças entre os assuntos tratados e aos conteúdos publicados pelo portal de
notícias da Folha de São Paulo e a Agência Brasil ele afirmou que: ‘às vezes até
copiam totalmente a reportagem… O interessante é que quem dá a PAUTA é sempre
a UOL e a FOLHA e nunca vejo independência nos jornalistas da AGÊNCIA BRASIL.’ A
título de exemplo, o leitor copiou em sua mensagem quatro casos recentes nos
quais ocorrem as semelhanças citadas entre as matérias do portal e da ABr.


A Agência Brasil respondeu ao leitor que: ‘1) Não é verdade que a Agência
Brasil está sempre a reboque do UOL e da Folha, ao contrário, como fica claro no
exemplo dado pelo leitor: ’ Creche é fechada em SC após confirmação de caso de
gripe suína’ , a Agência Brasil publicou a matéria às 17:22h. A Folha Online
publicou, com crédito, a matéria da Agência Brasil às 21:08 h. 2) A Agência
Brasil não copia matérias do UOL e da Folha por suas normas editoriais. O
exemplo dado pelo leitor de resgate de 17 corpos é resultado de uma entrevista
concedida a todos os veículos de comunicação, onde a Agência Brasil estava
presente. 3) A Agência Brasil sempre se pauta por assuntos de interesse do
cidadão, como em todos os casos apontados pelo leitor.’


Em virtude das colocações do leitor e da resposta da ABr, os demais leitores
poderiam perguntar: mas afinal, quem está pautando quem? Isso é o que menos
importa. Se há semelhanças entre os assuntos pautados por um e outro veículo
inclusive com semelhanças entre os respectivos conteúdos publicados, isso pode
indicar que todos bebem da mesma água, se abastecem dos mesmos releases, ouvem
as mesmas fontes, pelo menos no que se refere ao chamado ‘hardnews’ – as
‘notícias do momento’.


Pode significar que usam os mesmos critérios editoriais para estabelecer suas
pautas e daí decorre uma outra pergunta que está implícita na mensagem do
leitor: ‘o que diferencia uma agência pública de notícias de uma agência privada
se ambas tratam dos mesmos assuntos e da mesma forma? Ela não foi textualmente
respondida mas, pode-se extrair da resposta da ABr que ambos os veículos se
pautam por aquilo que julgam ser ‘assuntos de interesse do cidadão’ . Porem há
que se salientar ser essa apenas uma suposição uma vez que nem o portal UOL nem
a Agência Folha foram ouvidos.


Independentemente das opiniões de um ou outro veículo sobre o que julgam ser
assuntos de interesse do cidadão, essa é uma velha polêmica, tão velha e ao
mesmo tempo tão nova quanto o próprio jornalismo. Velha porque desde os seus
primórdios o jornalismo se debate para saber onde está focalizado o interesse do
público a cada momento, tentando adivinhar as vontades e satisfazer as
necessidades em termos de informação – é o que podemos chamar de jornalismo
reativo. Como os veículos de informação não dispõem ainda de bolas de cristal e
sequer de pesquisas sérias para identificar a cada momento, a cada novo fato, a
vontade do cidadão, muitos se arvoram no direito de dizer a ele, cidadão, o que
deve ser de seu interesse e em seu nome decidem o que ele deve saber.


A polêmica é nova também porque até hoje o jornalismo ainda engatinha em
matéria de uma metodologia que permita avaliar corretamente quais são as
necessidades do cidadão em termos de informação. A solução para tal polêmica
talvez transcenda ao jornalismo em si e esteja um pouco mais além das técnicas
que os jornalistas aprendem ou apreendem nas escolas. Ela pode estar no
acompanhamento dos processos históricos, em todos os níveis de organização da
sociedade e da atividade humana. Assim, a Agência Brasil, por não precisar
vender seu conteúdo para os anunciantes, pode se pautar pelo interesse público e
não do público, e informar o cidadão sobre os fatos a partir desses processos
históricos e não do sensacionalismo dos fatos pelo seu impacto espetacular no
cotidiano da sociedade.


Para exemplificar o que estamos dizendo, vamos analisar dois casos de
coberturas recentes da Agência Brasil.


Gripe Suína


Na tarde de quinta-feira, 30 de abril, véspera do feriado do Dia dos
Trabalhadores, me deparo com uma senhora em um supermercado de Brasília:
estatura mediana, calça preta justa, blusa amarela, cabelos castanhos compridos,
aparentando uns cinqüenta anos. A figura não me chamaria a atenção a não ser por
um detalhe: ela usava uma máscara cirúrgica azul. Confesso que
preconceituosamente, associei o fato ao estardalhaço que a mídia fazia sobre a
possível pandemia da chamada, até então, Gripe Suína. As imagens de pessoas
usando máscaras em outros países estavam em todos os telejornais, várias vezes
ao dia. Pareceu-me que aquela personagem havia acabado de sair de um deles.


Dias mais tarde, dei-me conta de que aquela senhora poderia estar usando
máscara, por exemplo, para se precaver da epidemia de Tuberculose que infecta
cerca de 65 mil brasileiros por ano, 80 mil adoecem e cinco mil acabam morrendo,
segundo informa uma das 12 matérias publicadas este ano sobre o assunto na
Agência Brasil.


Na ABr, contrastando com a quantidade de notícias sobre outras doenças
infecto-contagiosas e/ou epidemias, a gripe suína foi objeto de 214 matérias
entre 23 de abril e 19 de maio, menos de um mês. Enquanto isso, no mesmo
período, a epidemia de dengue, por exemplo, que fez, só em 2009, 226 mil vítimas
das quais 51 fatais, foi assunto de 14 matérias.


Já a Meningite, que contaminou 309 pessoas com 41 mortes na Bahia, foi
assunto de apenas uma matéria e o surto de Conjuntivite em Pernambuco, que
atingia, até aquela data, mais de 700 pessoas ao dia, não foi tratado em nenhuma
matéria. A Malária, que contabilizou em 2008, 306.347 casos, foi objeto de três
matérias em 2009.


Fazendo as contas, até 19 de maio, tínhamos:





















































Doença Casos Suspeitos Casos

Confirmados
Mortes N.
de
matérias
Dengue (2009) 226.000 51 14
Tuberculose (ano) 80.000 5000 12
Malária (2008) 306.347 3
Hanseníase (ano) 40.000 2
Meningite(BA-2009) 309 41 1
Conjuntivite (PE/dia) 700 0
Gripe Suína 38 8 0 214
(-)
informação não encontrada nas matérias da ABr.

Portanto precisamos perguntar como o interesse público influenciou a decisão
editorial da cobertura da Gripe Suína, na intensidade em que foi feita, e não
influenciou a cobertura das demais doenças?


Uma das possíveis respostas encontra-se em uma dentre as 214 matérias. Na
notícia Destaque dado à gripe suína na mídia abafa importância de outras
doenças, diz pesquisador , publicada dia 7 de maio, o antropólogo entrevistado
pela reportagem da ABr explicou que o destaque dado ao assunto se motiva
principalmente pelo fato de ‘o discurso midiático ser um discurso
espetacular’.


A propósito, o próprio leitor Edson Goncalves contestou a resposta da Agência
Brasil:’Neste caso, tentei mostrar que a Agência Brasil vem trabalhando para
disseminar o MEDO/TERROR [grifo do leitor] à população sobre a gripe suína,
assim como fazem o UOL e FOLHA. Algo muito parecido com a febre amarela em
tempos idos… é bom lembrar que a gripe suína não representa este mal que tanto
falam… há doenças piores no nosso meio e que infectam em proporções bem
maiores… A Agência Brasil deveria destacar que apesar de mais um número no
caso da gripe suína, o país têm mantido o controle da doença melhor que em
muitos países ditos primeiro mundo… faltou estas ‘aspas’ e assim, a Agencia
Brasil ficou muito próximo do alarmismo inconsequente da grande mídia.’


Em sua réplica a ABr contestou:’Não consideramos adequada, e crivel, a
opinião do leitor de que a Agência Brasil ‘vem trabalhando para dissiminar o
medo/terror à população sobre a gripe suína’. Temos feito uma cobertura
informativa sobre a doença com avaliações de profissionais credenciados, de
autoridades da área da saúde do governo brasileiro e da organização mundial da
saúde.’


Uma semana antes de eclodir na mídia a Gripe Suína, a questão da cobertura do
assunto saúde pública foi objeto de uma correspondência entre esta Ouvidoria e a
ABr. Nela elogiamos o fato de ter noticiado a partir de um release do Ministério
Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) a sentença proferida pela Justiça
Federal condenando a União e a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro pelo não
cumprimento das metas de implantação do Programa de Saúde da Família (PSF).


Naquela oportunidade sugerimos à ABr aprofundar o debate sobre as ações
preventivas e curativas em saúde apurando quanto e como o Estado gasta nas
respectivas políticas públicas, qual a sua eficiência e sua eficácia. Para isso,
lembramos que seria necessário recuperar o processo histórico de criação do
Sistema Único de Saúde (SUS) e os debates que se seguiram nas Conferências
Nacionais de Saúde nas quais surgiu a idéia do PSF. Sugerimos também que fosse
feito um balanço sobre a implantação e manutenção do Programa e de suas metas em
todo o Brasil a partir de certos indicadores contidos na sentença proferida pelo
juiz: ‘ver os índices de morbidade e de mortalidade principalmente no Rio de
Janeiro e a situação de calamidade em que se encontra a saúde pública’. A
Agência Brasil respondeu que aceitava a sugestão e que iria pautar o
assunto.


Dignidade violada


Nas 61 matérias que integram a cobertura da ABr sobre a questão dos presídios
intitulada Dignidade Violada, publicadas entre os dias 15 de maio e 4 de junho,
encontramos o escândalo do sistema prisional brasileiro comentado por
especialistas, políticos, presidiários, organizações da sociedade civil e
autoridades dos três poderes. No total foram ouvidas 94 fontes sendo: Poder
Executivo Federal: 18 (19%); Executivo Estadual: 28 (30%); Legislativo Federal:
6 (6%); Legislativo Estadual: 1 (1%); Judiciário Federal: 12 (13%);Judiciário
Estadual: 5 (5%); Ministério Público Federal: 3 (3%); especialistas: 3 (3%);
sociedade civil organizada: 13 (14%) e populares, todos de Espírito Santo: 5
(5%).


Nos primeiros seis dias a cobertura esteve focada exclusivamente na situação
dos presídios do estado do Espirito Santo e no pedido de intervenção federal
feito pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão
ligado ao Ministério da Justiça, em função de denúncias de tortura e
esquartejamento de presos. Em uma das penitenciárias, o Conselho identificou
pessoas presas em conteiners, cercados de lixo, esgoto a céu aberto e grande
quantidade de insetos e ratos.


Sobre essa Cobertura Temática, em 20 de maio, o leitor Joaquim José Aires
escreveu: ‘O que a Agência Brasil está fazendo com o Espírito Santo vai contra
qualquer princípio do bom jornalismo. Ignorando o outro lado e se posicionando
claramente a favor de um conselho político inoperante [Conselho Nacional de
Justiça], a Agência mostra que está a serviço da política rasteira que predomina
nos corredores do Congresso.’ Até aquela data a ABr havia publicado19 matérias,
nas quais foram ouvidas um total de 29 fontes. Destas, 18 (62%) criticavam a
omissão do governo do estado em relação às condições no sistema prisional e 4
(14%) das fontes o defendiam falando de medidas previstas para amenizar a
situação.


A Agência Brasil respondeu: ‘Discordamos da opinião do leitor. Não temos
nenhum reparo a fazer sobre a cobertura. Todas as partes estão sendo ouvidas.
Ainda hoje [20] publicamos uma longa matéria com secretário da Justiça do
Espírito Santo, Ângelo Roncalli.’


Para saber o que ‘a Agência Brasil está fazendo com o Espirito Santo’ fizemos
uma leitura crítica da cobertura. Ela é um retrato que tem em primeiro plano a
situação prisional, em segundo plano as responsabilidades do Estado brasileiro e
por ultimo, como pano de fundo, de maneira pouco delineada, uma sociedade que
não tem mais onde ‘guardar’ seus excluídos. Tudo isso encadeado em um processo
cujas origens não foram identificadas nas matérias mas que nem por isso torna o
retrato menos real.


Talvez seja essa realidade que o leitor não queria ver transformada em debate
público, pelo menos não da maneira como estava sendo feito na primeira semana da
cobertura. O enfoque sobre o pedido de intervenção federal no estado, lembrava a
intervenção ocorrida em 2000 devido à ação do crime organizado infiltrado nas
instituições. As matérias da ABr não recuperam essa informação.


A partir da segunda semana da cobertura (21 de maio) o espectro começou a ser
ampliado sendo ouvidas autoridades do Poder Executivo Federal (sobretudo o
ministro Tarso Genro, e o diretor do Departamento Penitenciário Nacional – Depen
– do Ministério da Justiça) que amenizaram a situação, admitindo que existem
falhas no sistema prisional em escala nacional.


Foram entrevistadas apenas duas autoridades prisionais do Espírito Santo: o
diretor de uma prisão que forneceu dados sobre o número de presos e o
superintendente de Policia Prisional do Estado, que jogou nos presos a culpa
pela sujeira nos presídios. A partir do dia 26 de maio a situação em outros
estados – Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraíba, Pará e Santa Catarina,
alguns dos quais também usam conteiners para abrigar presos – começou a aparecer
nas matérias tirando o foco exclusivo sobre os capixabas.


A proposta de reforma do Judiciário não foi discutida nas matérias. A adoção
de penas alternativas foi citada duas vezes, mas só para registrar o fato de que
a legislação ainda não se adequou a essa possível solução para amenizar a
superlotação carcerária. O debate sobre essas questões poderia contextualizar o
problema de forma mais ampla dando outra dimensão à cobertura. Os leitores
poderiam ser informados por exemplo, por que em vez da reforma do Judiciário, o
Conselho Nacional de Justiça articulou apenas uma solução pontual com um
‘mutirão’ no Espírito Santo?


Na foto de chamada para a cobertura temática explodem mãos clamando por
justiça através das grades. Aliás, a mesma justiça que as colocou atrás das
grades e que agora não sabe o que fazer quando as grades não comportam mais
mãos, quando o Estado não tem mais aonde ‘depositar’ essas testemunhas que
teimam em sobreviver à ineficácia e à ineficiência de políticas públicas, tanto
fora quanto dentro das cadeias. A cobertura permite ao cidadão saber tudo isso,
mas falha ao não explicar por que isso ocorre.


Esse debate está pautado por um jornalismo que cumpre sua função social ao
denunciar, fiscalizar e registrar nas páginas da história as masmorras que o
processo civilizatório não conseguiu eliminar, alem de apontar as contradições
de autoridades que tentam esquivar-se de suas responsabilidades pela
situação.


São dois tipos de jornalismo. Na cobertura da Gripe Suína a Agência se
assemelha aos demais veículos de comunicação se submetendo ao que a mídia em
geral supõe ser de interesse dos cidadãos. Na cobertura da violação da dignidade
humana nos presídios brasileiros a Agência se aproxima de seus próprios
princípios públicos e, portanto, consegue se diferenciar. Quais os critérios
editoriais utilizados para se decidir por um ou outro tipo de cobertura? Esse
debate poderia contribuir para a construção de critérios e paradigmas da
comunicação pública conforme consta das atribuições da EBC: colaborar para
formar cidadãos críticos e conscientes.


Até a próxima semana.’